Estariam nossos ov�rios defeituosos?

 

Por Equipe AzMina

  

A possibilidade de congelar os �vulos para supostamente adiar a maternidade tem mexido com a cabe�a de muitas mulheres e pessoas com �tero. S�o muitos os questionamentos: se funciona, se vale a pena, se faz sentido ou � s� mais uma medicaliza��o desnecess�ria para o corpo. 

A ginecologista Halana Faria, do perfil @ginecologistafeminista, recorda que no s�culo 18 vimos come�ar uma oferta massiva de cesarianas, a partir da l�gica de que o corpo seria in�bil para parir – algo que ainda � muito difundido com apoio em v�rios mitos. “Agora � a vez dos ov�rios. Mulheres procuram congelar os �vulos por acharem que seus ov�rios n�o s�o bons o suficiente para mant�-los ap�s os 35 anos”. 

Atualmente, toda uma ind�stria gira em um contexto social de mulheres engravidando mais tarde e do medo de uma poss�vel infertilidade, que, segundo Halana, � projetada de maneira que n�o corresponde � realidade. 

Para entender as d�vidas e ajudar a esclarecer o tema, Halana e a equipe da Revista AzMina selecionaram dez principais perguntas entre as mais de 80 que chegaram pelas redes sociais. Veja o v�deo abaixo ou leia a transcri��o completa das respostas.  

Halana: Essa � uma tecnologia desenvolvida para ofertar a possibilidade de guardar material gen�tico para o futuro, para pessoas que passam por uma situa��o de doen�a como c�ncer, por exemplo, uma radioterapia, e que afeta a sua fertilidade. Mas essa tecnologia, paulatinamente, passa a ser ofertada como voc�s t�m visto, para toda e qualquer pessoa que n�o tenha certeza sobre seu futuro reprodutivo e queira guardar material gen�tico. Essa oferta feita desta forma, de maneira indiscriminada - gerando um certo p�nico sobre uma poss�vel infertilidade para pessoas e mulheres que nunca nem tentaram engravidar -, � problem�tica. 

 

 

Halana: A endometriose � uma doen�a que causa infertilidade em 30% das portadoras. Sim, � uma doen�a de dif�cil diagn�stico, uma doen�a sobre a qual a gente falava muito pouco, e agora a gente fala demais, mas a avalia��o � muito individual. Em geral, vai ser indicada para pacientes com grave acometimento da pelve, que precisam ter indica��o de passar por uma cirurgia - que seja necess�rio retirar um dos ov�rios. 

Com rela��o a ov�rios polic�sticos, � uma doen�a metab�lica relacionada ao aumento de resist�ncia � insulina e, sendo tratada (altera��es de estilo de vida, acesso � alimenta��o adequada, atividade f�sica…), uma pessoa tem condi��es de engravidar. Ent�o, a infertilidade nos ov�rios polic�sticos est� relacionada a uma anovula��o. 

Halana: Sim, porque o processo de hormoniza��o pode, sim, acarretar uma perda de fun��o ovariana. Ent�o, considerando um poss�vel desejo de gestar, se essa pessoa tem condi��es para tal, essa � uma boa indica��o de congelamento de �vulos. 

Halana: A gente n�o sabe exatamente qual seria o tempo limite de utiliza��o, n�o existe essa recomenda��o formal. Alguns documentos falam em 10 anos. O que a gente sabe � que uma pessoa que faz a retirada de �vulos aos 30 ou 35 anos vai ter um limite para a utiliza��o desse material conforme a sua sa�de, conforme uma avalia��o m�dica. Porque depois dos 40 anos aumentam muito os riscos gestacionais, com hipertens�o e diabetes. Ent�o, essa � uma quest�o que deve ser pensada. 

Halana: Para cada �vulo congelado, a chance de uma gesta��o vi�vel � de 20% a 30%. Existe uma recomenda��o, a partir de dados e estudos desse �ndice, de que em uma pun��o se consiga pelo menos 12 �vulos. Isso faz com que, algumas vezes, mulheres que n�o conseguem esse n�mero recebam a recomenda��o de uma nova pun��o. Isso � algo que parece exigir uma informa��o adequada, para que as pessoas possam decidir sobre esse procedimento sabendo dos riscos reais e benef�cios. 

