
Manh� de um domingo ensolarado e pregui�oso. No� vai � janela, na parte alta do Bairro Colina. Escuta o estampido de fogos de artif�cio vindo da beira do Ribeir�o do Carmo. N�o era dia santo. Nem de pol�tico inaugurar obra superfaturada, como � praxe ao longo da hist�ria da nossa cidade, Mariana. Seria o Cruzeiro? N�o. Ele andava mal das pernas e o jogo s� ocorreria ao final da tarde. Mas logo ele percebeu o motivo. Balan�ou a cabe�a com orgulho. Sorriu para a brisa a levar os �ltimos resqu�cios de fuma�a. Sussurrou para si: “� gol do filho do Ad�ozinho”.
S� mesmo boleiros s�o capazes de fazer tal conex�o improv�vel. No�, um dos maiores craques do time da Juma e do futebol marianense, � pai de Wendel, ex-volante do Cruzeiro. J� Ad�o, no seu acanhado armarinho “tem tudo”, ao soltar os roj�es comemorava mais um gol do seu rebento, o menino Jhosefer, promessa do Sub-17 do time estrelado.
O destino tamb�m fez cruzar os filhos de No� e Ad�o. Ao assumir o comando do Sub- 14 do Cruzeiro, em 2020, Wendel chegou � Toca da Raposa e logo soube da presen�a, no Sub-17, de um conterr�neo seu. Ouviu maravilhas sobre o atacante ponteiro. Curioso, foi at� a beira do gramado para v�-lo treinar. Chamou-lhe a aten��o – mais at� que a habilidade do garoto – a forma respeitosa com a qual ele ouvia as orienta��es do treinador e procurava execut�-las com afinco.
O treino findou. Wendel manteve seu olhar sobre o conterr�neo. O sorriso largo e a simpatia de Jhosefer para com os companheiros fizeram o ex-volante lembrar dos seus primeiros passos no Time do Povo Mineiro, quando ouvia os conselhos do experiente Maldonado e do t�cnico Luxemburgo. Ali, teve a convic��o de que, no Cruzeiro ou em outro clube qualquer, aquele moleque da sua Mariana, ex-morador das redondezas da Colina como ele, vingaria no futebol profissional.
Dias depois, os dois se encontraram. Jhosefer continuou a esbanjar respeito. Cumprimentou Wendel, que logo lhe disse: “Muito bom ter um gaveteiro aqui como eu”. O garoto, com 16 anos, estranhou, pois n�o conhecia o apelido dado a quem nasce em Mariana.
N�o demorou, novo encontro. Jhosefer foi at� Wendel e lhe respondeu, sorrindo: “Agora eu sei o que � gaveteiro”. Dali por diante, na Toca, eles passaram a se cumprimentar por esse apelido ou mesmo por “Mariana”.
Domingo passado, ao fim da peleja contra o Pouso Alegre, derramando alegria por estrear com o manto sagrado no profissional, aos 18 anos, Jhosefer fez quest�o de dizer ao rep�rter: “Sou natural de Mariana, Minas Gerais”. Os foguetes n�o estouraram �s margens do Ribeir�o do Carmo porque Ad�o estava no Mineir�o para aplaudir o filho – seu e da nossa Mariana.
O primeiro marianense a vestir o manto sagrado foi William, zagueiro do maior Cruzeiro de todos os tempos. Sagrou-se campe�o da Ta�a Brasil de 1966. Wendel chegou ao clube aos 12 anos, depois de ser craque no Guarany (clube do qual tenho a honra de ser o pior lateral esquerdo da hist�ria). O filho de No� foi campe�o brasileiro de 2003. J� Jhosefer � ainda uma promessa, mas conseguiu nos encher de orgulho e esperan�a.
Eu n�o amo o Cruzeiro, verdade seja dita. Amar pressup�e calmaria, sentimento linear e uma paz modorrenta. Na verdade, tenho por ele paix�o. Um sentimento avassalador, incontrol�vel e cheio de rompantes. S� consigo sentir o mesmo pela minha Mariana, primeira cidade de Minas Gerais, a mais cruzeirense de todas. Justamente por Jhosefer, Wendel e William unirem essas duas paix�es, esse gaveteiro que vos escreve agradece com o cora��o em festa.
(*) Dedico essa cr�nica aos meus amigos de Mariana: Tate “Gaveteiro Azul”, Rodrigo Gargamel, Papai Jairo Antunes, o g�nio da bola Cleyton (maior jogador que vi atuar em toda a minha vida), Ana Gabriela “Furac�o Loiro” Scarpelli, F�bio J�lio, o saudoso Marquito, Vanderlei Machado, Jo�o do Circovolante, Ricardo Manso, Cristiano Casimiro, Geisa Pastor (a cruzeirense das bochechas vermelhas e o eterno sorriso doce), Ronaldo Bicalho (o primeiro gaveteiro da M�fia Azul) e o meu irm�o Bernardo “Di Vanderlei” Campomizzi.