
Zub�o estranhou um tanto quando a irm�, depois de almo�ar, comer a sobremesa com aquela calma que era s� dela e tomar o caf� de coador, soltou a frase que desconcertava:
– Ser� que a gente pode conversar?
Ele a mirou entre surpreso e preocupado, porque j� vira trag�dias serem anunciadas assim. At� tentou quebrar o clima que se desenhava desconfort�vel. Alisou as gotas suadas do copo de cerveja, jogou uma castanha-do-par� na boca e balbuciou:
– Mas j� estamos conversando...
– Ah, foge do olho no olho n�o...
Ele ca�ula, ela a mais velha, haviam travado esses di�logos secos antes. Aos 17, aos 20 e poucos anos, mas agora, beirando os 50?
– T� bom, t� bom, vamo l�. Desembucha.
A irm� deu aquela pigarreada padr�o ao introduzir um assunto mais espinhoso. N�o fez curvas.
– Estamos preocupados com voc�.
– U�?!?! Estamos? Estamos quem?
– Eu, mam�e, sua mulher...
– Pera�, lista grande, hein... E qual � a preocupa��o, afinal? Eu trabalhando firme, impostos em dia, sa�de normal...
A irm�, sobrancelha delicadamente definida, as ma��s da face j� com os vincos da maturidade, e uma voz que lembrava tiazinhas em confession�rio, sempre com tom meio de lamenta��o, meio de culpa. Apesar disso, figura firme.
– A preocupa��o � com cerveja.
– Ops! Com cerveja? Mas do qu�, exatamente? Bebo cada vez menos. At� perdi peso no �ltimo semestre...
– N�o, n�o, n�o. N�o � com beber. � com ‘viver’ cerveja. Voc� n�o pensa, n�o fala, n�o elabora nenhum di�logo mais que n�o tenha cerveja artesanal no centro. Religi�o, voc� cita a cerveja em velhos rituais. Futebol, voc� trata de p�r cerveja no meio. Turismo, voc� faz o c�lculo de consumo pros dias de viagem...
– Mas, Marisa, a bebida � engenho da humanidade desde sempre. E a cerveja t� l�...
– Ah, aquela hist�ria dos sum�rios de novo? N�o enjoa, �?
Quando ela projetava os l�bios na dire��o do nariz e olhava para o alto, era sinal de contrariedade ou impaci�ncia.
– Olha pra voc�! Em que se transformou...
– Opa, calma l�. O que significa isso? No que me transformei? Sou o mesmo faz anos. E at� acho isso chato. E esse papo n�o t� soando como julgamento rid�culo?
– Ah, voc� n�o � a mesma pessoa n�o. Cad� sua cole��o de vinis? Onde foram parar as camisas de time que enchiam seu guarda-roupas? E os postais da d�cada de 20? Viraram qualquer coisa que se relacione a cerveja.
O ambiente ganhava um ar pesado e Zub�o sinalizou, pedindo um respiro. Rep�s o copo e, do nada, o afastou, como se representasse algo amaldi�oado.
– S� uma coisa: por que a Ju n�o est� nessa nossa conversa? Se imagino que foi ela quem pediu esse, sei l�, socorro a voc�s. E voc�, Marisa, n�o acha invasivo? Pra mim, � intromiss�o, me desrespeita, como se eu fosse doente, dependente.
A irm� fez men��o de chorar, mas segurou, porque tornaria tudo dram�tico. Mediu as palavras.
– N�o � intromiss�o, de jeito nenhum. Desculpa se sentiu assim. � zelo, cuidado com quem a gente ama. E sua mulher j� lhe disse a mesma coisa, s� que de modo cifrado. Como n�o adiantou...
– Ops!! Qual a solu��o? Internar? Camisa de for�a? Tarja preta?
Marisa pensou em se levantar, ir embora. Respirou. Recuou.
– Olha, a gente n�o falaria disso se n�o te amasse, se n�o te respeitasse. � que tudo em excesso tira uma pessoa do prumo. � sobre isso. Exagero, tara...
– Cum�? Tara? A� voc�s viajaram...
– S�rio? Jura? Olha sua �rea de servi�o. Sua despensa. Ta�as, canecos, garrafas de toda parte, caixas com tampinhas pra todo lado, n�o sei quantos �lbuns de r�tulos, latinhas...
– Porra, c�s t�o me vigiando agora? Chega! Acabou!
A irm� p�s a m�o sobre a m�o dele. Como o acalmava desde os tempos de adolesc�ncia com aquele gesto.
– Olha pra mim. Vamos fazer um pacto. Que tal terapia? A Ju topa, vai junto.
Havia batido no limite.
– Terapia � o cacete! Vou nada.
Uma semana depois, a mulher ponderando, ele refletindo, cedeu. Meses � frente, dando-se como ‘suave na nave’, � mesa de almo�o com Ju, Marisa e a m�e, toca o telefone.
Viu na tela: �ndio, parceir�o das antigas. Botou no viva-voz. Tinha aquele estranho h�bito. Um oi pra l�, um oi pra c�, o assunto cervejeiro aflorou. E a confirma��o da chegada do pedido.
– T�o aqui comigo aquelas tr�s gravatas, as duas camisetas, os seis bon�s e as cuecas com estampa de cerveja que pediu da minha viagem � B�lgica.
Ele, de verdade, n�o se recordava, porque fazia mais de um ano que encomendara. Os pares de olhos femininos fulminantes, foi afundando � cadeira. E saiu-se com uma tirada e tanto.
– Reca�da, amores, ligeira reca�da. Mas l� na terapia a gente j� viu que o perd�o � maior do que essas bobagens, n� n�o?
Esta coluna � publicada quinzenalmente
