
O mundo viu estarrecido e incr�dulo o aparecimento de outro surto de doen�a infecciosa no segundo ano da pandemia de COVID-19.
A var�ola dos macacos n�o � doen�a nova. Os primeiros casos em humanos foram diagnosticados em 1970 onde hoje � a Rep�blica Democr�tica do Congo, na �frica. O v�rus foi isolado pela primeira vez em 1958 em macaco, da� o inadequado nome de var�ola dos macacos, pois os verdadeiros reservat�rios iniciais seriam roedores. A OMS avalia renomear a doen�a para evitar estigmas e preconceitos contra pa�ses e regi�es, como aconteceu no surto de febre amarela em 2017.
At� 2022 os casos estavam concentrados nas regi�es ocidentais e centrais da �frica e aqueles relatados em outros continentes foram diagnosticados em pessoas que tinham visitado esses pa�ses ou tiveram contato com animais silvestres contrabandeados dessas regi�es. Pela primeira vez h� transmiss�o sustentada fora do continente africano e, at� o final de julho de 2022, tinham sido confirmados 23.351 casos em 83 pa�ses com oito �bitos.
Em compara��o com os casos de COVID-19, esses n�meros podem parecer insignificantes, mas vale acentuar que o potencial para se tornar grave crise de sa�de p�blica mundial � real e a OMS, em 23 de julho de 2022, j� declarou esta condi��o como de Emerg�ncia de Sa�de P�blica de Interesse Internacional.
A vacina contra a var�ola, que foi utilizada rotineiramente at� final dos anos 1970, confere prote��o de at� 85% contra a var�ola dos macacos. Por essa raz�o, a grande maioria dos casos rec�m-relatados s�o em pessoas com menos de 40 anos.
As formas de transmiss�o do surto atual s�o:
- Por contato pr�ximo prolongado com pessoa com manifesta��es da infec��o. Geralmente envolve contato pele a pele, com feridas ou com as crostas (contato domiciliar ou servi�os de sa�de);
- Por meio de got�culas respirat�rias;
- Por contato com fluidos orais durante o contato sexual (beijo, sexo oral);
- Por contato com tecidos, objetos ou superf�cies contaminadas com o v�rus da var�ola dos macacos (roupas de cama ou toalhas).
O R0 da var�ola dos macacos est� em torno de 1 e, como anotado acima, os mecanismos de transmiss�o s�o diferentes da COVID-19, onde a via principal de transmiss�o � por via a�rea. No surto atual a transmiss�o atrav�s do contato �ntimo (pele) durante o sexo foi respons�vel at� agora por mais de 95% dos casos e, embora o v�rus tenha sido isolado no s�men, ainda n�o � poss�vel afirmar que � uma infec��o sexualmente transmiss�vel (IST), ou seja, transmitida atrav�s de fluidos genitais.
Os casos, nesse momento, foram diagnosticados principalmente em homens que fazem sexo com homens, gays ou bissexuais. � poss�vel que essa concentra��o inicial esteja relacionada com o fato de que esta popula��o sempre teve mais cuidados com a sa�de sexual e procura mais os servi�os especializados.
No "quadro cl�ssico" da var�ola dos macacos, a transmiss�o ocorre apenas atrav�s de contato com pessoas sintom�ticas, e at� agora n�o se sabe o papel das pessoas assintom�ticas ou oligossintom�ticas na cadeia de transmiss�o.
E, diferente do "quadro cl�ssico", as les�es, que na sua grande maioria ocorrem na regi�o ano-genital, podem n�o ser precedidas de febre e letargia. Entre as raz�es para interna��o incluem-se o manejo da dor local (anal) ou para tratamento de infec��o bacteriana secund�ria.
O diagn�stico � realizado apenas atrav�s biologia molecular (RT-PPCR), pois ainda n�o est�o dispon�veis testes sorol�gicos ou testes r�pidos. Assim, nesse momento h� que se ampliar os crit�rios para casos suspeitos, o que facilitar� o acesso a exame confirmat�rio e diminuir� o risco de transmiss�o.
A vacina contra a var�ola dos macacos j� foi aprovada, mas a produ��o ainda � insuficiente, o mesmo acontecendo com os antivirais (tecovirimat e o cidofovir).
Como o ebola, a var�ola dos macacos foi negligenciada quando estava limitada a pa�ses em desenvolvimento na �frica e s� ganhou notoriedade quando atingiu a popula��o majoritariamente branca dos pa�ses Europeus e da Am�rica do Norte.
Vale enfatizar que � um grande erro associar a doen�a a popula��es espec�ficas ou a orienta��o sexual. Como a Aids e a COVID-19, ningu�m est� imune � infec��o pela var�ola dos macacos, embora aqui tamb�m as popula��es socialmente mais vulner�veis geralmente t�m mais dificuldade de acesso aos necess�rios cuidados de sa�de.
Assim, tamb�m nessa nova crise, ser� necess�ria uma postura firme e clara contra qualquer tipo de preconceito, discrimina��o ou estigma e o estabelecimento de canais de informa��o, atendimento e di�logo com as popula��es mais vulner�veis para assegurar que os erros que foram cometidos no enfrentamento da Aids nos anos 1980 e 1990 nunca mais sejam repetidos.
As autoridades sanit�rias t�m a obriga��o de estabelecer um plano robusto para seu enfrentamento, que inclui acesso e dissemina��o de informa��o baseada na ci�ncia acess�vel � comunidade e �s equipes de sa�de.
H� um grande desafio em mais essa emerg�ncia de sa�de p�blica, que al�m de refor�ar a necessidade de financiar adequadamente o SUS para este enfrentamento, refor�a a exist�ncia de uma janela de oportunidade para fazer diferente do que tem sido feito para o controle da pandemia da COVID-19.
*Esse texto foi o Editorial de 05/08/2022 do Boletim do Comit� Popular de Combate a COVID-19 de Belo Horizonte.