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Estado de Minas AZMINA

A palavra das mulheres na preserva��o cultural ind�gena

Elas encontraram na literatura um instrumento de resist�ncia contra as hist�rias hegem�nicas


21/04/2023 11:20 - atualizado 21/04/2023 12:02

Colagem de duas mulheres indígenas
(foto: AzMina)

Sem as mulheres, as culturas ind�genas dificilmente teriam resistido no pa�s. Desde 1500, pr�ticas de etnoc�dio sufocam os saberes dos povos origin�rios. Nesse cen�rio, mulheres lutam e resistem para transmitir e perpetuar conhecimentos tradicionais em suas comunidades, e, em 2022, foram reconhecidas por esse papel pela ONU (Organiza��o das Na��es Unidas). 

Neste m�s de abril – com a celebra��o do Dia dos Povos Ind�genas (19), para conhecer mais sobre a luta de mulheres na preserva��o de suas culturas por meio da escrita, AzMina conversou com Eva Potiguara, gestora do Mulherio das Letras Ind�genas. O coletivo de autoras ind�genas � um marco hist�rico onde todas essas escritoras soltam a voz em rede, “para nos firmar e nos fortalecer em nossas atividades e a��es coletivas”. 

A estrat�gia de resist�ncia cultural das mulheres ind�genas sempre foi a palavra, a oralidade. As ancestrais conseguiram preservar seus saberes por gera��es passando, �s e aos descendentes por meio da l�ngua, hist�rias, cosmovis�es e simbologias de seus povos. Mas, infelizmente, nem todos os povos tiveram esse privil�gio. Quando os portugueses chegaram ao pa�s, havia entre 600 e mil idiomas falados em territ�rio nacional. Hoje em dia, apenas entre 160 e 180 l�nguas ind�genas resistiram. Esses n�meros n�o s�o apenas um reflexo do apagamento cultural, mas tamb�m de viol�ncias e injusti�as.

Mesmo sendo de extremo valor para cada povo, as l�nguas ind�genas t�m desaparecido a passos r�pidos. De acordo com dados do F�rum Permanente sobre Quest�es Ind�genas da ONU, ao menos 40% dos mais de 6 mil idiomas mundiais falados em 2016 estavam sob risco de desaparecimento. A maioria deles eram ind�genas. Em 2019, 4 em cada 10 l�nguas ind�genas corriam o risco de desaparecer. 

Em 2022, a Unesco (Organiza��o das Na��es Unidas para a Educa��o, a Ci�ncia e a Cultura) declarou a D�cada Internacional das L�nguas Ind�genas, para valorizar e salvaguardar o patrim�nio lingu�stico e cultural dos povos origin�rios. Por�m, essa luta n�o � recente, e nem � tocada s� por grandes organiza��es. A preserva��o da l�ngua � priorit�ria para mulheres ind�genas, que tradicionalmente se concentram na sua preserva��o, como acontece no Mulherio das Letras Ind�genas, formado em 2022. Pelos livros, elas levam para o campo material o que oralizam h� mil�nios.

Com suas diversas linguagens, mulheres ind�genas atuam para romper com o silenciamento de suas vozes nas lutas antirracistas e anticoloniais, de preserva��o das florestas e em defesa dos direitos humanos dos povos origin�rios. Eva Potiguara, representante do coletivo, nos apresenta a literatura como uma flecha de defesa e ao mesmo tempo um passarinho para os saberes origin�rios:  

AZMINA: Qual a import�ncia das mulheres para a preserva��o cultural ind�gena? 

Eva Potiguara: As mulheres sempre trouxeram em seu cotidiano a conserva��o, valoriza��o e manuten��o das distintas culturas ind�genas em cada povo. Isso � feito no  trabalho na casa de farinha, na colheita do milho, no preparo da tapioca e do mingau de mandioca e ao sentar � luz da fogueira, da lua e das estrelas para contar as hist�rias, cosmovis�es e simbologias de cada povo. 

As mulheres, especialmente nossas ancestrais, deram a n�s os olhares dos nossos povos. Os povos t�m suas diferentes formas de ver – a natureza, o universo, as rela��es ambientais, com o tempo, com todos os elementos da natureza – e esse saber da tradi��o � muito valioso para n�s. 

AZ: De que forma o Mulherio das Letras Ind�genas vem atuando para a conserva��o das culturas origin�rias?

