
“Depois da vergonha e da frustra��o da Copa do Mundo, nenhum acontecimento teve a import�ncia e a transcend�ncia da vit�ria de anteontem. Por outro lado, n�o foi s� a beleza da partida, ou seu dramatismo incompar�vel. � preciso destacar o nobre feito �pico que torna inesquec�vel o feito do Cruzeiro. N�o tenhamos medo de fazer a s�bria justi�a: a� est�, repito, o maior time do mundo”.
Na pregui�osa manh� daquela sexta-feira, 9 de dezembro de 1966, o Jornal dos Sports estampou essa ode � Academia Celeste, assinada por Nelson Rodrigues, o maior cronista brasileiro de todos os tempos. O escrete m�gico, montado por um dirigente italiano de nome Fel�cio Brandi, havia colocado de joelhos o Santos, de Pel�, conquistando a Ta�a Brasil. Naquele dia, apresentou ao pa�s algo desconhecido at� ent�o: o futebol mineiro.
Foi apenas um dos feitos de Fel�cio, contempor�neo de uma gera��o de palestrinos e cruzeirenses, como seus amigos da Fam�lia Fantoni, que jamais se colocava acima do clube ou da torcida. Nessa toada, ele honrou e ampliou – exponencialmente – o legado de seus antecessores.
Ao Cruzeiro, tudo. Do Cruzeiro, nada. �s v�speras das partidas, era corriqueiro testemunhar Fel�cio assinando um cheque de sua f�brica para comprar centenas de ingressos. Entregava-os aos oper�rios e torcedores mais humildes, como um treinador distribui as camisas aos jogadores titulares.
Por amor e exemplo, ele convocava conselheiros do clube a fazerem o mesmo. Assim, aos domingos, a geral e as arquibancadas do Mineir�o se pintavam de azul e branco, com a torcida dos trabalhadores e oper�rios.
Se os palestrinos deram ao povo um time; Fel�cio fez do povo o time do Cruzeiro. Anteontem, a Toca da Raposa I ganhou o nome oficial de seu criador: Centro de Forma��o Fel�cio Brandi. Guardado sob o olhar do busto do ex-presidente aos p�s da escadaria constru�da por ele mesmo. O dia entraria para a hist�ria do Cruzeiro apenas como sendo de festa e justi�a, n�o fosse uma trama que iria ocorrer horas depois no Barro Preto.
O enredo de trai��es, vaidades, omiss�es, covardias e tramoias para a elei��o do novo presidente do Conselho Paquiderme Deliberativo transformou-se num tapa na cara do torcedor. Um escarro no legado de gente como Fel�cio Brandi.
Foi como uma bi�psia comprovando o quanto ainda est� vivo o c�ncer da gest�o Wagner Nonato Pires Machado de S�, assim como dos grupelhos das diretorias anteriores e de fam�lias que h� d�cadas sugam o corpo apodrecido do Cruzeiro.
N�o se tem aqui qualquer defesa a outro candidato ou corrente pol�tica. H�, sim, um desabafo sobre como nada mudou e tampouco se alternar� nos pr�ximos anos. O CNPJ do time fundado para ser de todas e todos continuar� sendo o curral ou a mesa de carteado de gente que assinalou “n�o ter visto nada de irregular” na gest�o dos canalhas de 2018/2019.
A elei��o dos Amigos de Wagner e Itair (homologada por seus velhos e novos c�mplices) se deu gra�as ao arcaico sistema de castas, em que um paquiderme benem�rito ou nato vale cinco, seis vezes mais do que um efetivo comum. Em que s�cios, s�cios-torcedores e n�s, torcedores da geral e da arquibancada, que sustentamos essa m�quina sangrada, somos os fiadores desse zool�gico.
Esse mesmo sistema de castas higienista, que de forma omissa e sapat�nis, foi mantido na proposta do “novo (sic), moderno (sic) e democr�tico (sic)” estatuto. Admito. Aos poucos, vou perdendo as for�as at� para ter �dio. Com rela��o a cada um dos personagens desse dia macabro da elei��o do novo presidente do Conselho Paquiderme Deliberativo, seja ele omisso, conivente, covarde ou c�mplice, o meu sentimento � de tristeza pela pobreza de car�ter.
Se hoje Nelson Rodrigues estivesse a rabiscar uma cr�nica sobre o atual Cruzeiro, certamente, escreveria: “Se o busto de Fel�cio Brandi pudesse, estaria chorando”.