A indu��o da ovula��o para a retirada de �vulos exige o uso de horm�nios, para induzir a forma��o maior de fol�culos que venham a se transformar em �vulos. Isso pode gerar uma hiperestimula��o ovariana, que, em geral, n�o aumenta riscos, mas pode ocasionar crescimento do volume abdominal e, em casos mais graves, ser uma quest�o cir�rgica. 

A pr�pria pun��o � um procedimento realizado em um consult�rio (n�o precisa ser em um centro cir�rgico), mas tamb�m traz o risco de uma hemorragia, de sangramento e dor. Essas coisas precisam ficar mais claras. Quando a gente discute o acesso a uma nova tecnologia e questiona a maneira como ela � oferecida, as bases cient�ficas, n�o quer dizer que estamos resistindo a ela. Por isso, quando nos � oferecido algo, podemos questionar: Em que voc� est� se baseando? O que a gente j� sabe sobre isso?

Halana: Quando voc� decide por um procedimento desses, primeiro te solicitam um exame que chama fator Antimulleriano, que n�o serve para determinar se uma pessoa tem possibilidade de engravidar ou n�o. Ele � utilizado para determinar reserva ovariana considerando a idade, as quest�es de sa�de. Esse exame deveria ser solicitado para pessoas que tentaram engravidar, n�o conseguiram, e a� buscam ajuda para poderem saber qual � a chance de conseguirem uma gesta��o por reprodu��o assistida, ou seja, fertiliza��o in vitro. � para isso que a gente usa esse exame, mas ele tem sido cada vez mais ofertado de maneira hegem�nica. 

Hoje, muitas empresas que oferecem um servi�o de “consultoria de fertilidade” ou “consultoria para planejamento reprodutivo ou familiar”, que est�o fazendo esse exame em pessoas jovens e que nunca tentaram engravidar. Mas esse exame n�o � padronizado para determinar se uma pessoa � f�rtil ou n�o. Quando me perguntam qual � o impacto emocional de congelar �vulos, isso me leva para essa quest�o. Muitas pessoas t�m sido induzidas a acreditar que n�o ter�o chance de engravidar naturalmente. 

Com rela��o ao investimento financeiro, recomendaria que as pessoas fizessem uma pesquisa, mas � um investimento caro. A retirada, a indu��o de �vulos para a pun��o e congelamento de �vulos, � um procedimento que custa em torno de R$8 mil a R$10 mil. E as propagandas s�o direcionadas para um p�blico gen�rico, obviamente mais voltadas para classe m�dia, pessoas com melhores condi��es de vida. Mas ele impacta tamb�m segmentos mais populares, que tamb�m est�o sendo bombardeados com essa narrativa de que “se voc� n�o congelar seus �vulos voc� est� correndo o risco de n�o conseguir engravidar depois dos seus 35 anos”. E essa � uma mentira, � uma fal�cia.

Halana: Partindo do pressuposto de um casal que est� tentando engravidar h� um ano, e a mulher tem 36 anos, j� est� indicada uma primeira investiga��o. A primeira coisa seria saber como � o ciclo menstrual, come�ar com exames de imagem mais comuns (como o ultrassom transvaginal), uma investiga��o cl�nica. Se � uma paciente que tem dor ou c�lica. Ser� que preciso suspeitar de uma endometriose que esteja provocando essa dificuldade? 

E continuar essa investiga��o conforme o resultado dos exames. Sem esquecer do espermograma. Muitas mulheres que passam por in�meros procedimentos, exames, investiga��es, e a parceria nunca � investigada - como se o fator feminino fosse sempre a causa de uma infertilidade conjugal. Ent�o, minha proposta � que o parceiro sempre seja investigado junto nesse primeiro momento. 

