
Numa guerra, a paz depende de um gesto. De um lado ou de outro. N�o importa de onde vem a m�o estendida ou a bandeira branca, mas, certamente, sem a iniciativa de estend�-las, jamais se chega a um entendimento ou ao fim da barb�rie.
Ainda assim, existe um canal poss�vel para demov�-los da batalha. Ele pode vir de um terceiro elemento, alheio ao campo da guerra, mas ciente do quanto ela � capaz de gerar estilha�o, ferindo inocentes ou mesmo criando rupturas t�o profundas o ponto de o campo em disputa se despeda�ar – sob os nossos p�s – de tal forma, que, mesmo se houver um vencedor, quando os ataques cessarem, ser� tarde demais. N�o restar� um palmo de terra em condi��es de ser recuperada.
Nos �ltimos anos, o Cruzeiro tem sido essa terra arrasada. Cen�rio de trai��es, crimes, sabotagens, vaidades pessoais, vingan�as e �dio. Em que �dolos, t�tulos, gritos de gol e abra�os nas arquibancadas n�o ocupam mais o espa�o das resenhas (discuss�es filos�ficas do mundo da bola). Nelas, os termos policialescos tomaram assento.
No dia 20 de janeiro deste ano, escrevi:
“A hombridade em estender a m�o sem rancor ou desejo de vingan�a. A dignidade em pedir ajuda, se despindo de vaidade ou prepot�ncia. S�o dois atos distintos e complementares vindos do ber�o cruzeirense. Oriundi do car�ter palestrino. Deveriam ser praticados por todos os dirigentes, ex-dirigentes (os n�o bandidos), conselheiros (os n�o paquidermes) e torcedores influentes nesse instante de sangramento do �nico grande clube de Belo Horizonte nascido do desejo popular. A essas pessoas, dedico a hist�ria de um humilde sapateiro, que um dia estendeu a m�o a um garoto e, sem imaginar, abriu o caminho para forjar a paix�o cruzeirense de dois �cones de nossa hist�ria.”
Naquela cr�nica, contei a hist�ria de Ant�nio Tropia, um sapateiro que, al�m de apaixonado pelo Palestra Italia, fazia quest�o de levar para assistir aos jogos crian�as (como o lend�rio e maior cronista/escritor da hist�ria do Cruzeiro, Pl�nio Barreto) sem condi��es de pagarem ingressos. Fazia isso para aumentar a sua torcida e, ao mesmo tempo, auxiliar o pobre clube da comunidade italiana e dos oper�rios a ter recursos para vencer as dificuldades.
De l� para c�, infelizmente, a guerra fria j� instaurada no in�cio deste ano, que nas entrelinhas e educadamente, eu tentava expor ao rid�culo de sua exist�ncia, provocando seus atores para que se posicionassem, acabou explodindo. E hoje o Cruzeiro est� perto de ser mesmo aquela terra arrasada de onde n�o restar� um palmo em condi��es de se reflorestar um novo tempo.
Ontem, 22 de junho de 2021, completaram-se 24 anos do eterno recorde de p�blico do Mineir�o: 132.834 torcedoras e torcedores no Cruzeiro e Villa Nova. O Cruzeiro � o �nico clube do mundo em que uma de suas maiores conquistas n�o veio dos jogadores, mas, sim, da uni�o de sua torcida.
Amanh�, enfrentaremos o Vasco pela S�rie B, 47 anos depois de as duas agremia��es terem disputado a final do Campeonato Brasileiro em 1974, quando n�s, cruzeirenses, assistimos ao maior esc�ndalo da hist�ria do futebol brasileiro. Ali, tamb�m �ramos um �nico choro de revolta pelo roubo de Armando Marques e dos militares da Confedera��o Brasileira de Desportos (CBD).
Seja na lembran�a da dor do assalto de 1974 ou na mem�ria da honra do eterno t�tulo das arquibancadas de 1997, nesse instante, n�o importa a motiva��o para pensarmos exclusivamente no Cruzeiro. Fica mais uma vez a s�plica pelo fim do egocentrismo e da vingan�a. Mais do que gols, o momento pede a humildade das m�os estendidas e entrela�adas.