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Estado de Minas HIT

Com artif�cios, pe�a driblou o rigor da censura nos anos 1960

"A noite dos assassinos", do cubano Jos� Triana, foi acontecimento singular e original, segundo o diretor Paulo C�sar Bicalho


13/05/2022 04:00 - atualizado 12/05/2022 20:57

ilustração mostra pessoa com mão vermelha junto da boca

Paulo C�sar Bicalho
Diretor

Quando “A noite dos assassinos” foi encenada, em 1969, cinco anos ap�s o golpe civil-militar de 1964, a institucionaliza��o e radicaliza��o da ditadura se manifestaram pela emiss�o do AI-5, em dezembro do ano anterior — ele permitia a censura indiscriminada a todos os setores da sociedade e institucionalizava a pris�o e tortura de qualquer cidad�o, particularmente ativistas, pol�ticos, intelectuais e artistas.

Em suma, estava liberada a persegui��o a todos que se manifestassem contr�rios �s cren�as e opini�es do regime. O texto do autor cubano Jos� Triana (1931-2018), pouco conhecido na �poca, foi a sa�da encontrada por n�s para n�o chamar a aten��o da censura, que havia proibido v�rios autores que gostar�amos de encenar.

A pe�a mostrava tr�s irm�os reagindo ao patriarcado. Com o objetivo de associar suas experi�ncias dolorosas, suas cr�ticas e indigna��es �quelas causadas pela ditadura sustentada por machos militares, transformamos o espet�culo numa esp�cie de ritual realista. Um recurso para driblar a censura, como faziam diversos grupos de teatro da �poca, cada qual inventando sua sa�da. 

Num certo momento, por exemplo, acrescentamos uma cena ao roteiro de Triana: o irm�o entrava subitamente pela plateia carregando um galo. Subia at� o palco e ajoelhava-se numa mesa colocada junto ao prosc�nio, bem pr�xima do p�blico. Ap�s um momento de sil�ncio, o ator rasgava com uma faca o pesco�o do galo. 

O sangue esguichava na dire��o dos espectadores. As irm�s se aproximavam, molhavam os dedos no sangue e desenhavam, junto com o irm�o, nos pr�prios rostos, tra�os vermelhos que os acompanhavam at� o fim do espet�culo. Dessa forma, busc�vamos generalizar os personagens, tornando seus significados mais amplos — n�o se tratava apenas dos acontecimentos dolorosos de uma fam�lia patriarcal, mas tamb�m de algo cruel e sangrento que se alastrava no regime.

Os objetos do cen�rio eram usados de forma absurda, como se o universo tivesse degringolado e n�o houvesse mais limite, a sensa��o que perseguia o p�blico em geral diante dos acontecimentos tenebrosos. Em cena, o ator, por exemplo, sentava na cadeira com os p�s pra cima e a cabe�a virada para o ch�o. Al�m disso, na sala onde estavam os personagens acontecia de tudo que costuma ocorrer em outros ambientes, acompanhando um refr�o que cantavam aqui e ali: “A sala n�o � a sala, a casa n�o � a casa…”.

Durante o decorrer das cenas do espet�culo, os atores produziam sons e movimentos que sugeriam a��es que feriam os “bons costumes”, um dos pilares da melopeia dos agentes mais cru�is da ditadura. Os ru�dos e sacudidelas da irm� deitada numa mesa, agora colocada ao fundo, lembravam a masturba��o, enquanto o irm�o tentava se descrever de forma bem comportada como os var�es da sua tradicional fam�lia.

Quando um personagem tinha algo importante para tratar e desejava a aten��o dos irm�os, dirigia-se ao quadro de luz que fora montado no fundo da cena e modificava a ilumina��o, criando ambientes diferentes de acordo com sua a��o. �s vezes, surgiam luzes de refletores colocados no ch�o, noutros momentos o p�blico era iluminado como se estivesse fazendo parte da cena. O realismo, que poderia centralizar a percep��o do espectador em torno apenas de uma fam�lia particular, era sacudido.

Ao final, uma irm�, que se manifestara discretamente at� ent�o, arranca a blusa deixando os seios nus, e termina o espet�culo com a advert�ncia: “Agora � a minha vez!”. O p�blico, habituado com pe�as realistas, demorava um tempo para reagir. Mas logo a seguir surgiam risadas cont�nuas que mostravam seu envolvimento no espet�culo.

O interessante � que a busca disfar�ada de cr�ticas � ditadura, como ocorreu com outros espet�culos da �poca, tornou “A noite dos assassinos” um acontecimento t�o singular e original que, se fosse reconstru�do novamente hoje, teria, talvez, junto ao p�blico uma poderosa capacidade de provoca��o de significados renovados.

Principalmente quando temos no comando do pa�s uma pessoa de forma��o militar, machista, defensora da ditadura e ineficiente no combate � pandemia e � recupera��o econ�mica.

�S SEXTAS-FEIRAS, A COLUNA HIT PUBLICA A SE��O “TERCEIRO SINAL”, NA QUAL DIRETORES, ATORES E PRODUTORES ESCREVEM SOBRE PE�AS QUE FIZERAM SUCESSO ENTRE OS ANOS 1960 E 1990 E COMO SERIA A REA��O DO P�BLICO SE ELAS FOSSEM REMONTADAS.

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