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Estado de Minas COLUNA

Dr. Hugo

Dr. Hugo n�o era de muitas palavras. Tinha um semblante meio carrancudo que de certa forma impunha limites no territ�rio Werneckiano


11/12/2021 06:00 - atualizado 11/12/2021 07:45

Escultura Dr. Hugo na Serra do Curral
Numa dessas pedaladas, uma borboleta azul bateu na lente direita dos meus �culos. N�o sei o motivo, mas me lembrei imediatamente dele (foto: Reprodu��o/Pixabay)
Hoje voei sobre nossas montanhas. 

Um curral quase sem beirais. Tr�pegas encostas devoradas pelos homens e suas m�quinas.

Cen�rio quase artificial prestes a desmoronar para um lado ou para o outro.
 
Com um desses, tive o prazer de conviver muito de perto: Dr. Hugo Werneck. Pai do meu amigo e colega de turma Gustavo Werneck e mais uma penca maravilhosa de filhos que, juntamente a parentes pr�ximos, faziam do S�o Pedro um planeta � parte no universo horizontino.

Denominei esse planeta de Wernecks, cujo representante mais pr�ximo desse terr�queo � o Werneckiano Gustavo.
 
Minha rela��o com a fam�lia ficou mais pr�xima com as viagens de f�rias que nossa turma de faculdade fazia para Alcoba�a no sul da Bahia.
 
Dr. Hugo enchia duas kombis e migrava para o universo baiano. 

Estudantes duros e sempre abertos a uma farra, vez por outra sent�vamos pouso no espa�o dos Wernecks. Sempre rolava uma viola, tira-gosto e, eventualmente, at� alguns amores.
 
Me intrigava a retirada precoce do Gustavo de nossas noitadas. Sempre alegava ter que sair de madrugada para pegar passarinho com seu pai. 
 
Criado que fui em fazenda, passarinheiros faziam parte do meu territ�rio. Mas esse era muito estranho. Pegava e soltava. �s vezes, levava e soltava em outro local. 
 
�s vezes, pegava, marcava e soltava. Estranho passarinheiro, pensava com meus obtusos bot�es.

Dr. Hugo n�o era de muitas palavras. Tinha um semblante meio carrancudo que de certa forma impunha limites no territ�rio Werneckiano. Limites necess�rios para conter invasores n�o afeitos a fronteiras.

N�o me lembro de t�-lo visto de cal��o na praia. Acho que escondia do sol a c�tis alva, a qual compartilhou geneticamente com sua prole. O m�ximo de bronzeamento que conseguiam era um “dourado discreto” como definia o Gustavo. Claro, com o calv�rio de v�rios dias de ardor e sofrimento.
 
Essa rotina se repetiu por alguns ver�es. Passei a entender quando um dia ele n�o se conteve e abriu o verbo contra a destrui��o das matas da regi�o. Os p�ssaros estavam desaparecendo.

Troncos de carv�o substitu�am �rvores que abrigavam fam�lias de p�ssaros nativos e migrat�rios, os quais ele n�o mais encontrava entre um ver�o e outro.

Sua indigna��o era tanta que se tornava logorreico, espumava pelo cantinho da boca e tinha os olhos marejados.

Dona Vanda, sua esposa, amenizava com guloseimas sobre a mesa e a eleg�ncia de uma gestora de um cl� numeroso e plural.
 
Assim, comecei a entender o conceito e a f�cies de um verdadeiro ser humano. Consci�ncia de quem vive num planeta e se preocupa com o futuro de seus semelhantes.  Entendendo por semelhante, qualquer ser vivo, afinal, apenas nos complementamos.
 
Nossas viagens para Alcoba�a chegaram ao fim. Mas minha admira��o por aquele ser aumentava a cada dia. Passei a acompanhar os seus passos e sua luta pela preserva��o de nossas montanhas, rios, matas nascentes e p�ssaros. Preserva��o nossa!
 
Pouco tempo antes de sua reintegra��o definitiva � natureza, o convidei para dar uma aula na abertura da semana acad�mica da FASEH- Faculdade de Sa�de e Ecologia Humana, em Vespasiano, Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. O tema seria Ecologia Humana.

