(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas

'N�o queriam me ver careca': paciente com c�ncer fala sobre abandono

Daniela Louzada encara um c�ncer cerebral sem cura e relata a dif�cil experi�ncia de adoecer em uma pa�s machista


24/01/2022 16:36 - atualizado 24/01/2022 16:52

Ilustração de mulher com cabelo curto
(foto: AzMina)

 
Em 2018 veio a primeira convuls�o. A publicit�ria Daniela Louzada estava no apartamento em que morava, quando foi socorrida �s pressas pelos porteiros do pr�dio. S� sairia do hospital um m�s depois com o diagn�stico de c�ncer cerebral inoper�vel e sem cura. Ela j� vinha sofrendo com dores de cabe�a, mas acreditava que elas n�o passavam de um sintoma de um dia a dia agitado. Sempre que as crises vinham, sacava do bolso uma cartela de rem�dios e se automedicava. “Quando eu soube o que estava realmente acontecendo com o meu corpo foi um choque”. 

O m�dico explicou que, apesar de n�o poder tirar o c�ncer, ela poderia fazer um tratamento com rem�dios e radioterapia que diminuiriam as dores e sintomas graves, como as convuls�es, e tamb�m lhe dariam mais qualidade de vida. 

O que ela n�o imaginava � que, al�m dos sintomas f�sicos da doen�a, teria de lidar com um social: a solid�o. Desde a not�cia da doen�a, Dani conta que a fam�lia n�o se faz presente e que muitos amigos se afastaram tamb�m. “Eles disseram que n�o queriam me ver careca, que n�o aguentariam me ver perdendo o cabelo”. Ela diz aceitar as raz�es oferecidas pelas pessoas, mas n�o nega o impacto desse abandono. “Sinto at� hoje o medo da rejei��o”. 

De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia, 70% das pacientes de c�ncer de mama veem seus companheiros irem embora depois do diagn�stico e 30% sofre de depress�o como consequ�ncia desse desamparo. Esse tamb�m foi o assunto da semana, no canal do Youtube d'AzMina, no quadro Mas voc�s veem G�nero em Tudo? 

“Quando eu estava fazendo o tratamento de radioterapia, que � um tratamento muito agressivo, porque queima nosso cabelo, a mulher que estava ao meu lado falava assim: se eu perder o meu cabelo, o meu marido vai me largar”, narrou Dani.  

Mudan�a de vida

Meses antes de receber o diagn�stico, ela tinha conseguido denunciar abusos de militares dentro da Cracol�ndia, em S�o Paulo, pois fazia parte da Craco Resiste - um coletivo criado em 2016 para se contrapor a viol�ncia policial. Quando n�o estava l�, era presen�a constante nas discuss�es sobre mobiliza��o urbana e valoriza��o do SUS. Pedalava todos os dias 22 quil�metros at� o trabalho. Tamb�m n�o faltava em um de seus pap�is mais divertidos: m�e da cachorrinha Goiabinha. � dela que Dani diz ter mais saudade quando passa dias fora, no hospital, em uma rotina intensa de tratamentos paliativos. 

Hoje, Dani toma rem�dios anticonvulsivos, que nem sempre bloqueiam as novas crises. Quando h� reca�das, precisa passar por interna��es, quase sempre repentinas. O tratamento fez com que ela perdesse 12 quilos e deixou sequelas como esquecimentos, falta de equil�brio e fadiga cr�nica. 

Por causa das consequ�ncias f�sicas causadas pelo tumor, Dani precisou se afastar de muitas das atividades que fazia. “N�o consigo mais trabalhar e preciso de ajuda para me deslocar. O c�ncer nos tira muitas coisas”. H�, por�m, outras coisas que Dani se sente capaz de viver, mas n�o consegue, por conta de outro sintoma invis�vel vivido por mulheres com c�ncer: “os homens n�o s�o afetivos com mulheres oncol�gicas, acham que � um abuso da minha parte querer me aventurar pela vida sexual... Eles acham que eu preciso me preocupar com o c�ncer e pronto”. E relembra de uma experi�ncia recente: “Eu sa� com o meu andador na rua e n�o recebi nenhum olhar”, foi como se ningu�m a visse.

Essa rejei��o, diz Dani, faz com que mulheres usem acess�rios para esconder os sinais da doen�a. “Muitas procuram len�o e perucas por causa disso”, acredita a publicit�ria que faz quest�o de manter o visual, como forma de resist�ncia. “Para mostrar que mulheres carecas podem ser lindas e desej�veis”.  Para os homens, o diagn�stico parece n�o afetar tanto a autoestima. “Chego no hospital e, muitas vezes, eu sou assediada por homens com bolsa de colostomia… queria ter essa confian�a”, comenta Dani rindo. 

No hospital, que deveria ser um espa�o mais acolhedor, Dani tamb�m viu, diversas vezes, mulheres lutando para serem vistas. Ela lembra de uma situa��o que viveu no Instituto do C�ncer do Estado de S�o Paulo: “Vi uma m�e ser impedida de fazer exame de sangue, porque ela estava com a filha e os funcion�rios disseram que a crian�a n�o poderia entrar no laborat�rio.” Dani se ofereceu para ficar com a crian�a. “As pessoas perguntavam onde estava o pai, mas � claro que ela n�o tinha com quem deixar. Falta estrutura nos hospitais para acolher a mulher.” 

A obriga��o feminina do cuidar

Dani nota isso muito antes de se tornar paciente. Em 2014, ela passou 7 meses internada ao lado do pai, que tinha descoberto um c�ncer no pulm�o em est�gio avan�ado. A decis�o de assumir o lugar de cuidadora dele foi uma imposi��o da fam�lia. A justificativa era machista: “como �nica filha mulher, voc� � obrigada a cuidar do seu pai.” Do hospital mesmo ela trabalhava, cuidava dele e da casa. Ela afirma que n�o tinha no��o da viol�ncia que estava sofrendo naquele momento. "Eu s� sentia o sofrimento de estar perdendo de uma forma muito brusca a pessoa que eu amava.”

Ao olhar em volta, Dani constatava que quando as mulheres n�o ocupavam o lugar de pacientes, eram cuidadoras, acompanhando parentes, filhos e primos. Mas por n�o contarem com esses mesmos cuidados quando adoeciam, precisam encontrar formas de cuidarem de si. Da� a import�ncia de pol�ticas p�blicas para ampar�-las nesse momento. “Eu sempre fui arrimo de fam�lia. Muitas mulheres, quando adoecem, s�o. E a gente precisa de profissionais que cuidem delas e de seu entorno", considera a publicit�ria

Para Dani, as pacientes precisam ter um suporte financeiro para que n�o precisem escolher entre o tratamento e o trabalho, que na maioria das vezes inclui uma divis�o desigual, somados os servi�os dom�sticos e a maternidade. Com uma renda garantida, poderiam ter uma viv�ncia mais digna. 

“Ter c�ncer � muito caro. Quando voc� entra no hospital, voc� encontra uma cartilha enorme falando sobre alimenta��o, � lindo, mas e na pr�tica?", questiona ela, ressaltando que nosso pa�s est� em plena mis�ria, "as pessoas est�o passando fome e as pessoas com c�ncer n�o podem passar fome”.

Atualmente, Dani conta com um grupo de amigos que suprem as necessidades do tratamento dela, al�m de outros custos. Ela tamb�m recebe ajuda de outras pessoas por meio de financiamento coletivo. No Canal Terminal, no Youtube, ela compartilha suas hist�rias e d� apoio para outras mulheres, cuidadores e familiares, que tamb�m lidam com a mesma doen�a.
 
 

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)