
Janelas com redes de prote��o t�m colorido e som de crian�as em festa. Janelas com olhos para o mundo. Algumas, apenas uma fresta. Muitas, sempre fechadas. Quando amanhece, s�o todas quase iguais. Gente empilhada em pr�dios, problemas e sonhos.
Janelas s�o oportunidade para sonhadores e suicidas. O que os difere � o equ�voco e o momento. Pela janela do meu quarto penetra a m�sica das alvoradas festivas da fanfarra de Ibi�. Furiosa que acorda a cidade inteira nas madrugadas do 7 de Setembro. Tive minha breve carreira musical tocando prato. Depois maraca. Fiquei com o estetosc�pio.
Vi a neve caindo sobre Boppard pela janela de um s�t�o onde morei na Alemanha. Amarguei saudade enorme do Brasil, vendo a curva do Rio Reno e a pedra onde a Sereia Lorenley encantava marinheiros. Foi pela janela de um carro que perguntei: – quer namorar comigo? Ela quis e fomos pela vida a fora. Janela m�gica da vida.
Foi pelas janelas que as pessoas viram a vida passar durante a pandemia. As janelas cantaram, bateram panelas e homenagearam profissionais de sa�de. As janelas viram milhares de enterros. Na sua grande maioria, partidas precoces e desnecess�rias. L�grimas evit�veis - foi isso que uma importante publica��o do Imperial College de Londres revelou semana passada.
Se as 14 capitais brasileiras inclu�das no estudo tivessem a mesma taxa de mortalidade hospitalar de BH, 328 mil mortes poderiam ter sido evitadas no Brasil. Mas, o que BH tem de t�o diferente assim?! Tem Minas e mineiros! Tem SUS bem estruturado, que n�o surgiu da noite para o dia. Tem sistema de referenciamento eficiente, planejamento precoce para enfrentamento da pandemia, respeito a princ�pios cient�ficos e epidemiol�gicos.
Tem alma cooperativa e coopera��o. Aqui teve e tem respeito � vida, em primeiro lugar. Aqui, n�o tem Messias que lava as m�os frente � responsabilidade. No princ�pio da pandemia, ao confirmarmos a transmiss�o comunit�ria plena do v�rus, foi feito o primeiro ciclo de restri��o de mobilidade social e fechamento de atividades n�o essenciais. Decis�o dif�cil, mas que permitiu aos hospitais se prepararem para enfrentar a enorme press�o que inevitavelmente ocorreria.
T�nhamos uma janela de oportunidade para evitar centenas a milhares de �bitos. Gra�as � sensibilidade e responsabilidade do chefe do executivo municipal, vidas foram salvas. � a vida que faz, restaura e abre a janela da economia. O momento atual � animador. J� temos vacinas capazes de evitar formas graves e letais, tratamentos efetivos come�am a surgir. Conhecemos e experimentamos a import�ncia e efetividade das medidas de distanciamento social, uso de m�scaras e de se evitar aglomera��es.
Certamente estamos mais pr�ximos do controle da pandemia em nosso meio, mas n�o no mundo. A desigualdade social entre os pa�ses ser� uma amea�a constante do retorno da pandemia capitaneada por variantes virais cada vez mais transmiss�veis e virulentas.
Trata-se, portanto, de um v�rus “terrivelmente crist�o”, que cobra da humanidade equidade na distribui��o de recursos entre os povos e na��es. Sem equidade, sem tranquilidade. A natureza deu xeque-mate no ego�smo do ditado popular “meu pir�o primeiro”. Vivemos num mundo l�quido, imediatista, adicto do prazer e ref�m do complexo industrial da folia que nos torna presa f�cil do v�rus da avareza.
Temos nesse momento uma janela excepcional para vermos um horizonte mais belo e crescermos enquanto humanidade. Pela janela de nossa fr�gil embarca��o temos terra � vista. Mas o mar ainda � revolto. Pedras cercam a costa. N�o sabemos se a terra que mal avistamos � um continente ou uma bunda de baleia. Portanto, ainda n�o d� para fazer nem planejar carnaval a bordo, lan�ando m�scaras ao mar. Barcos afundam na arrebenta��o, antes de chegar em Porto Seguro.