
Vamos refletir: propor a volta da CPMF camuflada como instrumento de cria��o de emprego formal, apesar de a carga tribut�ria j� ser a maior entre os pa�ses emergentes como o nosso, ou se alarmar com o d�ficit das contas p�blicas, alargado pelo gasto excepcional devido � pandemia, n�o favorece a economia, a sociedade e at� o governo.
Imposto nocivo, pois incide sobre qualquer movimenta��o referente a rendas recebidas, pagamentos e transfer�ncias j� oneradas algumas vezes antes, a CPMF n�o tem similar em nenhum pa�s onde a economia e as institui��es sejam merecedoras de aten��o.
Aqui, surgiu como algo provis�rio toda vez que o governante da vez se viu apequenado pelos desafios a enfrentar. Foi assim com FHC e com Lula, de quem o Congresso tirou o tributo, compensado pela alta simult�nea do IOF, um gravame regulat�rio sem os fins arrecadat�rios em que ele se transformou.
O governante apela � CPMF como o parente folgado que vive � custa da fam�lia: em vez de mudar seus h�bitos perdul�rios, tunga os mais pr�ximos recorrendo a argumentos melodram�ticos. Como agora, quando o presidente Jair Bolsonaro associou a for�a do aux�lio emergencial criado pelo Congresso para prover a renda perdida na pandemia pelos trabalhadores informais, e estendido ao cadastro do Bolsa-Fam�lia, ao aumento de sua popularidade entre os pobres, maioria no pa�s.
Viesse para eliminar a pobreza e incentivar a expans�o econ�mica e o emprego puxada pelos investimentos, a CPMF faria sentido. Mas sua motiva��o � politiqueira, sempre foi – na origem, supostamente para a sa�de; agora, para desonerar encargos sociais das empresas sobre a folha, entre os quais a contribui��o ao INSS, limitados a at� um ou dois sal�rios m�nimos. � isso que o ministro Paulo Guedes chamou de “substitui��o tribut�ria” – saem os encargos e entra a CPMF.
Ele espera que a desonera��o criada no governo Dilma e restrita hoje a 17 setores fa�a o que n�o fez o que ela tamb�m achava que faria, com o apoio de v�rias entidades empresariais: criar empregos formais com a substitui��o da contribui��o previdenci�ria por uma taxa sobre o faturamento. O rombo do INSS aumentou, mas n�o o emprego formal. Como o dinheiro n�o tem cor, a CPMF servir�, na pr�tica, tanto para o projeto de reelei��o de Bolsonaro quanto para abater o d�ficit do or�amento federal. Foi s� ao que serviu nos anos em que existiu.
Governo como bar�o feudal
O mal da CPMF repaginada por Guedes � seu potencial regressivo, e n�o s� por onerar toda a base de pagamentos do pa�s sem distinguir pobre de rico. Como � indiferente ao n�mero de transa��es no curso das cadeias de produ��o, seu custo vai crescendo exponencialmente, at� chegar ao investimento, � exporta��o e ao bolso do consumidor.
Tratado como um imposto digital aderente aos tempos atuais, quando digital � o sistema de arrecada��o, n�o o tributo, a CPMF expropria sem qualquer nexo com a capacidade contributiva da base tributada. Faz do governo um bar�o feudal, ao qual os escravos da gleba eram obrigados a entregar o maior quinh�o do que produziam.
N�o se deve tamb�m menosprezar seu efeito delet�rio para o sistema monet�rio e financeiro. O “imposto sobre transa��es”, como prefere o ministro, com al�quota de 0,2% nas duas pontas, � uma enormidade com a Selic a 2% ao ano, infla��o, digamos, de 3% em 12 meses, mais IR na fonte, IOF, taxas de administra��o de bancos e fundos.
A sequela vir� com desfinanceiriza��o, desbancariza��o e indu��o ao uso do dinheiro manual e � informalidade, al�m do duro golpe nas fintechs e no novo sistema de pagamentos instant�neos, o PIX, que o Banco Central lan�ar� em 16 de novembro. Ser� um retrocesso.
Me engana que eu gosto
Nem sequer se pode alegar a favor da CPMF a inten��o do governo de ampliar o b�nus e o alcance do Bolsa-Fam�lia, visando atender � parte dos informais assistidos com o aux�lio emergencial at� dezembro.O problema n�o est� na falta de receita para ampliar o programa de transfer�ncia de renda, mas na emenda constitucional que congelou o gasto p�blico federal ao realizado em 2016, corrigido a cada ano na lei or�ament�ria (LOA) pelo IPCA. Ou o Congresso corta gastos com o funcionalismo (para encaixar o Renda Brasil na LOA) ou estende esse regime de exce��o (que expira este ano) ou pedala o teto e exclui o Bolsa-Fam�lia da regra. Ou, enfim, muda a Constitui��o.
E a substitui��o de parte dos encargos sobre a folha pela CPMF? � duvidoso o seu efeito sobre o aumento do emprego, j� que o sal�rio � custo como qualquer outro, de modo que, se contratar com carteira assinada � oneroso, a diferen�a � compensada com a redu��o do valor pago ao assalariado, a que t�tulo for (f�rias, 13º, seguro etc.).
Qual o papel do Congresso
A quest�o de fundo � que, d� quantas voltas for, o pa�s n�o achar� o caminho da fortuna se o Congresso, mais que o governo, continuar adiando o que lhe compete fazer – a reforma do Estado, e n�o apenas para reduzir custo, mas para ser eficiente e alinhado ao progresso.O pa�s precisa de empregos e educa��o igualit�ria para todos, n�o de programas compensat�rios de renda que perpetuem a pobreza em vez de venc�-la, contrariando os pol�ticos populistas e demagogos.
Isso se faz com crescimento, que, por sua vez, depende de empresas inovadoras, de tecnologia, de confian�a na justi�a e de paz social. O resto � desperd�cio. Na estatal Eletrobras, por exemplo, a gest�o do executivo Wilson Ferreira J�nior reduziu de 26 mil para 12 mil o quadro de funcion�rios em quatro anos, com ganhos de efici�ncia. E poderia funcionar com 7,6 mil, segundo estudo da consultoria BCG.
N�o h� que se perder tempo com programas e projetos pensados para fins que n�o sejam unicamente o do interesse p�blico. CPMF, em vez da reforma tribut�ria ampla discutida na C�mara, � escapismo. E flertar com estagna��o, infla��o, desemprego, atraso, pobreza etc.