
Escondido de Deus, redijo essas linhas secretas antes que se tenha in�cio a peleja de nossas vidas. � para ser esta a coluna do t�tulo e, por �bvio, deveria ser escrita depois do jogo. Mas, caro amigo, nada garante que eu terei sobrevivido. Que Deus n�o me repare aqui, como n�o reparou no torcedor que carregava duas estrelas amarelas no Mineir�o lotado – ambos a cantar vit�ria antes da hora, como se n�o f�ssemos aquilo que somos, galos escaldados.
Se estas imprudentes linhas est�o diante de seus olhos, certamente marejados porque ter� sido implac�vel a m�quina de fazer homem chorar, ent�o, deu tudo certo: o Galo ganhou. Meu Deus, o Galo ganhou! Belisquemo-nos todos: puta que o pariu, o Galo ganhou!!! O t�tulo imposs�vel. Aquele pelo qual lutamos uma vida, nos fodemos, ca�mos, levantamos, acreditamos, desacreditamos, alguns pais se foram, filhos nasceram – e ent�o, depois de uma vida… porra, N�S GANHAMOS!
Nada no mundo, na noite desta quinta-feira, � mais importante do que este fato capaz de tocar at� o g�lido cora��o cruzeirense, at� o mais safado dos flamenguistas: o Galo ganhou! E s� um cora��o de pedra � incapaz de perceber o que paira sobre a atmosfera neste Dia do Samba, para sempre o Dia do Galo: o amor venceu.
A vida sempre vence. E at� os mortos que n�o viram est�o agora presentes.
Para adiantar a peregrina��o, j� me encontro em Meca, a sede de Lourdes. Escondido de Deus. H� vendedores de faixas do Galo bicampe�o. Desejo tanto comprar uma delas, meu objeto de desejo muito mais do que a casa pr�pria, o carro, a cota do Minas.
Aquela faixa � minha gargantilha de brilhantes, olho pra ela como a japonesa que olha para a vitrine da Tiffany na Via Condoti. Eu sei que ela vai ser minha daqui a poucas horas. Vou vesti-la como um oper�rio que vestisse a faixa presidencial.
Choro. S� choro. Tem cara de chuva. Se choveu (esse texto � um exerc�cio de fic��o, que Deus o queira, am�m), ent�o, ter� sido como na m�sica dos Racionais, s� que dessa vez o homem l� em cima n�o se aguentou de emo��o: “Essa noite chove muito porque Deus chora”.
Choro, como todo atleticano, porque este dia esperamos por uma vida. Lembro a bandeira que comprei com meu pai para a final de 80 nas Lojas Bacana. Meu pai n�o gostava do Reinaldo, n�o gostava de futebol. Eu amava o Reinaldo. Eu amo o Reinaldo. A bandeira era a bandeira branca (e de fato ela era branca).
Hoje tamb�m meu pai deve estar chorando, assim como chorou em nosso rebaixamento quando, sentado num restaurante, viu atleticanos moribundos cantar a nossa Marselhesa, naquela express�o de amor e dor que s� a gente (e um verso da Ad�lia Prado, atleticana) sabe transformar na mais rica de todas as rimas.
Meu filho, pr�-adolescente, me escreve, paulistano capturado por essa nossa doen�a, a mais linda de todas as patologias, sem cura, sem vacina, sem tratamento precoce. Mas, perigosa, pode levar � vida.
“Papai, eu vou de avi�o, de �nibus a mam�e n�o quer, eu quero ver o Galo campe�o. S� preciso que voc� me diga que tudo bem, porque sabemos que voc� tem medo de avi�o. O Galo � o amor da minha vida, eu preciso ver, n�o quero ficar 50 anos esperando. Eu tenho 13 anos e um sonho de ver o Galo com a ta�a, eu amo esse clube, eu vivo o Galo e amo o Galo, obrigado por me fazer viver isso. Pelo Galo eu fa�o tudo”. Tadinho.
Choraremos juntos, daqui a pouco. E lembraremos pra sempre, mesmo quando o Alzheimer fizer esquecer nossos pr�prios nomes. Um sujeito escreveu certo: a espera � de todos. O menino de 13, o jovem de 28, o adulto de 40, o velho de 80: todos, sem exce��o, cumpriram 50 anos de espera. E agora que o Galo ganhou, todos brilham, irradiam, florescem. A vida venceu a morte, o amor bateu a desesperan�a.
O Galo campe�o � uma vit�ria de todos.
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Voltei. O jogo acabou. O Galo ganhou. O Galo ganhou!!! Olho para a sede, a nossa Meca. Meus bra�os gigantes abra�am toda a quadra. Toda a Meca e toda a sua gente, que chega de pontos diversos, desafiando a greve dos �nibus. Eles v�m pelos ares, galos doidos em seus voos de galinha.
Aparentemente, sobrevivi. 3 a 2. O nosso placar hist�rico. Quando tudo parecia perdido, o 2 a 0 que, agora, sem d�vida, a nossa senha pra falar com Deus. O homem l� em cima viu o povo aglomerado, a variante nova, o sofredor, o desdentado junto com o cara do Mangabeiras, aquela li��o de vida. Olhou e falou: deixa esse povo ganhar.
N�o poderia ter sido normal. A gente n�o � normal.
At� domingo, est� proibido morrer.