
Ando a sonhar com a aliena��o ampla, geral e irrestrita, aquela condi��o do incauto que n�o sabe bulhufas sobre alhos nem bugalhos, e sequer est� apto a se orgulhar de sua ignor�ncia ou de alguma suposta sabedoria a respeito de coisas aleat�rias da vida. Acordaria, um dia, como Gregor Samsa – metamorfoseado em outro ser, depois de acordado de sonhos intranquilos.
Acordado, digo, dormindo. Como aquele paspalho que n�o viu o que estava acontecendo bem embaixo de seu nariz. Como um certo pobre de direita, tadinho, barata votando no inseticida, mas sem drama de consci�ncia – visto que, se h� alguma, ela dorme em sua cabe�a como a m�mia na pir�mide. Burro mas feliz. Trouxa mas tudo bem, � vida que segue. E de todas as coisas da vida, que ela siga em frente � sem d�vida a mais priorit�ria.
Nesse estado de entorpecimento, o atleticano alienado n�o teria qualquer opini�o sobre a SAF. Melhor: SAF??? No momento em que se tentasse explicar o que vem a ser o enrosco e suas consequ�ncias, a cabe�a do atleticano alienado estaria viajando por outras paragens: em sua mente poderia surgir, por exemplo, o Willy Gonzer a narrar o gol de Dinho, “o homem-cora��o, Dinho, o homem-for�a, Dinho, todo entrega, todo generosa luta” – a maneira mais linda de se dizer que um perna-de-pau havia feito um gol hist�rico, um gol de Reinaldo. O que � uma SAF perto disso?
Quando a gente era menino, o Galo tamb�m era uma bagun�a. Havia d�vidas impag�veis, o clube tamb�m servia a poderosos sem escr�pulos, o futuro tamb�m era incerto e sempre houve os cabe�as-de-bagre. Mas, em nossa inoc�ncia mais juvenil, ainda que n�o soub�ssemos, est�vamos sempre a apertar o bot�o do Foda-se.
A cabe�a s� se ocupava da tabela do Brasileir�o e da festa no est�dio, as bandeiras, os foguetes, o papel higi�nico transformado em serpentinas gigantes – e o que mais poderia importar sen�o esse del�rio de paix�o e f�, picol� e amendoim torrado? Como cantou o Erasmo sobre ser crian�a: “Eu era um homem e entendia tudo”. A� voc� vira adulto e... “por dentro com a alma atarantada, eu sou uma crian�a, n�o entendo nada”.
� a maldita da consci�ncia que a gente ganha no caminhar da vida, que agora proponho extirpar como um v�rus para o qual n�o h� vacina, a n�o ser tornar-se um antivax, o que � meio caminho andando em dire��o ao paspalho que se almeja.
Entre os heter�nimos de Fernando Pessoa, sempre preferi o Alberto Caeiro, com sua suposta simplicidade de guardador de rebanhos. “O que eu penso do mundo? Sei l� o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso.” Ou esta: “O mist�rio das coisas? Sei l� o que � mist�rio! O �nico mist�rio � haver quem pense no mist�rio”. Ou, ainda, esta outra: “O �nico sentido �ntimo das coisas � elas n�o terem sentido �ntimo nenhum”.
O momento do Galo nos imp�e essa dana��o: como seguir esse torcedor cegamente apaixonado sem sentir-se um corno manso, com uma galhada de quase dois bilh�es de reais aboletados sobre a carca�a craniana? Sugiro, pois, um mergulho em Alberto Caeiro. Prescrevo um m�s sem Jornal Nacional. Um m�s sem jornal, sem TV. S� v�deo de gato na internet, as p�ginas de carros antigos, os Reels de acidentes de tr�nsito e pastores alem�es.
Deixe-se levar pelos encantos de Hulk e Paulinho. Acredite no Felip�o como o pobre de direita acreditou no Paulo Guedes. Vista a camisa listrada e saia por a�, sem dar-se conta de tanta conta, de tanto n�mero sinistro. Se h� um golpe em curso, pense como aquele paspalho em 1964: “Certeza que eles v�o convocar elei��es daqui tr�s meses. Viva a democracia! Minha bandeira jamais ser� vermelha!”.
Se algu�m vier falar da SAF e de seus problemas, fa�a como aquele policial adepto da tortura ao receber longa explica��o sobre cidadania e Direitos Humanos, com argumentos que n�o poderia refutar: “Pare! Eu n�o quero ter raz�o, eu quero ser feliz!”, disse ele enquanto se preparava para mais uma sess�o no pau-de-arara.