
Ningu�m sonha com a maternidade at�pica. Ningu�m sonha com um filho e uma s�ndrome rara. Ningu�m enxerga a maternidade at�pica. A m�e que aparece nas campanhas publicit�rias � jovem, tem filhos pequenos e fofos. A m�e de crian�as com defici�ncia n�o � vista. A m�e que envelhece vai sendo apagada � medida que seu filho cresce, a m�e preta est� come�ando a sair da invisibilidade.
Paulo Leite me disse: “A publicidade n�o est� interessada na m�e em si, mas apenas no avatar publicit�rio M�E e todo seu fetichismo consumista na data (obviamente consoante � constru��o mis�gina cultural). N�o se trata da m�e pessoa, mas da m�e narrativa. Em paralelo, h� a idealiza��o da crian�a e beb� em aspectos de pureza, afeto, o que n�o corrobora tais constructos em adolescentes (questionadores, chatos etc.). A�, com a �nica e exclusiva motiva��o de vender, unem esses dois constructos poderosos: a m�e romantizada (pura, submissa, dedicada, cuidadora) ao beb� (puro, que necessita cuidados, encantador). Nunca � sobre as m�es, mas sobre consumo. A publicidade � t�o feia quanto nossa realidade”.
A m�e do bebezinho encantador vai sendo apagada � medida que esse beb� cresce. Meu filho fez 14 anos e eu n�o sou mais convidada para nenhuma campanha de Dia das M�es. As empresas j� n�o me enviam presentes, nem me convidam para dar palestras sobre maternidade como era comum at� uns anos atr�s. Mas eu continuo sendo m�e, continuo tendo muitos desafios como m�e, mas eu envelheci e meu filho adolesceu, n�o cabemos mais na caixinha da maternidade idealizada.
Minha amiga Tereza Mendes nunca coube. Ela � m�e da Laura, uma menina que tem uma s�ndrome rara que acomete uma a cada 50 milh�es de pessoas. Tereza se tornou m�e em julho de 2012. Uma gravidez supercomplicada, ela j� havia perdido um filho no ano anterior. O parto da Laura estava previsto para o dia 10 de setembro, mas aconteceu bem antes, em 6 de julho. E, no Natal daquele mesmo ano, Tereza perdeu seu pai, que tinha 63 anos.
Mas ela precisava ficar de p� e lutar, ou perderia sua filha tamb�m. E m�e � assim, quando acha que n�o vai dar conta, que � imposs�vel, ela vai l� e faz. Laura passou por bons e maus m�dicos, terapeutas, tratamentos, exames. O diagn�stico s� veio quando ela tinha 3 anos: s�ndrome de Coffin Siris.
“A s�ndrome de Coffin-Siris � uma condi��o gen�tica causada por muta��es em genes que s�o respons�veis pela codifica��o de componentes do complexo BAF, causando hipoplasia ou aplasia da falange do quinto dedo, apar�ncia facial grosseira, atraso de desenvolvimento, retardo intelectual, cabelos esparsos, hipotonia...”.
Quando a m�e pegou o resultado do exame, sentiu seu cora��o se despeda�ar e, finalmente, pode chorar aquele choro que estava guardado h� tanto tempo. Agora ela tinha um diagn�stico e isso � fundamental para definir tratamentos e terapias. Cerca de 30% das pessoas com s�ndromes raras morrem antes dos 5 anos. Era o momento de juntar os cacos e continuar a luta. Batalhas que toda m�e de crian�a com defici�ncia precisa enfrentar. Escola, socializa��o, inclus�o. Apesar de tudo, a Laura � uma garota muito leve, artista nata, adora m�sica, canto, dan�a, abra�o, carinho, uma sedutora! Uma menina solar!
A Tereza � uma m�e at�pica, m�e de uma garota rara, que est� se preparando para a adolesc�ncia da filha que aceita todos os dias sua miss�o de fazer o mundo melhor para ela, e trabalha incansavelmente para que as pessoas entendam que “todo mundo cabe no mundo” (esse bloco de carnaval � incr�vel). Vivemos num mundo que apaga as m�es que n�o se encaixam em determinado padr�o, um mundo muito preconceituoso e capacitista (capacitismo � uma express�o ainda pouco conhecida, mas que traz consigo um problema hist�rico: a discrimina��o e o preconceito contra as pessoas com defici�ncia (PcD)). Se voc� tiver a oportunidade de conviver com pessoas como a Laura, com certeza vai mudar essa situa��o!