
Por que as pessoas protestam? Essa pergunta tem ocupado a cabe�a de in�meros psic�logos sociais, soci�logos e cientistas pol�ticos interessados em compreender como indiv�duos avaliam os custos e benef�cios de sair de casa para protestar nas ruas junto a centenas, talvez milhares de desconhecidos, e o impacto que protestos podem gerar nas institui��es pol�ticas.
Antes de tentar explicar o que leva as pessoas a protestarem, com base no que cientistas que estudam o fen�meno vem demonstrando, proponho um exerc�cio. Que tal olharmos retrospectivamente para junho de 2020, quando come�ou uma onda de protestos nos Estados Unidos decorrentes do assassinato de George Floyd? Quais eram, naquele momento, as condi��es que influenciaram as pessoas a sa�rem as ruas, fazendo com que os protestos do movimento #blacklivesmatter reunissem mais manifestantes que os do movimento por direitos civis na d�cada de 1960?
O primeiro aspecto a ser pontuado � o impacto que a pandemia teve na vida das pessoas. Muitos foram obrigados a ficar confinados em casa, que se tornou seu �nico ambiente para o trabalho, educa��o dos filhos, lazer e descanso. H� que se ponderar o quanto essa experi�ncia pode ter permitido maior senso de empatia para com as dificuldades enfrentadas por outras pessoas. Importante frisar tamb�m que, no in�cio da pandemia, o presidente Donald Trump manteve uma postura negacionista frente a crise sanit�ria enquanto o n�mero de casos e mortes causadas pela covid aumentava dramaticamente no pa�s.
A campanha eleitoral j� se mostrava acirrada e a disputa pelos eleitores indecisos nos chamados “swing-states” se tornava mais dif�cil por conta das medidas de prote��o que impediam aglomera��es (embora Trump tenha feito v�rios com�cios com centenas de pessoas aglomeradas e sem m�scara). Esse cen�rio de incertezas pol�ticas e a experi�ncia de passar por uma pandemia sem precedentes s�o ideais para aumentar o sentimento de insatisfa��o popular.
Entretanto, o evento, comum na vida de muitos negros nos Estados Unidos mas tamb�m no Brasil e outros pa�ses multirraciais, que funcionou para canalizar essa insatisfa��o, at� ent�o fragmentada em diferentes queixas, ocorreu no dia 25 de maio. Naquele dia em Minaeapolis, no estado de Minesota, George Floyd, um cidad�o negro, foi asfixiado por 8 minutos e 46 segundos por um policial branco diante de v�rias testemunhas. A r�pida circula��o do v�deo mostrando todo o ocorrido nas redes sociais contribuiu significativamente para gerar como��o e indigna��o num grande n�mero de pessoas.
Essas raz�es, entre outras, levaram as pessoas a ponderar e sair �s ruas para protestar contra a viol�ncia policial apesar dos riscos de exposi��o ao v�rus da covid. Daquele momento em diante a frase “I can’t breathe”, repetida por Floyd enquanto era asfixiado, adquiriu um significado pol�tico gigantesco, capaz de reunir milhares de pessoas nas ruas de v�rios pa�ses em diferentes continentes em prol da justi�a social.
Corta para o Brasil. Maio de 2021. Ap�s o presidente Jair Bolsonaro desfilar de moto junto com seus apoiadores no Rio de Janeiro, relembrando estrat�gia semelhante protagonizada pelo l�der fascista Benito Mussolini em 1933, um contra-movimento se formou e cresceu nas redes sociais. O chamado �s ruas levou milhares de pessoas a protestar contra o governo em diversas capitais no dia 29 de maio.
Mais uma vez recorro ao exerc�cio de escrutinar as condi��es que influenciaram as pessoas a ocupar as ruas, apesar das condi��es adversas. Enquanto nos Estados Unidos e parte dos pa�ses da Europa Ocidental a vida come�a voltar a normalidade aos poucos, o Brasil atingiu a marca de quase 500 mil mortos e a vacina��o segue lenta e ca�tica. A CPI da pandemia vem revelando que o governo federal optou deliberadamente por uma estrat�gia negacionista, criando um gabinete ministerial paralelo que o ajudou a tomar as decis�es desastrosas que nos trouxeram a esse estado de coisas. O pa�s atingiu a espantosa marca de 14,4 milh�es de pessoas desempregadas e cerca de 19 milh�es passando fome. E, apesar de ter deixado de responder 53 e-mails da Pfizer solicitando um posicionamento do governo sobre a compra de vacinas, a gest�o Jair Bolsonaro foi c�lere em aceitar sediar a Copa Am�rica de �ltima hora, depois que a Col�mbia e a Argentina decidiram n�o mais sediar o evento.
