
A “sofr�ncia” do governo para conciliar a retomada de uma relativa normalidade da economia, passada a fase mais dram�tica da pandemia, com a vontade do presidente Bolsonaro de manter a sua popularidade anabolizada pelo pagamento do aux�lio emergencial, mostra muito mais que estagna��o econ�mica, afli��o social e Tesouro exaurido.
Mostra, sem sofismas, um governo voltado mais aos des�gnios do “chefe” – no caso, arrumar verbas para um novo Bolsa-Fam�lia para chamar de seu, n�o para eliminar de modo perene a pobreza, algo que o programa criado por Lula em 2003, fundindo a��es assistencialistas lan�adas no mandato de FHC, tamb�m n�o conseguiu. Populismo na veia.
Mas como atender ao cacique da vez, se o or�amento federal ostenta d�ficits desde 2014 (e, se agregar o custo da d�vida p�blica, nunca conheceu super�vit, assim como a maioria da popula��o nasce e morre sem jamais aproveitar os direitos da CLT, vivendo na informalidade, �s vezes sem RG e certid�o de nascimento, como constatou a CEF)?
O bate-cabe�a entre o presidente, os l�deres da base governista no Congresso e o ministro da Economia, Paulo Guedes, todos querendo as solu��es simplistas que o or�amento federal n�o mais permite, exp�s o que muitos fingiam n�o ver: a gest�o claudicante, sem planos, sem ideias para desatar o desenvolvimento, sem capacidade executiva.
Se houve avan�o no campo das reformas, isso se deve � lideran�a do presidente da C�mara, Rodrigo Maia, no Congresso e � confian�a que usufrui junto ao empresariado, n�o a planos bem-acabados de Guedes.
A verdade ignorada por l�deres pol�ticos e ministros, cujo of�cio lhes nega o direito � ignor�ncia, � que h� a emenda constitucional que congelou o gasto p�blico ao realizado em 2016, corrigido pela infla��o anual por 10 anos. Significa que n�o ser� com aumento de impostos que se resolver� a car�ncia de caixa para prover um Bolsa- Fam�lia com mais participantes e b�nus maior que os R$ 197 pagos em m�dia pelo programa e abaixo dos R$ 300 do aux�lio emergencial, que expira em dezembro. A emenda do teto tamb�m n�o implica s� cortar.
Ela foi aprovada pelo Congresso para induzir uma reforma ampla do Estado (ou setor p�blico) nacional. A tal da reforma administrativa mexe com sal�rios do funcionalismo, mas n�o moderniza o Estado, por exemplo. Empurra com a barriga a governan�a que travou a economia.
Privil�gios de bar�es
O Brasil de hoje, no cap�tulo social, est� como a Inglaterra ainda em guerra, em 1942, quando o economista William Beveridge divulgou o Report on social insurance and allied services com as diretrizes que fundamentam as bases do Estado de bem-estar social moderno.
Beveridge disse tudo numa s�ntese magistral: aquele era “um tempo para revolu��es, n�o para improvisa��es”. Aqui, remendo � o que mais tem. Tome-se a reforma monet�ria de 1994: amansou a infla��o, mas manteve o grosso da corre��o monet�ria, um jeito malandro de duvidar do Banco Central, e deixou quieto o regime fiscal de 1988.
Mal gerido e ocultado das discuss�es nos anos seguintes, ele fez o gasto obrigat�rio chegar a 93% do gasto total, puxado pela folha do servidor, Previd�ncia e programas sem teste de custo e benef�cio.
Uma reforma que apenas congele sal�rios de funcion�rios, sobretudo de sua elite, e adie benef�cios n�o ser� eficiente, j� que joga o problema pra frente, sem adequar a governan�a ao mundo digital.
O Judici�rio, por exemplo, continua no modo anal�gico, com sedes suntuosas e privil�gios de bar�es. No Congresso, cada parlamentar emprega sem raz�o dezenas de assessores. E por que cinco tribunais superiores, se as democracias em geral t�m uma �nica corte suprema?
Ferrari em m�os in�beis
Com o maior mercado potencial de massa do mundo por explorar, que vale mais que petr�leo ou campos plantados se for tratado como uma oportunidade e n�o �nus fiscal, o Brasil � como uma Ferrari em m�os in�beis: se impetuosa, choca-se com o primeiro poste que encontrar; se t�mida, perturba o tr�nsito, enquanto se lembra saudosa do Fusca.
Assim estamos – ligados 24 horas por dia �s contas p�blicas como se n�o importassem os resultados das empresas, a realidade de que apenas um ter�o da popula��o tem emprego formal, a ilus�o de um pa�s de empreendedores, sofisma para parte dos 40 milh�es que vivem na informalidade poder emitir recibo pelos servi�os prestados.
Perdemo-nos nos anos 1980 ao colapsar o modelo de infraestrutura e de industrializa��o bancado com d�vida externa, al�m de protegido da concorr�ncia de fora e desobrigado de abrir mercados externos.
O modelo foi repetido depois de 2010, sem que houvesse capacita��o t�cnica no Estado para gerir contratos com grupos empresariais em conluio com partidos pol�ticos, aproveitando-se de governos fracos devido ao veto do STF, em 2006, � cl�usula de barreira aprovada em 1996 pelo Congresso. Mensal�o e Lava-Jato s�o sequelas desse veto.