
De acordo com dados da SITA (Soci�t� Internationale de T�l�communications A�ronautiques), uma organiza��o especializada em servi�os de comunica��o e tecnologia para a ind�stria de transporte a�reo, a taxa global de extravio de bagagens em 2020 foi de aproximadamente 6,35 por cada 1.000 passageiros.
Estatisticamente parece pouco, mas para quem fica sem a mala � 100% traumatizante.
Ao arrumar a mala j� quase me despe�o para sempre das minhas roupas. Quando desembarco, a duvida � inevit�vel: ser� que ela veio?! Tenho certeza de que todos os "sem mala" uma vez na vida t�m a mesma preocupa��o.
Apesar de Deus n�o ter nada a ver com isso, toda vez que passo pelo intestino dos aeroportos no trajeto avi�o-desembarque, tenho certeza de que sem a ajuda dele, a possibilidade de sucesso � quase um milagre.
A primeira vez que fiquei sem a minha mala foi em uma viagem pela falecida e falida VASP. Aqui vale a m�xima: a primeira vez a gente nunca esquece.
Ela ficou desaparecida v�rios meses. Quando me devolveram, eu j� n�o reconhecia minhas pr�prias roupas: nossa, como eu era brega para usar uma roupa dessa!
Perder uma mala � como perder um ente querido, tem v�rias fases. Luto agudo, p�s-agudo e cr�nico. Nos primeiros dias, chega-se a sonhar com ela e rezar pela sua apari��o repentina. Alguns d�o chiliques no sagu�o do aeroporto. N�o adianta nada! S� vexame. Com o passar do tempo, vira raiva, inconformismo e processo contra a companhia a�rea. Quando a recuperamos, j� se cronicizou. N�o nos reconhecemos mais dentro dela.
De t�o frequente e desagrad�vel, surgiram os seguros de viagem para malas. Quanto mais malas somem, mais seguros s�o feitos. Quanto mais seguros s�o feitos, mais as malas somem. Entenderam a l�gica capitalista de resolver problemas?!
Com a crise global, que nunca acaba, malas tornaram-se lucrativas para companhias a�reas e perigosas para os viajantes. Recentemente, duas turistas brasileiras ficaram presas na Alemanha acusadas de tr�fico internacional de coca�na. Custou para que conseguissem provar inoc�ncia.
C�meras de v�deo filmando endoscopicamente os "tumores intestinais" que trocaram as etiquetas de suas bagagens as livraram do c�rcere alem�o.
Esse fato me fez lembrar a primeira viagem da minha m�e � Alemanha. Ap�s mais de 10 anos longe da filha, ela n�o poderia deixar de levar ingredientes para um p�o de queijo que s� ela sabia fazer.
Foi ao Mercado Central de BH e armou-se do melhor polvilho e de um queijo irrepreens�vel de Ibi�. Embarcou mundo afora levando os ingredientes na bagagem. No entanto, foi barrada pela eficiente pol�cia alem� logo na chegada.
Sem falar uma palavra em alem�o, tentou explicar em portugu�s do que se tratava aquele p� branco. Vacinados pela vovozinha do p� branco, n�o ca�ram na conversa dela. Pediram para trazer o cachorro para cheirar o p� da velhinha. Foi a� que a situa��o complicou! "Cachorro n�o cheira meu polvilho! Vai azedar!", ela disse brava e confiante.
Sem hesitar, acostumada com cachorros pid�es de beirada de pia na ro�a, ela enfiou um bicudo no nariz do bicho, que saiu com o rabo entre as pernas e sem um pingo de interesse pelo p�. Essa rea��o inusitada aumentou a suspeita sobre a velhinha de cabelos da cor do p� que carregava. O jeito foi chamar um qu�mico. Com t�cnica ass�ptica cir�rgica e sob o olhar agudo da minha m�e, o qu�mico comprovou que se tratava de puro amido. Ou seja, polvilho do bom, como ela havia claramente explicado, em portugu�s.
“Eles n�o entenderam por pura m� vontade. Eu entendi que eles estavam colocando d�vida a qualidade do meu polvilho e eles n�o entenderam que era polvilho do bom e que cachorro n�o pode cheirar, sen�o azeda”. Essa foi a explica��o que ela deu para a minha irm�, que j� a esperava aflita no port�o de desembarque.
Segundo minha irm�, foi o melhor p�o de queijo que ela comeu na vida. Minha m�e insistiu para que ela levasse um pratinho para os guardas com um pedido de desculpas para o cachorro.
A minha �ltima mala perdida foi em abril, durante uma viagem para um congresso na Dinamarca. A mala chegou tr�s dias depois, quase na hora do meu retorno. N�o sei se voc�s j� se emocionaram ao reencontrar as suas pr�prias cuecas. Eu me emocionei!
Companhias a�reas talvez n�o saibam, mas cuecas s�o parte da nossa identidade. Malas s�o bem mais do que malas. Malas s�o um pouco de cada um de n�s, de nossas escolhas, do nosso estilo.
Malas s�o parte da nossa hist�ria, do nosso caminho pelo mundo. Malas s�o a nossa bagagem; s�mbolo das nossas jornadas, das nossas mem�rias e das aventuras que vivemos. Essa viajem vale a pena.
Ao reaver minhas cuecas, finalmente as coisas voltavam ao seu devido lugar.