Diante desse cen�rio desolador, n�o � for�oso afirmar que a sensa��o de n�o poder respirar, met�fora pol�tica que se agigantou ap�s a morte de George Floyd, se aplica perfeitamente � situa��o vivida pelos brasileiros desde o in�cio da pandemia. Por essa raz�o, a energia vital - express�o que tomo de empr�stimo da antrop�loga Rosana Pinheiro-Machado – observada nas manifesta��es contra o governo no dia 29 de maio veio para se contrapor � sensa��o de asfixia que dominou parte significativa da popula��o nos �ltimos 15 meses.
Voltamos ent�o �s minhas perguntas iniciais: por que protestamos? Qual o impacto dos protestos nas institui��es pol�ticas? Tanto as manifesta��es antirracismo do ano passado como o pren�ncio de uma sequ�ncia de protestos contra o governo Bolsonaro neste ano contribuem para ajudar a responder tais quest�es.
Estudiosos de movimentos sociais e protestos usaram, por muito tempo, uma met�fora mercadol�gica para explicar por que as pessoas protestam. Posta de maneira simples, � como se os cidad�os fossem consumidores e o Estado, o mercado. Os cidad�os demandariam bens e servi�os do Estado e, quando n�o atendidos, lan�ariam m�o de protestos como forma de induzir o mercado a se reorganizar para melhor satisfazer as demandas dos cidad�os. Mas essa met�fora � insuficiente para explicar os motivos pelos quais as pessoas protestam.
Psic�logos sociais, como o holand�s Bert Klandermans, estudam a dimens�o psicossocial dos protestos h� d�cadas e prop�em cinco fatores essenciais, encontrados nos dois exemplos de manifesta��es que detalhei acima, para explicar por que as pessoas protestam. Em primeiro lugar, � necess�rio que exista grande insatisfa��o que possa ser canalizada para a a��o. A raiva expressa por indiv�duos isolados � condi��o necess�ria, mas n�o suficiente, para a a��o. � fundamental que um l�der pol�tico ou uma organiza��o, mesmo que virtual, ajude as pessoas a se mobilizar coletivamente.
Em segundo lugar, � fundamental que exista um sentimento de efic�cia, ou seja, a cren�a de que � poss�vel alterar a situa��o pol�tica pela via dos protestos.
A identifica��o � o terceiro elemento a contribuir para que as pessoas decidam protestar coletivamente. Quanto mais um individuo se identifica com um grupo maiores s�o as chances de que ele participe de protestos que beneficiem tal identifica��o. Mesmo que a pessoa n�o se sinta parte do grupo, ela pode se identificar a partir da sensa��o de partilharem um destino comum que � determinado pelo sistema pol�tico, o que pode estimul�-la a se engajar em protestos.
A identifica��o � o terceiro elemento a contribuir para que as pessoas decidam protestar coletivamente. Quanto mais um individuo se identifica com um grupo maiores s�o as chances de que ele participe de protestos que beneficiem tal identifica��o. Mesmo que a pessoa n�o se sinta parte do grupo, ela pode se identificar a partir da sensa��o de partilharem um destino comum que � determinado pelo sistema pol�tico, o que pode estimul�-la a se engajar em protestos.
Emo��es s�o elementos-chave para o protesto. A raiva, em especial, ao contr�rio do medo, desespero ou vergonha, serve para impulsionar as pessoas para a a��o. Ademais, a raiva promove uma rela��o adversarial com as autoridades, induzindo ao confronto. Por fim, a integra��o social exerce um importante papel para que os protestos possam ocorrer. Dialogar com as pessoas sobre o que est� errado e suas insatisfa��es cria um senso de compartilhamento de emo��es e, ao mesmo tempo, ajuda a identificar o que tem causado tal insatisfa��o coletiva, de quem � a responsabilidade e o que pode ser feito a respeito.
