
Cen�rio quase artificial prestes a desmoronar para um lado ou para o outro.
O pouco que sobrou, fruto da luta de obstinados e sens�veis vision�rios, ainda � um Belo Horizonte.
Estudantes duros e sempre abertos a uma farra, vez por outra sent�vamos pouso no espa�o dos Wernecks. Sempre rolava uma viola, tira-gosto e, eventualmente, at� alguns amores.
Dr. Hugo n�o era de muitas palavras. Tinha um semblante meio carrancudo que de certa forma impunha limites no territ�rio Werneckiano. Limites necess�rios para conter invasores n�o afeitos a fronteiras.
N�o me lembro de t�-lo visto de cal��o na praia. Acho que escondia do sol a c�tis alva, a qual compartilhou geneticamente com sua prole. O m�ximo de bronzeamento que conseguiam era um “dourado discreto” como definia o Gustavo. Claro, com o calv�rio de v�rios dias de ardor e sofrimento.
Troncos de carv�o substitu�am �rvores que abrigavam fam�lias de p�ssaros nativos e migrat�rios, os quais ele n�o mais encontrava entre um ver�o e outro.
Sua indigna��o era tanta que se tornava logorreico, espumava pelo cantinho da boca e tinha os olhos marejados.
Dona Vanda, sua esposa, amenizava com guloseimas sobre a mesa e a eleg�ncia de uma gestora de um cl� numeroso e plural.
Aceitou com a aten��o e generosidade de sempre. Acertados dia e hor�rio, passei para peg�-lo.
Passando pela Savassi eu o alertei para fechar o vidro do carro ao ver alguns pivetes no sinal.
Ele retrucou:
– N�o se preocupe, Pav�o – os velhos s�o “experts” em pivetes. H� pouco tempo um deles veio em minha dire��o no sinal de tr�nsito. Tentei rapidamente fechar o vidro do carro, mas n�o deu tempo. Ele segurou o vidro e disse - n�o se preocupe, tio, eu quero s� um carinho. Alguns dias depois, andando em dire��o a uma farm�cia no alto da Afonso Pena, me deparei subitamente com um grupo de pivetes. Pensei, agora estou frito! Mas, aquele mesmo menino do sinal veio correndo e pediu o mesmo carinho. Fiz-lhe o cafun� e ele saiu correndo feliz e saltitante.
Percebi de cara que o tema Ecologia Humana lhe ca�ra como uma luva.
Continuando nossa viagem at� Vespasiano, fomos recordando nossos ver�es em Alcoba�a. Me deu not�cia de todos os filhos, netos e sobrinhos que compartilharam conosco aqueles dias preciosos de nossas vidas.
Eu lhe disse que o �nico dos filhos que n�o conhecia pessoalmente era o Humberto.
A� ele fez um hiato!
– Ah, Pav�o, esse � uma pe�a rara! Frequentei muito o Col�gio Estadual por causa dele. Certa vez, fui chamado na diretoria devido a um problema dele com uma professora. L� chegando me deparei com uma senhora chorosa, o diretor e o Humberto com cara de paisagem.
A professora resolver� aplicar uma prova surpresa para conter a balb�rdia da “cozinha da sala”, a qual era coordenada e regida pelo Humberto.
Ele se sentou para fazer a prova e come�ou a olhar a m�o como se estivesse colando. A professora passou lentamente pr�ximo a ele e segurou sua m�o, a qual foi imediatamente fechada. Ela ordenou: "Sr. Humberto, abra essa m�o". Ele negou, claro. Ela insistia e ele se negava.
A sala inteira olhava para os dois, quando ele finalmente se manifestou: "Voc�s est�o vendo, n�?! Ela est� me obrigando a abrir a m�o. Pois bem, eu vou abrir, mas n�o me responsabilizo pelas consequ�ncias."
O clima na sala era de um duelo de faroeste italiano.
Quando ele abriu a m�o, ela desmontou!
Estava escrito CURIOSA!!
Ele admitiu o erro, suspendeu-se por uma semana e foi para a quadra de basquete.
– Esse Humberto, sempre foi imposs�vel e genial.
Disse essa frase com l�grimas nos olhos, que at� hoje n�o sei se eram de rir ou de saudade.
Numa dessas pedaladas, uma borboleta azul bateu na lente direita dos meus �culos. N�o sei o motivo, mas me lembrei imediatamente dele e resolvi entrar no parque para conhecer de perto a escultura.
L� estava ele! Cravado em a�o no ch�o da montanha que defendera em vida com unhas e dentes.
Mineral e transparente, a genial obra de arte, constru�da com sucata, lixo e borboletas, permite v�-lo de todos os lados.
Dr. Hugo virou montanha, �rvore, p�ssaros e c�u azul. Amparado por nossa falta de responsabilidade pelo planeta, lixo deixado ao l�u, cegueira ecol�gica e borboletas. A mesma esp�cie que bateu na lente direita dos meus �culos.