
Em tempos de cen�rios escalafob�ticos quanto ao futuro da economia vitimada pela pandemia, cabe conjecturar o que poderia acontecer se o governo de Jair Bolsonaro acabasse. Tal reflex�o precedeu a queda de Fernando Collor e de Dilma Rousseff, que foram afastados.
O que se esperava? Fartura e bonan�a. O que aconteceu? O oposto do esperado: car�ncia e agita��o. N�o havia nenhum projeto para por no lugar. Nem quadro do Romero Brito para pendurar na parede.
O que ser� do Brasil com ou sem Bolsonaro � mais que uma d�vida de ordem especulativa. � a quest�o central que est� em aberto tanto no quadro de perman�ncia do presidente quanto no de virada de mesa. As respostas est�o em boa parte nos infort�nios dos governos passados.
Os governos mais bem-sucedidos ganharam tempo com reformas de alto impacto (FHC) ou tiveram a favor a economia externa e nenhum grave problema fiscal a resolver (Lula). Hoje, a economia global n�o tem for�a para empinar a economia, as contas p�blicas est�o bichadas e ningu�m em sua equipe disp�e de habilidades para formular algo com a inventividade do Plano Real, que estancou a infla��o end�mica.
Em seu quarto ministro da Fazenda, o governo Itamar Franco achou a luz gra�as � reforma monet�ria de 1994, que deu elei��o e reelei��o a FHC, mas n�o elegeu o sucessor. Perdeu para Lula, que recebeu uma economia razoavelmente organizada, apesar de pich�-la com o r�tulo de “heran�a maldita”, e foi agraciado pelo boom das commodities.
Com a ajuda das importa��es chinesas e dois anos de ortodoxia das pol�ticas monet�rias e fiscal, ele logo p�de ampliar a pol�tica de transfer�ncia de renda, retomar os investimentos em infraestrutura, abandonados desde o fim da ditadura, e eleger Dilma por duas vezes.
Dilma esbanjou o que faltou a FHC: o gasto p�blico, tanto em mais aumentos ao funcionalismo, contrata��es e pol�ticas sociais, quanto em investimento p�blico em grandes obras, tocadas por empreiteiras com dinheiro subsidiado de bancos estatais, e aportes em uns poucos grupos empresariais companheiros. Fez como se n�o houvesse amanh�.
O desarranjo econ�mico no segundo mandato de Dilma desencadeou sua desdita junto � base de apoio no Congresso, a mesma � qual recorreu agora Bolsonaro, e a pol�tica fiscal ortodoxa que ela relan�ou.
Confundidos pelas sequelas
A exegese destes dois momentos da vida pol�tica explica o nosso futuro incerto e suas raz�es. Para o senso comum, o pa�s se afogou nas �guas profundas da corrup��o, o que � sequela, n�o causa de a economia se desgarrar da bonan�a global e entrar em regress�o nesta d�cada (que se encerra este ano), ou h� mais de 30 anos, olhando-se a ind�stria de bens manufaturados em rela��o aos outros emergentes.
Mais que a corrup��o em si, a criminaliza��o da pol�tica, encenada pelos cultores da Lava-Jato com a ajuda da imprensa, fragilizou as institui��es, sobretudo o Congresso e depois o STF, e pavimentou a elei��o de Bolsonaro com seu discurso radical e suposto moralismo.
Corrup��o normalmente � sequela de disfun��o organizacional, seja ela p�blica ou privada, assim como infla��o � a degenera��o da vida econ�mica devida a governantes fracos e crise cambial decorre do que n�o preocupou na rela��o entre a demanda e a oferta dom�stica.
Tais mazelas n�o s�o causa, mas consequ�ncia do que n�o funciona, assim como febre n�o � doen�a, � um aviso do corpo pedindo socorro.
V�rus das finan�as p�blicas
O que torna a cena econ�mica atual diferente da vivida por Itamar, FHC, Lula, Dilma e Michel Temer � que o problema real foi empurrado para frente, isto �, os privil�gios constitucionais para a elite do funcionalismo p�blico, os programas de bem-estar dissociados de uma permanente indu��o � expans�o do Produto Interno Bruto (PIB), mil e uma isen��es e regimes tribut�rios especiais, um sistema financeiro conivente com um Tesouro sempre dependente do endividamento a juros abusivos para o governo federal de turno fechar suas contas, etc.
Considere que tais mazelas foram se acumulando no tempo por for�a da aplica��o de juros compostos, como o cr�dito rotativo no cart�o asfixia os endividados. � a s�ndrome respirat�ria aguda grave que nos arru�na a todos, o COVID-19 das finan�as p�blicas e pessoais.
Ent�o, temos de cortar o gasto, como pregam ortodoxos e liberais? N�o � t�o f�cil. Isso � o que se tenta com teto de gastos inserido na Constitui��o, a meta de d�ficit do or�amento federal, o regime de metas de infla��o, controles dos programas de despesas, sempre tudo sobre consequ�ncias, n�o sobre a causa, que segue intacta e ser� driblada. Como foi na reforma da Previd�ncia, que manteve as excepcionalidades da casta das corpora��es, nos aumentos salariais que antecedem os cortes, hoje com o benepl�cito de Bolsonaro.
Op��o por plano obsoleto
A reforma que urge fazer � a da governan�a do setor p�blico. Isso n�o bem para diminuir o gasto, mas para aplicar a receita no que � verdadeiramente relevante (log�stica, sa�de, educa��o etc.). N�o � de Estado m�nimo que se fala, � de Estado que funcione com justi�a.
Essa � a reforma que deveria ter sido feita ao lado da monet�ria em 1994. Tentou-se em 2005, quando Lula escalou Dilma para melar o plano de d�ficit zero em quatro anos, de Delfim Netto, o czar da economia de tr�s governos militares, que lhe fora levado pelo seu ministro da Fazenda, Antonio Palocci. “Gasto � vida”, disse Dilma.
Antes, bastava ajustar o gasto fiscal � receita. Hoje, n�o mais. A economia entrar� em pane final, se o atual liberalismo de fachada e obsoleto do governo for estressado. O pa�s precisa de um plano de crescimento em que fundos p�blicos sirvam como igni��o do capital privado e de reforma que vede o custeio do Estado � revelia de sua efic�cia, fun��o de gest�o inovadora e tecnologia. O plano existe.
Bolsonaro teve tempo para entender tais caminhos. Optou por guerra ideol�gica e distra��es. Ok. Vejamos at� onde ir� a sua audi�ncia.