Fred Melo Paiva
Eis aqui o ordenhador de pedras em seu estado de arte: embora tenhamos hoje um Atl�tico e Flamengo, este escriba est� com a cabe�a em outras pelejas, de modo que precisar� extrair o leite a partir do min�rio bruto. J� me desculpo por isso. Minha cabe�a, normalmente ocupada em 90% pelo Atl�tico, acabou por alugar um triplex para o Lula. Veja bem, n�o � no Guaruj�, � na minha cabe�a. A culpa, claro, � do Bolsonaro. Seu cheiro de enxofre a tudo contamina.
O Atl�tico colabora para esse estado de coisas. Antes o Rivotril litr�o capaz de atenuar as dores da alma e da consci�ncia, a nossa cacha�a, a sess�o de psican�lise, o descarrego do fiel torcedor – agora transmutou-se em parte do problema, o empata-foda que j� n�o mete o ferro sequer no pobre do Cear�. Cacha�a de metanol, baseado de or�gano, Rivotril comprado na banquinha do Pazuello.
E a ressaca? Pior que a do velho brocha enchendo a cara com cerveja verde e xingando padre em Aparecida pro Brasil inteiro assistir. Nossinhora, confesso que me identifiquei com aquele traste! Deus que me perdoe. Gostava muito de xingar padre e a Rede Globo quando todo mundo era punk nos anos 90.
Pensava l� com meus bot�es amoicanados: tudo estaria resolvido se implod�ssemos o Vaticano e arranc�ssemos o Roberto Marinho de dentro do casulo de pl�stico em que vivia, disposto, ele e o Michael Jackson, a completar 200 anos. Santa ingenuidade! Agora os punks est�o velhos, carecas como os skinheads. O Malafaia est� no comando. A Jovem Klan � que manipula os debates. O papa � o comunista, e a Globo � a salva��o. Onde foi, Jo�o Gordo, que n�s erramos?
O que foi que aconteceu com o Galo?, a gente se pergunta, naquela abstin�ncia da cacha�a. N�o h� explica��o. Conjecturamos, supomos, inferimos, convocamos os universit�rios. E quanto mais sabemos, menos compreendemos. Igualzinho com o bolsonarismo, me desculpe a fixa��o: o pessoal se esfor�a pra entender de que buraco saiu essa gente horrorosa, do que vivem essas velhas corocas vestidas de sele��o, de que se alimentam esses trogloditas orgulhosos de seus c�rebros de ervilha. Editoriais s�o produzidos, cunham-se teses, descreve-se a Alemanha de 33. Tamo lascado!
A gente acha que finalmente entendeu. Mas, ao dobrar a esquina, l� vem a Damares com suas taras sexuais, tirem as crian�as da sala! O Salles madeireiro, o astronauta paspalh�o, o Chupetinha de Miliciano, o Pazuello genocida, o Hamilton Mour�o, o Magno Malta – l� vem esse povo e engole a gente como se f�ssemos ind�genas no churrasco do Bolsonaro. Fujam para as montanhas! Que montanhas? As mineradoras j� comeram as montanhas.
Refazemos os c�lculos, acrescentamos novos entendimentos, ouvimos o Chomsky, calibramos a mira, soltamos o Janones. Com o Galo � pior: n�o h� qualquer matem�tica poss�vel, apenas o mist�rio insond�vel. Tudo que se mira � um tiro no escuro. S� sei que nada sei, bem disse o l�der da Democracia Corintiana. Estamos no mato sem Janones.
Com a cabe�a, como disse, ocupada pela peleja maior, aquela do dia 30, s� encontro respostas no karma da situa��o. Tem muito apoiador do fascismo no Galo, essa � a verdade. Quero dizer, tem muito fascista no Galo. “Mecenas”, executivo, jogador, ex-jogador. “Quem n�o quer ser comparado com nazista”, escreveram os Judeus Pela Democracia, “n�o se fantasia de nazista”. Ou: se tem dez fascistas sentados � mesa, e voc� se senta com eles, ent�o h� 11 fascistas sentados � mesa.
Sim, voc� dir�, essa praga grassa para todo lado, em todos os clubes, o que mais se tem � Felipe Melo, Neymar, Mariano, o c�rebro inversamente proporcional �s panturrilhas. Mas o Atl�tico, amigo, � o time do Reinaldo. Entre os nossos trof�us, o punho cerrado do Rei brilha no mais alto pedestal. Fomos um clube perseguido pela ditadura, roubaram nossa Libertadores e nosso Mundial, cassaram nosso maior �dolo, comemos o p�o que a CBF amassou. Jo�o Leite e Paulo Isidoro j� se esqueceram, mas o Galo tem lado: n�o sentamos � mesa com nazistas.
Hoje tem Atl�tico e Flamengo. E este s� se tornou o cl�ssico que � porque houve um tempo em que, de um lado, tinha um Rei erguendo o punho cerrado nas barbas dos generais. E do outro, tinha o time oficial – o Real Madrid de Franco, o Bologna de Mussolini. A vit�ria, hoje, na casa do advers�rio, ser�, simbolicamente, o pren�ncio do dia 30. Vamo, Gal�o! Fascistas n�o passar�o!