
A partir de amanh�, 27 de agosto de 2023, vamos cantar de galo em outro terreiro. Fecham-se as cortinas do velho Mineir�o, onde perdemos e ganhamos, sofremos e acreditamos – mas, sobretudo, o endere�o onde fomos t�o felizes juntos, pretos e brancos, ricos e pobres, todos e todas v�timas dessa incur�vel galoucura. De agora em diante, vestiremos nossa camisa de for�a em novo hosp�cio. Deus que nos proteja! E da fervura dos advers�rios naquele incr�vel caldeir�o, que cuide o Satan�s.
Em nome da sa�de financeira do nosso Galo, botamos � venda a nossa alma. Primeiro abra�amos o s�cio-torcedor como uma t�bua de salva��o. Depois assistimos, resignados, que a Sele��o do Povo expulsasse do est�dio o seu pov�o. Deixamos que queimassem o tropeiro e o bolinho de feij�o. Permitimos que o nosso manto sagrado exigisse o sacrif�cio de 400 golpes no or�amento do trabalhador. Por fim, passamos no cobre o pr�prio Atl�tico – incluindo o novo hosp�cio, um hosp�cio gourmet.
Sem drama. A bem da verdade, s� o atleticano morto por dentro n�o vai se acabar de chorar, amanh�, quando ver a “arena” tomada pela Massa. Uma Massa cheirosa, como disse a Eliane Catanhede por ocasi�o de uma conven��o de tucanos no passado long�nquo. Galos emplumados, v� l�, mas tudo Galo doido, gente como a gente.
Em todo caso, ocorre a alguns velhos adeptos, este colunista incluso, uma pequena por�m enorme travessura. Uma revanche a esse estado de coisas capitalista, esse Atl�tico com raio gourmetizador. Ou, ainda, um gesto de resist�ncia – o punho cerrado do Rei a erguer-se contra a mercantiliza��o da alma. Que vendam a m�e na pr�xima janela! Mas que seja inegoci�vel a atleticanidade, digamos, raiz.
Pois bem, trata-se de rebatizar a “Arena MRV” por nome mais adequado, algo que invoque for�as transcendentais – sempre necess�rias �queles que n�o podem contar com um Wright ou Arag�o –, e ao mesmo tempo se localize ao r�s-do-ch�o, onde caminha o atleticano simples e trabalhador. Foi o ator Daniel de Oliveira quem me ligou um dia com o apodo perfeito para a nova casa: Terreiro do Galo, naturalmente aumentado para Terreir�o do Galo.
Soou para mim como m�sica – uma m�sica da Galoucura, acrescida daquele agog� que tem o ijex�, a invocar todos os orix�s do povo preto. Omolu, Ogum, Oxum, Oxumar�, todo o pessoal, manda descer pra ver o Galo jogar. Ians�, Iemanj�, chama Xang�, Oxossi tamb�m, manda descer pra ver Paulinho, Hulk e Pavon. Eita, que vai ser dif�cil encarar.
O terreiro que guarda segredos nunca descobertos, caminhos de formigas levando folhas n�o se sabe para qual buraco. O terreiro de pedras que ali chegaram n�o se sabe como, talvez nos tempos em que as montanhas de Minas eram o fundo do mar. O terreiro com goiabeiras e p�s de rom�, besouros e ameixas, cachorros e velhos jabutis.
O terreiro da casa da minha av� em Arax�, de onde retirei uma enorme pedra, largada ali por anos a fio, guardi� dos Paiva. “A pedra que sonha”, disse a minha irm� quando contei a ela que a pedra do terreiro da vov� estava comigo na Bahia, sua �ltima morada. A pedra em forma de glande. A �nica glande verdadeiramente imbrox�vel dos Paiva. Devemos � sua for�a oculta, quem sabe, o crescimento da fam�lia.
Em suma, o Terreir�o tem o poder de invocar as for�as do al�m e a ancestralidade dos nossos velhos quintais, mem�rias afetivas que se confundem com aquele radinho de onde ecoavam os gols do Trio Maldito, de Dario, de �der e Reinaldo.
O superlativo �O, famoso “plus a mais”, faria justa homenagem ao velho Mineir�o, em nome de todos os est�dios do mundo sepultados sobre o m�rmore cafona das novas “arenas”. O �O do Terreir�o � o geraldino do Maracan�, � a Fonte Nova amando a eleg�ncia sutil de Bob�. � o Est�dio Ol�mpico. � o Ipating�o vendo o Galo meter o 6 a 1 eterno no Flamengo, com Mexerica e tudo.
Por esse conjunto de qualidades, o Terreir�o do Galo imp�e-se como o nome perfeito e incontorn�vel. Joga para escanteio a cafonalha da “Arena”, e assim cerra fileiras contra o futebol moderno, avisando a todo e qualquer investidor que a nossa paix�o n�o est� na g�ndola do mercado.
Por fim, o Terreir�o do Galo promove a demoli��o da MRV, afinal nada mais justo, visto que o naming right que foi pago vai voltar para o caixa de quem comprou. Em seu lugar, ergue-se o portentoso “Galo”, o rei do terreiro.
Fica, ent�o, sacramentado: amanh� nasce morta a Arena MRV. Bem-vindos todos ao Terreir�o do Galo!