
Quando se trata de clube e torcida gigantes como o Cruzeiro, mesmo no desespero moment�neo, no fundo, nos falta muito pouco para sairmos desse estado de letargia, dessa sensa��o semanal de espera sem fim por um sinal de recupera��o. Por isso, matutei e lasco um palpite: o que nos falta � encontrar o nosso n�mero 10 e seguir uma receita de resili�ncia a qual que dei o nome de “Daniela”.
Essa po��o m�gica, meio maluca, me veio � cabe�a no domingo passado, sentado no cinema � espera do an�ncio dos filmes vencedores da edi��o n�mero 10 do Cinefoot, o maior festival de cinema de futebol das Am�ricas.
Enquanto o evento n�o se iniciava, lancei-me � dif�cil miss�o de entender como, no dia anterior, o Cruzeiro deixou de vencer o Palmeiras do Manobol. T�nhamos jogadores agudos e r�pidos, e verdadeiras avenidas nas laterais do time paulista, mas nos faltou um 10. Um ponta de lan�a, porque ponteiros velozes e dribladores n�o foram feitos para carregar a bola no meio campo, mas, sim, para serem lan�ados no contrap� dos marcadores.
Abandonei o racioc�nio t�tico-corneta quando uma menina guerreira de cabelos ruivos soltou a voz para iniciar a solenidade. Pouco antes, com os olhos marejados de saudade, ela havia relembrado o ritual dos jogos do Cruzeiro na casa de sua Vov� Ivone, uma cruzeirense apaixonada pelas cinco estrelas. Bastava iniciar a transmiss�o da TV para que a vov� fugisse da sala. N�o assistia aos jogos, s� se permitia escut�-los pelo r�dio.
Aos primeiros gritos do locutor, Vov� Ivone corria pela ponta direita do alpendre. Centralizava pelo corredor at� fazer um corta-luz, lan�ando-se pela cozinha. Tudo sob o atento olhar da netinha Daniela, vidrada no rito encantado da v� cabulosa.
Gol do Cruzeiro! Enquanto uns vibravam com o replay pela TV, longe dali, colada ao r�dio, Vov� Ivone lan�ava sua canequinha ao ch�o. O tilintar do metal no assoalho era seu grito de gol.
Foi assim at� o dia em que caiu doente, em estado de coma. N�o havia esperan�a de um sinal de recupera��o. Mas a netinha Daniela fez como a torcida do time de sua Vov� Ivone. Foi ao CTI todos os dias. Sentava ao lado do leito, como quem senta na arquibancada do Mineir�o. Sonhava um dia chegar e encontrar a av� com os olhos abertos. Criou seu ritual. Sabia por onde a alegria pelo Cruzeiro deveria invadir o corpo e a alma de sua av� e, escondida das enfermeiras, Daniela colocava seu telefone bem coladinho ao ouvido da Vov� Ivone e fazia tocar o hino cruzeirense.

Assim como seremos nessa semana de pr� jogo contra o Flamengo, naquele tempo Daniela foi resiliente e, num certo dia, Vov� Ivone, ao som do “existe um grande clube na cidade”, abriu os olhos e deu � netinha o gol mais bonito de sua vida: um sorriso.
Revivi essa hist�ria quando a pr�pria Daniela, na sala de cinema, anunciou: Azul Escuro, do Coletivo 1921, era o grande vencedor do Cinefoot. Logo um filme sobre Seu L�cio, o cruzeirense cego que vive na Amaz�nia. Um personagem que, como Vov� Ivone, s� acompanha o Cruzeiro pelos sons.

Deixamos o cinema com ta�a, l�grimas e a linda hist�ria da netinha de cabelos ruivos. No caminho, voltamos � vida real, � espera por um sinal de recupera��o do estado de coma em que se encontra o nosso escrete no Brasileir�o.
Voltamos a pensar na falta de um camisa 10 dos lan�amentos em profundidade, dos rumos imprevis�veis, da sequ�ncia de jogada em dire��o � meta advers�ria, do inesper�vel nascedouro de gols incr�veis. A figura do maestro.
Quando Rog�rio Ceni perceber� a falta desse regente para realmente aproveitar o potencial de explos�o de Pedro Rocha e David? Hoje, no elenco abalado do Cruzeiro, s� temos um jogador com caracter�sticas para tal. Gostemos ou n�o, esteja ele fora de forma ou n�o, esse poss�vel maestro � Robinho.
Se a fun��o t�tica do 10 ir� para ele, depender� do comandante. J� n�s, torcedores, nos manteremos resilientes como Daniela. Aguardando a peleja do pr�ximo s�bado cantando, pra n�s mesmos, o nosso hino de amor �s cinco estrelas. Pacientemente, esperando que ap�s o embate contra o Flamengo nos retornem sorriso e brilho nos olhos, enchendo nossos cora��es incrivelmente apaixonados pelo Cruzeiro como era o da Vov� Ivone.