Eva: A gente vem buscando trazer as linguagens e os processos s�cio-hist�ricos e antropol�gicos delas para o p�blico, a partir de uma express�o individual e coletiva, de cada mulher que faz parte do coletivo. Cada uma de n�s representa vis�es do outro e de si, trazemos a riqueza dos olhares de nossos povos e esse processo de escrita traz essas historicidades. 

O papel do Mulherio � registrar em obras f�sicas a hist�ria de vida das lutas de mulheres ind�genas e de seus povos, do mesmo jeito que buscamos apresentar as suas cosmovis�es po�ticas, que n�o seguem os padr�es de uma academia euroc�ntrica. Buscamos olhares diferenciados e descompromissados, quebramos esses paradigmas de uma literatura eurocentrada. Nossa po�tica, nossa maneira de produzir as prosas, contos e poesias n�o seguem c�nones. Nosso foco � descolonizar e aldear a literatura. 

AZ: A literatura pode ser considerada t�o importante quanto a oralidade para os povos ind�genas?

Eva: A literatura, para n�s, se tornou como um p�ssaro que quebra fronteiras do tempo e do espa�o. � onde podemos, a partir das inspira��es das narrativas, trazer a cosmovis�o de cada povo e denunciar as armadilhas racistas que ainda hoje s�o muito fortes no pa�s. S�o mais de 500 anos de coloniza��o, etnoc�dio e apagamento de nossos saberes espirituais e culturais, e estamos em grande movimento de retomada, reivindicando a nossa l�ngua, buscando trazer os saberes da oralidade para os saberes da literatura e a usando como uma arma, uma flecha de defesa e resist�ncia. 

A literatura nos leva a todos os espa�os e isso � emergente, porque precisamos ocupar todos os locais. Precisamos mudar a mente das pessoas que ainda veem os povos ind�genas como selvagens, pessoas in�beis sem arte e sem intelig�ncia. Devemos mostrar nossos diferentes olhares, e a escrita tem sido uma forma de aldear politicamente e culturalmente a literatura.  

AZ: O que todas n�s podemos aprender com as mulheres e autoras ind�genas?

Eva: A luta das mulheres ind�genas tem sido muito dolorosa e muitas vezes silenciada. Nossas ancestrais tiveram que se calar para sobreviver. N�s, suas filhas, netas, tataranetas, temos que falar para viver. As mulheres ind�genas s�o v�timas de estupros, n�o s� do corpo, mas tamb�m da alma, emo��es, saberes e cultura. Trazemos no nosso DNA uma mem�ria de muita dor, e por isso devemos destacar a preserva��o de nossas culturas enquanto luta constante. 

Vivemos ainda em uma sociedade machista, racista e excludente, e o protagonismo dessas mulheres ind�genas pode contribuir para a quebra dos paradigmas patriarcais. Os olhares de mulheres escritoras podem contribuir para novas percep��es do ser ind�gena, formas de olhar n�o s� mais humanizadas, mas que v�o consumar paradigmas racistas, mis�ginos e eurocentrados.  

AZ: Voc� pode indicar cinco livros escritos por mulheres ind�genas?

Eva: O primeiro � “Metade Cara, Metade M�scara”, de Eliane Potiguara, uma obra maravilhosa e que acho bastante pertinente para quem quer ler autoras ind�genas. Tamb�m indico todos os livros da M�rcia Kambeba, que fala muito sobre o tema ser ind�gena, tanto em poema quanto em prosa. Acho o olhar de Trudu� Dorrico em “Eu sou Macuxi e outras hist�rias” fundamental para entender as cosmovis�es ind�genas. 

Em “Livro sem letras”, Telma Trememb� traz como as emo��es e os sentidos dos povos ind�genas se relacionam com a vida e a natureza, � uma obra sem palavras. E tamb�m aproveito para indicar o meu livro “Aby Ayala Membyra Nenhe’gara” ou “C�nticos de uma filha da Terra”, onde busquei, na escrita, uma forma de suprir tanta dor e tantas injusti�as provocadas pelas viol�ncias sociais que n�s, mulheres, ainda sofremos. Ele foi inspirado nas minhas av�s, nas mulheres que foram silenciadas e apagadas. E, por meio da poesia, apresento as cosmovis�es do povo do qual fui extra�da. 

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