Drama ind�gena atinge tamb�m a l�ngua portuguesa

As imagens parecem de um campo de concentra��o nazista. Homens, mulheres e crian�as exp�em a magreza extrema. S�o pele e osso. O triste espet�culo virou not�cia no Brasil e no mundo. De quebra, trouxe um problema lingu�stico. Como lidar com o nome de tribos ind�genas?

Nome de tribos ind�genas n�o tem pedigree. Escreve-se com inicial min�scula (os tupis, os guaranis, os ianom�mis). Flexiona-se apenas em n�mero: o �ndio calapalo, os �ndios calapalos, a �ndia calapalo, as �ndias calapalos.

O nome �ndio foi usado pela primeira vez pelo navegador italiano Crist�v�o Colombo, convencido de que havia chegado � �ndia. O nome pegou. Depois, mesmo sabendo que n�o estavam na �sia mas num continente desconhecido, os exploradores europeus mantiveram a denomina��o. Naquele tempo, duvidava-se que os nativos fossem humanos. Diziam que eram bichos selvagens, sem alma. Para resolver a situa��o, em 1537, o papa Paulo III proclamou oficialmente a humanidade dos �ndios na bula Veritas Ipsa.

A Pol�cia Federal deflagrou a Opera��o Lesa-P�tria. Entre os atos, determinou mandado de busca e apreens�o na casa e no escrit�rio do governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. A raz�o: ele teria sido omisso ou conivente diante do quebra-quebra ocorrido na Pra�a dos Tr�s Poderes no dia 8 de janeiro.

Em lesa-p�tria, lesa � adjetivo, n�o verbo. Significa lesado. Deve concordar em g�nero e n�mero com o substantivo a que se refere: lesa-p�tria, leso-patriotismo, lesas-p�trias, lesos-patriotismos, leso-futuro, lesos-futuros.

Aten��o, mo�ada. Lesa e leso podem ser verbos – formas do presente do indicativo de lesar: eu leso, ele lesa, n�s lesamos, eles lesam.

Na Regi�o Norte, existe uma express�o pra l� de repetida pelos moradores de l�: tu � leso? (assim mesmo, sem respeito � concord�ncia). Tu � leso? Significa “tu �s bobo?”, “tu �s idiota?”. Da palavra leso derivou-se o substantivo leseira, que ainda tem um qualificativo: leseira bar�.

Os nortistas dizem que a leseira bar� � o produto da alta taxa de umidade associada ao calor da floresta amaz�nica. Quem n�o tem costume adquire leseira bar�: fica mole, mole, leso, leso. Ah! Bar� � o nome de tribo ind�gena. Mas, hoje, no uso popular, � quase um sin�nimo de amaz�nico.

Wagner Victer foi secret�rio de Educa��o do Rio de Janeiro. Ao ser entrevistado por telefone, a apresentadora lhe pergunta:

– Secret�rio, me ouve bem?

Ele responde:

– Eu ouvo.

Conclus�o: o secret�rio matou aulas. Uma das li��es perdidas tratava do verbo ouvir. Se ele a tivesse aprendido, teria conjugado o ardiloso verbinho assim: eu ou�o, ele ouve, n�s ouvimos, eles ouvem.

Sou entusiasmado pela nossa l�ngua p�tria. E acho bastante oportuna a coluna Dicas de Portugu�s com a rela��o de erros que incomodam. Entre eles, destaco a gente, que se tornou substituto de eu e n�s. � demasiadamente exagerado o n�mero de vezes que se usa a express�o, demonstrando, no meu entender, ignor�ncia no uso da l�ngua. Estou certo?

• Jos� M�lton Astolfi, Santos

A gente � a l�ngua informal, descontra�da, pr�xima do falar quotidiano. Monteiro Lobato a chamava de “l�ngua de bermuda e chinelo”. O Aur�lio registra a duplinha sem restri��es. Cita como exemplo versos do poeta Augusto dos Anjos, que viveu de 1885 a 1914: “De Jesus Cristo resta unicamente/ Um esqueleto; e a gente vendo-o, a gente/ Sente vontade de abra�ar-lhe os ossos”.

Prov�rbio africano diz: “A gente nasce com um mont�o de palavras na barriga. Na vida, vai gastando o estoque. Quando todas acabam, a gente morre”.

H� quem prefira o pronome n�s. A l�ngua � um sistema de possibilidades. Nosso desafio: escolher a mais adequada para o contexto.

“Considero como a primeira das virtudes conter a l�ngua.”

• Dion�sio Cat�o