Al�m da investiga��o, � preciso orienta��o. A maior parte das pessoas que procuram reprodu��o assistida nunca foram orientadas sobre ciclo menstrual, nem sobre janela de fertilidade. Um controle de temperatura em casa todos os dias (term�metro embaixo da l�ngua e temperatura medida colocada em um gr�fico pra perceber a ovula��o quando a temperatura sobe) que dura dez segundos, � uma coisa que d� trabalho. Mas fazer uma fertiliza��o in vitro ou ficar na ang�stia de n�o conseguir engravidar � muito mais trabalhoso. 

H� uma orienta��o sobre percep��o de fertilidade. A temperatura avaliada junto com o muco cervical, tipo uma clara de ovo que aparece nesse per�odo pr�-ovulat�rio, e a gente tamb�m precisa falar sobre como est� a intimidade do casal. Aprofundar quest�es emocionais tamb�m: sobre desejo de maternidade, de parentalidade. Mas, s� isso, j� ajudaria muita gente a engravidar, sem precisar do recurso de reprodu��o assistida, que � t�o inacess�vel. 

Halana: Em princ�pio, n�o. Se voc� n�o tiver nenhuma intercorr�ncia que, apesar de raras, podem acontecer, e precisar retirar um ov�rio. Porque um dos efeitos colaterais ou eventos adversos relacionados ao congelamento de �vulos � que a estimula��o ovariana com horm�nios pode gerar uma hiperestimula��o. 

Halana: � sobre bancar o pr�prio desejo e lidar com quest�es da vida que fogem um pouco do nosso controle, com as conting�ncias da vida. Se voc� tem menos de 35 anos, ou est� ao redor dos 35, n�o tem uma parceria, n�o sabe nem se quer ser m�e no futuro, mas tem a possibilidade de fazer o procedimento, e isso n�o vai acabar com todas as suas economias, gostaria de ter uma seguran�a, de ter um material gen�tico para uma gesta��o via fertiliza��o in vitro, ok. Isso � importante para voc�, isso te apazigua de alguma forma? Mesmo que voc� entenda que a chance de cada �vulo se tornar um beb� � baixa, ok. Se voc� n�o gostaria de adotar, nem tem interesse em usar um �vulo de doadora no futuro… Porque temos duas possibilidades para a realiza��o da maternidade: o �vulo congelado de doadora para a realiza��o da FIV ou a ado��o. 

Mas eu estou entendendo que toda essa ang�stia foi produzida, ela n�o � real. Todo mundo que vai se aproximando dos 40, n�o tem filhos, come�a a se questionar, � �bvio. Desde sempre. E talvez agora a gente vivencie isso de uma maneira mais �bvia, mas a gente n�o est� tentando romper com os estere�tipos, com essa percep��o da mulher como procriadora e s�? 

Halana: O que a gente pode dizer � que depois dos 35 anos - e de forma mais pronunciada, mais pr�ximo dos 40 anos e um pouco depois -, as chances de doen�as gen�ticas aumentam, sim. Mas, ainda assim, se a gente olhar na popula��o, de maneira geral, esse risco ainda � baixo. Ent�o, isso � algo que deve ser considerado.

� dif�cil definir uma data limite. Ela n�o existe. Isso varia conforme a experi�ncia e a sa�de de cada pessoa. A gente ouve hist�rias de gesta��es bastante tardias, 48 e 50 anos, que acontecem naturalmente, mas essa n�o deve ser uma expectativa. H� um limite de idade gestacional, de idade para reprodu��o, mas ele n�o � t�o claro. Ent�o, uma pessoa que est� ali entre seus 42, 43 e 44 anos, ainda poderia engravidar naturalmente. 

� muito importante que a gente entenda que, enquanto uma pessoa n�o para de menstruar, ou seja, at� a sua menopausa, ela tem chance de uma gravidez, sim, ainda que baixa. O que a gente sabe, a partir dos estudos dispon�veis, � que at� os 35 anos uma pessoa, em geral, vai levar seis meses para engravidar. Depois dos 35, a gente precisa de mais tempo para conseguir uma gesta��o. Em geral, levar� um ano, com maior chance de quest�es gen�ticas, de abortos espont�neos e de problemas relacionados ao metabolismo e aos riscos gestacionais de uma pessoa que t� mais pr�xima dos 40 anos.

 

A reportagem original tamb�m pode ser lida no portal d'AzMina.