(none) || (none)

Continue lendo os seus conte�dos favoritos.

Assine o Estado de Minas.

price

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e seguran�a do Google para fazer a assinatura.

Assine agora o Estado de Minas por R$ 9,90/m�s. ASSINE AGORA >>

Publicidade

Estado de Minas ENCONTROS E DESPEDIDAS

Rua 20: todos temos a nossa rua e esquinas sem fim

Cantando e encantando, Y�-Y� brilhou em palcos do mundo. Muitos anos depois, entendi que toda cidade tem uma Rua 20


12/02/2022 06:00 - atualizado 12/02/2022 08:54

Tiradentes
Depois de muitos anos, entendi que toda cidade tem uma Rua 20. Todos n�s temos a nossa rua e esquinas sem fim (foto: Kelsen Fernandes/Fotos P�blicas)
Ningu�m sabe onde come�a ou termina a Rua 20 de Ibi�. Alguns acham que ela come�a na cadeia e termina no cemit�rio. Outros dizem que ela come�a na Santa Casa e, tamb�m, termina no cemit�rio. Os religiosos a definem como um caminho aberto da Pra�a S�o Pedro ao para�so.

Todas essas defini��es est�o teoricamente corretas. Por�m, limitadas no tempo e espa�o. Poder�amos definir a Rua 20 como o meio do caminho entre S�o Gotardo e Arax�, ou entre Belo Horizonte e Cuiab�. N�o � bem assim. A rua 20 � uma reta que come�a e termina no infinito. Trata-se de um hiato entre um nada e outro. Segmento de DNA que fez e faz parte de cada um de n�s. Rua de um lugar qualquer. Rastro de jato no c�u. L� se vai a rua 20 cruzando o planeta e levando seus filhos, que um dia brincaram na enxurrada que descia lavando nossos dias.

Depois de muitos anos, entendi que toda cidade tem uma Rua 20. Todos n�s temos a nossa rua e esquinas sem fim.

Algumas s�o mais �ngremes que as outras, mas terminam sempre onde a rua 20 come�a ou termina.

Morei no meio dela, numa casa com alpendre, jardim e muro bom de subir. Dali, vi a banda passar. Fiz parte da banda e toquei prato no ritmo do bumbo. Passei para a maraca, mas sucumbi � minha disritmia musical. A banda passou e eu fiquei para tr�s.

N�o foi por falta de incentivo que n�o me dediquei � m�sica. Meu pai comprou uma radiola fant�stica. Minhas irm�s dan�avam sobre t�buas do assoalho que balan�avam no frenesi de um twist rec�m-nascido noutro canto do mundo. N�o sei se os v�rus aprenderam com a m�sica, ou se a m�sica aprendeu com os v�rus, a cruzarem o planeta de forma t�o r�pida e contagiante. A m�sica seleciona a esp�cie, ou a esp�cie seleciona a m�sica?! Darwin n�o explica.

Foi pela Rua 20 que a vi partir em busca da m�sica de sua vida. Ela foi embora deixando meus pais com os olhos cheios de l�grimas. Corri para o por�o, onde eu escondia minha tristeza e meus medos. S� sai de l� quando o perfume dela n�o mais impregnava minhas m�os e seu carinho j� era quase passado. Foi assim que me despedi pela primeira vez da minha Y�-Y�. Assim, eu aprendi a cham�-la. Neumar, o inverso de Marneu, meu irm�o mais velho, era complicado demais para a sonoridade do ouvido de uma crian�a. Simplifiquei como ouvia, Y�-Y�. Quando ela nos deixou eu tinha pouco mais de 7 anos de idade. Da� para frente foram cartas e cart�es postais, sempre com perfume e carinho. As tristezas e decep��es, se houveram, ela nos sonegou com eleg�ncia. Minha m�e as lia v�rias vezes. Em voz alta e sussurros noturnos. Meu pai saia de perto para n�o sofrer. Eu queria apenas o perfume impregnado nas folhas, que me bastava para relembrar seu colo e carinho maternais.

A Rua 20 para ela virou uma larga autoban. Somente 50 anos depois voltou a ser Rua Ametista. Foi cantando e encantando que Y�-Y� brilhou em palcos do mundo.

Seu amor pela m�sica a transformou numa professora exigente, dedicada e carinhosa com seus alunos. Muitos continuam distribuindo esse carinho nos quatro cantos desse planeta.

Ela me deixou no 4o ano prim�rio e eu a reencontrei, no 4o ano de medicina, quando fui aprender alem�o e fazer um est�gio no Instituto de Medicina Tropical de Hamburgo. Foram 6 meses que mudaram o rumo da minha vida. Ela foi a maestrina da minha m�sica. Apaixonei-me pela �pera e cada vez mais pela medicina. Por ela, conheci cantores hist�ricos. Com alguns convivi nos bastidores da �pera de Frankfurt, onde seu marido Vladimir de Kanel atuava. Foi com a ajuda dela que cheguei a Universidade de Freiburg e conheci o Professor Franz Daschner, que me acolheu e encaminhou pelo mundo da Infectologia e Epidemiologia Hospitalar. A rua 20 foi longe!

H� pouco mais de dois anos, quando completou 80 anos, ela voltou em definitivo para a Rua Ametista, destino derradeiro de sua Rua 20. Cheia de planos para continuar formando cantores, foi tra�da pela pandemia, que chegou no seu rastro dois meses depois. Ficou trancada por um ano. No ano seguinte, iniciou uma luta contra um c�ncer, que a levou h� uma semana, motivo pelo qual lhes poupei dessa coluna no �ltimo fim de semana.

Tornou-se mais uma v�tima indireta da pandemia, que impedindo um diagn�stico precoce de doen�as trat�veis, as tornam letais em pouco tempo. Esses n�meros n�o aparecem nas estat�sticas di�rias da COVID-19. Acompanhei os seus �ltimos e afinados suspiros, quando, mais uma vez, ela me deixou e seguiu pela Rua 20.

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)