Aceitou com a aten��o e generosidade de sempre. Acertados dia e hor�rio, passei para peg�-lo.
 
Foi um dia m�gico!

Passando pela Savassi eu o alertei para fechar o vidro do carro ao ver alguns pivetes no sinal. 

Ele retrucou:

– N�o se preocupe, Pav�o –  os velhos s�o “experts” em pivetes. H� pouco tempo um deles veio em minha dire��o no sinal de tr�nsito. Tentei rapidamente fechar o vidro do carro, mas n�o deu tempo. Ele segurou o vidro e disse - n�o se preocupe, tio, eu quero s� um carinho. Alguns dias depois, andando em dire��o a uma farm�cia no alto da Afonso Pena, me deparei subitamente com um grupo de pivetes. Pensei, agora estou frito! Mas, aquele mesmo menino do sinal veio correndo e pediu o mesmo carinho. Fiz-lhe o cafun� e ele saiu correndo feliz e saltitante.

Percebi de cara que o tema Ecologia Humana lhe ca�ra como uma luva.

Continuando nossa viagem at� Vespasiano, fomos recordando nossos ver�es em Alcoba�a. Me deu not�cia de todos os filhos, netos e sobrinhos que compartilharam conosco aqueles dias preciosos de nossas vidas.

Eu lhe disse que o �nico dos filhos que n�o conhecia pessoalmente era o Humberto. 

A� ele fez um hiato! 

– Ah, Pav�o, esse � uma pe�a rara! Frequentei muito o Col�gio Estadual por causa dele. Certa vez, fui chamado na diretoria devido a um problema dele com uma professora. L� chegando me deparei com uma senhora chorosa, o diretor e o Humberto com cara de paisagem.

A professora resolver� aplicar uma prova surpresa para conter a balb�rdia da “cozinha da sala”, a qual era coordenada e regida pelo Humberto. 

Ele se sentou para fazer a prova e come�ou a olhar a m�o como se estivesse colando. A professora passou lentamente pr�ximo a ele e segurou sua m�o, a qual foi imediatamente fechada. Ela ordenou: "Sr. Humberto, abra essa m�o". Ele negou, claro. Ela insistia e ele se negava.

A sala inteira olhava para os dois, quando ele finalmente se manifestou: "Voc�s est�o vendo, n�?! Ela est� me obrigando a abrir a m�o. Pois bem, eu vou abrir, mas n�o me responsabilizo pelas consequ�ncias."

O clima na sala era de um duelo de faroeste italiano. 

Quando ele abriu a m�o, ela desmontou!

Estava escrito CURIOSA!!

Ele admitiu o erro, suspendeu-se por uma semana e foi para a quadra de basquete.

– Esse Humberto, sempre foi imposs�vel e genial.

Disse essa frase com l�grimas nos olhos, que at� hoje n�o sei se eram de rir ou de saudade.
 
A palestra na FASEH foi absolutamente genial. Desfilou sabedoria, simplicidade, energia e brilho no olhar para falar de algo que demonstrava saber como ningu�m - seres humanos e natureza. 
 
H� poucos dias fiquei sabendo pelo Gustavo de uma escultura que haviam feito para ele no Parque da Serra do Curral, local por onde passo pedalando na porta v�rias vezes por semana.

Numa dessas pedaladas, uma borboleta azul bateu na lente direita dos meus �culos. N�o sei o motivo, mas me lembrei imediatamente dele e resolvi entrar no parque para conhecer de perto a escultura.

L� estava ele! Cravado em a�o no ch�o da montanha que defendera em vida com unhas e dentes.

Mineral e transparente, a genial obra de arte, constru�da com sucata, lixo e borboletas, permite v�-lo de todos os lados. 

Dr. Hugo virou montanha, �rvore, p�ssaros e c�u azul. Amparado por nossa falta de responsabilidade pelo planeta, lixo deixado ao l�u, cegueira ecol�gica e borboletas. A mesma esp�cie que bateu na lente direita dos meus �culos.

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