Todos os cinco elementos elencados acima s�o observ�veis nas manifesta��es pelo #blacklivesmatter em 2020 e nos protestos de 29 de maio. Mas ainda fica uma quest�o a ser respondida: qual o impacto desses protestos na pol�tica? N�o � poss�vel estabelecer uma rela��o de causa e efeito entre a realiza��o de protestos e as respostas pol�ticas a eles. As institui��es pol�ticas podem estar mais ou menos abertas �s demandas vocalizadas nos protestos, pois a rela��o entre grupos contestat�rios e o Estado n�o � apenas do tipo oposi��o-integra��o, mas tamb�m de competi��o.
Nesse sentido, para al�m da repress�o, os agentes estatais podem restringir o acesso de atores sociais que protestam ao antecipar, e incorporar de maneira segmentada, algumas de suas reivindica��es. Al�m disso, o grau de abertura institucional varia ao longo do tempo, a depender das configura��es de poder e do grau de apoio coletivo dado �s demandas daqueles que protestam. Por fim, os protestos t�m mais chances de impactar a esfera pol�tico-decis�ria quando h� uma certa divis�o e instabilidade de alian�a dentro da elite pol�tica.
Nesse sentido, para al�m da repress�o, os agentes estatais podem restringir o acesso de atores sociais que protestam ao antecipar, e incorporar de maneira segmentada, algumas de suas reivindica��es. Al�m disso, o grau de abertura institucional varia ao longo do tempo, a depender das configura��es de poder e do grau de apoio coletivo dado �s demandas daqueles que protestam. Por fim, os protestos t�m mais chances de impactar a esfera pol�tico-decis�ria quando h� uma certa divis�o e instabilidade de alian�a dentro da elite pol�tica.
As manifesta��es pelo #blacklivesmatter tiveram um inequ�voco impacto na pol�tica norte-americana. Em v�rias cidades e estados foram elaboradas propostas de redu��o do financiamento das pol�cias e transfer�ncia dos valores antes destinados a seguran�a p�blica para as comunidades negras. Congressistas do Partido Democrata apresentaram um projeto de lei de reforma do sistema de justi�a criminal e mobiliza��o negra teve peso consider�vel na elei��o presidencial, sendo respons�vel pela vit�ria democrata em alguns estados tradicionalmente republicanos.
Mas as manifesta��es contra o racismo e viol�ncia policial tamb�m foram seguidas de forte backlash. A invas�o do Capit�lio dos EUA em 6 de janeiro por supremacistas brancos e a tentativa de aprovar leis que aumentam a supress�o do voto em mais de 40 estados s�o apenas dois, dos muitos, exemplos de rea��o virulenta �s manifesta��es de 2020.
Mas as manifesta��es contra o racismo e viol�ncia policial tamb�m foram seguidas de forte backlash. A invas�o do Capit�lio dos EUA em 6 de janeiro por supremacistas brancos e a tentativa de aprovar leis que aumentam a supress�o do voto em mais de 40 estados s�o apenas dois, dos muitos, exemplos de rea��o virulenta �s manifesta��es de 2020.
No Brasil, os protestos de 29 de maio serviram para mostrar ao governo que a insatisfa��o � generalizada. Por�m, � cedo para analisar seu impacto pol�tico. Caso novos protestos ocorram, dando um car�ter mais consistente e coerente � insatisfa��o observada em maio, � de se esperar uma resposta do sistema pol�tico. Por�m, n�o h� garantias de que essa resposta seja positiva. Sempre que acuado, Bolsonaro acena com a possibilidade de radicaliza��o e ruptura democr�tica. Ademais, as pol�cias militares e as mil�cias podem contribuir para o caos social caso os protestos se tornem frequentes e se adensem. Sem contar a for�a da narrativa conspirat�ria, difundida e incentivada por Bolsonaro, sobre a possibilidade de fraude nas elei��es.
O futuro dos protestos e seu impacto pol�tico no Brasil � incerto. Por isso � t�o importante nos atentarmos aos seus desdobramentos, pois h� riscos de que 2021 se converta num 2013 piorado. Ou n�o?
O futuro dos protestos e seu impacto pol�tico no Brasil � incerto. Por isso � t�o importante nos atentarmos aos seus desdobramentos, pois h� riscos de que 2021 se converta num 2013 piorado. Ou n�o?