Eloisa Elena
atriz, produtora e dramaturga
Acabou o g�s. Justo agora, podia ter terminado de fazer o caf�. Logo cedo. O que fa�o? J� tinha colocado o a��car, seis colheres cheias, n�o posso desperdi�ar.
Chego na porta, o quintal t� vazio. Ningu�m apareceu ainda do lado de fora.
Penso. Preciso pensar r�pido. A �gua vai esfriar. N�o posso desperdi�ar o a��car.
Pego o vidro de �lcool que ganhei na cesta b�sica da igreja. Derrubo um pouco na latinha vazia de extrato de tomate, risco o f�sforo, ponho em cima o caneco da �gua, jogo r�pido as duas colheres de p� e fa�o um caf� morno. Lembro da minha v� quentando �gua
na latinha.
Sento na mesa da cozinha. A casa t� em sil�ncio. Os meninos dormem. Tomo o caf�, que j� t� quase frio. � melhor quando
dormem muito. Enquanto t�o dormindo
n�o querem comer.
Se fosse outro tempo, podia ver se alguma vizinha tinha g�s pra me emprestar. A Cida e a Jennyfer t�m dois botij�es. Mas, neste momento, nem tenho cara pra pedir – t�o desempregadas, as duas.
Aqui no quintal, quem t� trabalhando � o Romildo, porque a f�brica n�o fechou, e a Marivete, que n�o t� trabalhando, mas a patroa continua pagando. O resto...
Lembro que hoje � dia 17 e ainda faltam 13 dias pro m�s acabar. S� recebo o dinheiro da ajuda no outro m�s. Sei l� eu que dia. Seiscentos reais.
Sem g�s. Abro o arm�rio e vejo o que ainda tem da cesta b�sica. N�o � muita coisa. N�o adianta tentar trocar por botij�o, sen�o vou ter o g�s e n�o tenho o que cozinhar.
Penso no liquidificador, que quase n�o uso mesmo. A bicicleta velha das crian�as t� encostada na parede.
N�o, a bicicleta n�o. Vou dar outro jeito. Ver se fa�o alguma coisa e tento vender na esta��o. O que posso vender? N�o sou boa de artesanato, essas coisas n�o sei fazer. E, tamb�m, at� fazer e vender.... Sou boa de cozinha, bolo ia vender que nem �gua, mas n�o tenho g�s.
Ir na venda e ver se faz fiado? Antes era f�cil o fiado, mas agora ningu�m quer se arriscar.
Abro a porta da cozinha e olho o quintal. Preciso respirar. Ainda t� vazio. Uma b�n��o. Daqui a pouco, os meninos acordam e come�a a barulheira, o Z� Carlos senta na porta com a cerveja gritando no jogo de bola dos meninos, Rosete e Nalva come�am a brigar. A algu�m p�e um forr� ou um funk pra alegrar. Pronto, tudo parece que voltou ao normal. Daqui a pouco, pode ser um dia qualquer aqui no quintal. S�bado de anivers�rio, Natal, a vida seguindo.
S� por um tempinho, esque�o tudo e penso que � assim mesmo. � f�rias da escola, � dia de festa, � domingo sem trabalho, vai ter churrasco, refrigerante, briga.
Fecho a porta pra aproveitar o resto de sil�ncio.
A garrafa de caf� t� cheia. Tem um pouco de leite em p�.
Tem p�o, tem bolacha. Hoje todo mundo vai comer.
Tomo o �ltimo gole do caf� gelado. Hoje todo mundo vai comer.
