
Com 1.582 mortes pela COVID na quinta-feira, recorde na pandemia, 36 dias com a m�dia m�vel acima de mil v�timas di�rias, a rede hospitalar nos estados colapsando, nem 4% da popula��o vacinada... O caos de Manaus contaminou o Brasil.
E... sim, o presidente voltou a criticar em sua live semanal, na quinta-feira, prefeitos e governadores pelo fechamento do com�rcio e, noutra atitude surreal, letal, a bem da verdade, discorreu sobre supostos “efeitos colaterais” do uso de m�scara – outra viola��o ao bom senso, como prescrever cloroquina e verm�fugos como tratamento precoce que n�o h� para o v�rus, insens�vel �s sequelas do que diz.
“A popula��o quer voltar a trabalhar, mas, infelizmente, um ou outro governador, um ou outro prefeito, ainda teima em baixar decretos obrigando essas pessoas a ficar em casa”, afirmou, dizendo defender “a volta � normalidade”. Como assim? Normalidade, constatam estudos do FMI, s� voltar� com mais de 70% da popula��o vacinada.
O presidente est� ansioso em p�r a economia para andar e aplacar a irrita��o social com a bagun�a da pandemia. Isso � fun��o da falta de vacinas, do descaso com o plano de imuniza��o e seu jeito blas� com as medidas preventivas, al�m do crescimento estagnado.
E o Congresso? Mais do mesmo. Na ret�rica, toda a prioridade � com a aquisi��o de vacinas onde quer que existam. Na pr�tica, a C�mara corre para proteger os seus, ap�s a pris�o em flagrante pelo STF do deputado rufi�o Daniel Silveira. No dia em que a conta macabra da COVID passou de 250 mil mortes, Arthur Lira, presidente da C�mara, p�s para votar emenda constitucional sobre a imunidade parlamentar, apelidada de “PEC da impunidade”. Sinto dizer: n�o � advogando em causa pr�pria que os pol�ticos ser�o respeitados pela popula��o.
Desumanismo dos ortodoxos
Dos temas que importam neste in�cio de ano nada supera a reedi��o do aux�lio emergencial, que venceu em dezembro, dando R$ 300 a cada trabalhador informal. O imbr�glio � que os senhores do governo e do Senado, onde se d� a discuss�o, esqueceram-se do que levou o Congresso a criar o aux�lio, inicialmente com valor de R$ 600.Garantir uma renda m�nima a trabalhadores subitamente precarizados pelas medidas de distanciamento social e o fechamento de atividades foi uma das motiva��es. Mas havia outra t�o relevante quanto: dar a essa popula��o, cujo contingente � o dobro da m�o de obra formal, uma prote��o para tamb�m se proteger e a seus familiares.
O aux�lio salvou vidas e voltar� a salvar quanto antes o Congresso o reedite, ainda que em valor e prazo menores (Bolsonaro falou em R$ 250 por quatro meses). Uma a��o sanit�ria e humanit�ria n�o tem de ter condicionalidades, mas foi o que o ministro Paulo Guedes exigiu e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, acatou. Pelo clima entre seus pares, ter� de mudar de ideia, sequela do fiscalismo delirante que h� 40 anos exaure o crescimento econ�mico e amplia a pobreza.
Desprezo dos libert�rios
Guedes alega que o mercado financeiro est� tenso com a evolu��o da d�vida p�blica, que tem sido a forma de o governo bancar qualquer gasto novo, j� que o or�amento federal � deficit�rio desde 2014. Ok, cabe discuss�o, mas n�o propor ao Congresso que quebre consensos do pacto social inserido na Constitui��o para liberar recursos fiscais e com eles bancar parte do custo do novo aux�lio.Faz sentido, se h� teto de expans�o do gasto p�blico (que s� pode crescer desde 2016 pela infla��o anual), congelar aumento salarial do funcionalismo e concursos p�blicos. Isso est� na PEC Emergencial – plano de Guedes enviado ao Senado para manter o teto do gasto e reverter o d�ficit or�ament�rio. Mas h� tamb�m ran�o ideol�gico no plano.
Ele acredita que a economia estagnada decorre do Estado inchado e de transfer�ncias de renda institu�das por governos de esquerda, ou social-democratas, j� que sua vis�o ideol�gica � libert�ria, segundo a qual o Estado � sempre problema, n�o parte da solu��o. E � assim que a PEC que o Senado quer votar em troca do aux�lio emergencial extingue com os m�nimos constitucionais aplicados na educa��o e na sa�de, duas das �reas mais desassistidas e priorit�rias do pa�s.
Sandice tecnocr�tica
A tend�ncia do Senado � deixar de lado essa sandice tecnocr�tica, ao apreciar a volta em vers�o compacta do aux�lio aos informais, e � bom que o fa�a. A gravidade da pandemia escalou, n�o h� vacinas em quantidade e o Minist�rio da Sa�de n�o consegue negociar com os laborat�rios nem sabe articular o SUS, que sempre foi competente nos planos de imuniza��o. Ou seja, a des�dia vai seguir matando. Mas melhor ainda ser� o Congresso considerar qual o sentido de uma pol�tica econ�mica que trata o Estado como obst�culo do crescimento e n�o agente da solu��o. Imagine um condom�nio sem administra��o: vira pardieiro e quebra rapidinho. Liberdade individual � da porta para dentro. Da porta para fora, prevalece o interesse comum.Precisamos de criatividade
Mais que de um plano, a sa�da do enrosco em que nos enfiamos h� 40 anos exige governantes aptos, pol�ticos pragm�ticos e voltados ao bem comum, nem que seja um pouquinho, e empres�rios conscientes de que a motiva��o dos gestores de t�tulos n�o traduz as necessidades nem as prioridades da economia real e de seus constituintes.A verdade, como diz a economista chefe do franc�s Cr�dit Agricole, Isabelle Job-Bazille, � que a pandemia real�ou “a import�ncia da interven��o do Estado, de um lado, com pacotes de emerg�ncia para proteger empregos e capacidade produtiva, para evitar destrui��o excessiva e, de outro, est�mulos para apoiar realoca��o setorial e adaptar as compet�ncias aos empregos do futuro”.
Em suma: precisamos de criatividade, n�o da ortodoxia que nos fez um pa�s interrompido. A pandemia s� agravou o que j� estava ruim.