(none) || (none)

Continue lendo os seus conte�dos favoritos.

Assine o Estado de Minas.

price

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e seguran�a do Google para fazer a assinatura.

Assine agora o Estado de Minas por R$ 9,90/m�s. ASSINE AGORA >>

Publicidade

Estado de Minas BEBEL SOARES

Um recorte do Brasil

"Se o racismo antes era velado, hoje � escancarado. Se antes tinham vergonha de assumir, hoje t�m orgulho"


18/09/2022 09:40 - atualizado 18/09/2022 09:41

Morador de rua
(foto: Depositphotos)

Minha caminhada matinal. Havia chovido � noite. Naquela cal�ada molhada, mais uma barraca. Bem ali, naquela rua, chegaram novos vizinhos para os idosos. Uma fam�lia inteira. Teto de lona. Um casal, duas crian�as, um cachorro, o fog�o improvisado. A uma quadra dali morava �gata, uma mulher trans que, no inverno passado, me pedira um cobertor porque estava passando frio. Alguns dias depois de lhe dar o cobertor, encontrei-a estudando geografia sentada no meio-fio. 
 
Faz tempo que n�o vejo �gata, mas as barracas continuam ali, encostadas na grade onde est�o fixados cartazes, um escrito FOME, assim, fome mai�scula ao lado de uma bandeira do Brasil. O Brasil tem fome. Naquelas barracas, as pessoas sobrevivem de doa��es. O casal de idosos tem um cartaz na grade: “Aceitamos doa��es, recebemos livros” e o n�mero do PIX. Todas as manh�s passo por eles, a cal�ada sempre muito limpa, ele toma caf� depois varre. Dou bom-dia e sigo meu caminho.

Na rua, o tr�nsito � intenso. Os carros blindados. Os vidros escuros de quem n�o quer ser visto, e tamb�m n�o quer ver. O cadeirante que passa pelos carros estendendo a m�o pedindo uma moeda, um homem invis�vel. Outras barracas ao longo do meu percurso. Um ciclista. Um sabi� cantando no alto de uma �rvore.
 
Paro para tomar um caf�, olho o celular. Nas m�dias sociais, o v�deo de um homem que humilha uma senhora para quem levava marmita. O crist�o, o cidad�o de bem que s� quer fazer caridade. Em um grupo de m�es algumas defendem o homem. Fim dos tempos.
 
A not�cia da menina de 11 anos, gr�vida pela segunda vez. A falha do sistema que n�o a protegeu. Onze anos � crian�a. N�o tem idade para ser m�e, s� tem idade para ser filha! Dizem que n�o pode fazer aborto porque � crime. N�o � crime, � aborto legal. Crime � deixar uma crian�a ser estuprada “N” vezes. Crime � deixar uma crian�a ter um filho fruto de um abuso. Crime � deixar que aconte�a outra vez. Crime � deixar a crian�a longe da escola, j� que educa��o � um dos direitos dela. Ela n�o � a �nica.
 
Eu n�o acho que castra��o qu�mica resolva, porque esse tipo de viol�ncia n�o ocorre por desejo sexual, ocorre por poder, por homens acharem que t�m direito sobre corpos de meninas. N�o se violenta apenas com o �rg�o sexual, � bem pior do que imaginamos. Para um adulto que faz isso com uma crian�a, cadeia � pouco, imagino puni��es inimagin�veis.
 
Mudo de rede social, e leio: “N�o existe sereia negra”. Ele fala da “Pequena Sereia", com Halle Bailey como Ariel. Logo ap�s a divulga��o do trailer do live-action, o v�deo ganhou uma s�rie de dislikes no YouTube. Bando de chiliquentos! Fragilidade branca a gente co- nhece bem de perto. Se o racismo antes era velado, hoje � escancarado. Se antes tinham vergonha de assumir, hoje t�m orgulho. 

Sigo para o supermercado; sentado na cal�ada, em frente � entrada, um homem oferece balas: “Mo�a, compra uma balinha para me ajudar a sobreviver?”. E um senhorzinho me pede dinheiro: “Senhora, me ajuda, preciso comprar g�s, alimento... Essa semana eu s� comi macarr�o instant�neo, que � a �nica coisa que eu consigo cozinhar com �lcool.”
 
Abro o whatsapp e tem gente dizendo: “Se voc� analisar os n�meros, vai ver que est� me- lhorando”.  Que n�meros? O n�mero de fa- mintos, de desabrigados? Talvez voc� n�o nunca ande a p� pelos centros das cidades. Talvez voc� n�o pare seu carro no sem�foro. Ou talvez voc� n�o olhe para quem est� batendo na sua janela. Quem bate � a fome! Mas essa fome n�o importa quando se tem fome de poder. Me poupe desses seus n�meros que dizem que a economia vai bem. Vai bem para quem? Para quem ganha sal�rio m�nimo, que n�o tem aumento real h� anos? Ah, mas a culpa � da pandemia, a culpa � do fique em casa. Culpa-se tudo, menos as absurdas a��es pol�ticas de m�-f�. Me poupe. Apenas me poupe.

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)