
Estou em chamas, queimada por dentro e por fora. Ningu�m consegue apagar esse inc�ndio que, em labaredas, devora tudo em mim. N�o consigo ver solu��o. N�o h� mais chance. Vejo o padre J�lio Lancelotti ser crucificado por algozes da intoler�ncia, do preconceito, da falta de compaix�o para com o outro. Vejo o padre J�lio Lancelotti ser amea�ado pelas chamas do �dio. Logo ele, que pratica o cristianismo real.
N�o sai da minha cabe�a uma das falas desse ser que prega no deserto, apesar da coroa de espinhos que enterraram na cabe�a dele. Fico repetindo a fala do padre Lancelotti como um mantra, uma ora��o de amor, capaz de apagar a mesquinhez e a mediocridade desse momento atual: “Procuro Jesus no Sacr�rio, mas Ele teima em morar debaixo do viaduto”. Perdoai-os, padre Lancelotti, pois eles n�o sabem o que fazem!
Como diz uma letra de Bob Dylan: “Aqui tudo bem, s� que eu estou sangrando", com a lan�a que acertou em cheio os meus princ�pios, a minha humanidade. Chamuscaram o meu cora��o. N�o h� um pingo de dec�ncia. Nem o coronav�rus mortal pode conter o imoral que h� na mente de pessoas t�o perversas.
Meu aquecimento � pessoal – nem toda �gua do mar ou de uma tempestade de 40 dias seguidos pode apagar a insensatez. Nem a Arca de No� que propus em uma das cr�nicas pode salvar o ser humano de tanto descalabro. Ou pode conter o abuso e o autoritarismo de um poder macabro, que se molda em fake news e algoritmos, que transforma os seres em rob�s, em intelig�ncia artificial, em mentiras deslavadas de que a terra � plana, de que os �ndios s�o os respons�veis pelos inc�ndios nas florestas.
Como se n�o bastasse, assisti ao document�rio Dilema das redes, que fala de uma gera��o que n�o vive mais sem as m�dias digitais. Foi um soco no est�mago. � melhor algu�m que domina a tecnologia do que outro que tem talento e experi�ncia para escrever. Talvez, o meu choro convulsivo consiga apagar o fogo de um mundo que n�o entendo mais, que n�o quero fazer parte. Um mundo seco, �rido, in�spito, criminoso, comandado por algoritmos. Uma gera��o que vive de chupetas digitais, sem nenhum conte�do, sem valores humanos, que acha que � melhor do que os outros, que n�o respeita o envelhecer nem tem tempo e paci�ncia para uma conversa longa, olho no olho. Como disse Chamath Palihapitiya, um ex-executivo do Facebook, “as redes sociais est�o dilacerando a sociedade”. Ele lamentou ter participado da cria��o de ferramentas que destroem o tecido social. Proibiu os pr�prios filhos de se viciarem nesse produto. Usu�rios de redes sociais, segundo ele, s�o t�o dependentes quanto os de drogas pesadas.
Como se n�o bastasse o fogo que se alastra pelas chamas do �dio, pelo exterm�nio da cultura, dos nossos ancestrais, da sabedoria de nossas av�s, dos �ndios, � preciso engolir sem mastigar, a depend�ncia cibern�tica, os burocratas da vida. Preciso pedir desculpa �s on�as-pintadas de patas queimadas, aos micos le�es dourados, aos elefantes, aos p�ssaros. A continuar desse jeito s� vai restar a fuligem da exist�ncia na Terra.
Escrevo com f�ria, em nome da natureza devastadora do ser, da falta de compostura e de seriedade coma vida. H� um compl� contra os pobres, os feios, os humilhados e ofendidos, os diferentes, os negros e os velhos. N�o h� sinal de vida, tudo repete a mesma ladainha, o mesmo refr�o da competi��o, da apar�ncia. Do sup�rfluo. � melhor fazer festa, abrir bares, amontoar, beber e comer at� vomitar, do que prestar aten��o no essencial, na simplicidade que faz vida florescer.
� preciso consumir, assassinar as florestas, os animais, os p�ssaros que fogem do fogo em bando, que pedem socorro. N�o h� chance de escapar desse inc�ndio, das not�cias vazias, digitadas sem nenhuma emo��o, que s� contribuem para a aridez de nossas vidas.
Desculpe-me, gera��o cabe�a baixa, que s� olha para o celular, mas prefiro continuar vasculhando o c�u. Prefiro desligar o celular como prova de amor. Nem a chegada da primavera conseguiu arrancar os galhos secos do meu cora��o. Estou ardendo!