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Estado de Minas DIVERSIDADE

O que pode uma crian�a gorda?

O n�o caber infantil que provoca traumas para uma vida toda


13/10/2021 07:27 - atualizado 13/10/2021 08:47

foto de família de uma criança com blusa branca e laço em frente a um muro
"Eu n�o sabia o que era ser gorda, mas, pensei que era algo ruim, afinal, limitava minha intera��o social e tamb�m meu lazer" (foto: Arquivo pessoal)

Eu descobri que era uma crian�a ‘gorda’ aos 4 anos de idade, ao ser impedida de brincar no p�tio da escolinha infantil que eu frequentava, na rua debaixo da minha casa. Foi r�pido assim: tentei me enturmar pra brincadeira, mas fui impedida e lembro da cena. Outras crian�as me apontando, rindo e gritando GORDA!

Eu n�o sabia o que era ser gorda, mas, pensei que era algo ruim, afinal, limitava minha intera��o social e tamb�m meu lazer. Hoje, sei que impedir uma crian�a de brincar por causa do corpo dela � algo t�o cruel que sequer consigo nomear e, olhando as fotos da inf�ncia, penso que eu ‘nem era t�o gorda assim’, se eu for comparar com meu corpo e meu peso hoje, mas, sei que esse sempre foi o principal marcador � frente da minha vida.

N�o importava mais nada: que eu fosse perif�rica, que eu fosse inteligente, que eu fosse genial, que eu fosse engra�ada, que eu fosse chorona. O que sempre chegou antes foi meu corpo. E era um corpo infantil, que s� queria existir e se divertir no mundo - n�o muito diferente de hoje tamb�m, reconhe�o.

Ontem foi o Dia das Crian�as e esse comportamento, de outras crian�as com idades entre 4 e 5 anos, me faz pensar de onde vem essa constru��o opressora e em como ela � estrutural desde a inf�ncia. Doeu aquele dia e ainda d�i lembrar.

E nunca mais tive uma vida que n�o fosse atravessada por esse sentimento - de rejei��o, inclusive - de ser um corpo marginalizado socialmente, que tinha que se esfor�ar mais do que os demais pra caber, pra ‘merecer’ a divers�o, pra gozar e ser feliz.

N�o tem uma foto, desde ent�o, que eu visite e veja como eu era uma crian�a feliz, mas tamb�m atravessada por essa sensa��o de inadequa��o. E, mais tarde, pelo sentimento e desejo de caber. Olho as imagens e penso em como eu n�o era, de longe, gorda, mas me sentia extremamente imensa. E n�o s�, como eu era pressionada a emagrecer.

Fiz a primeira dieta aos 11 anos. Com 1m65 e 66kg, eu achava que tinha que emagrecer. Eu era uma crian�a ativa, que fazia nata��o, andava de bicicleta e patins todos os dias, brincava na rua, n�o tinha internet ou computador e o m�ximo de sedentarismo que eu praticava era me sentar pra ler ou escrever. Mas, ouvia de todos que ‘se eu fosse mais magra, seria mais bonita’, que ‘eu tinha um rosto lindo, j� pensou se fosse magra?!’, que eu ‘estava ficando linda, mas deveria emagrecer, se quisesse namorar’.

"Nunca mais tive uma vida que n�o fosse atravessada por esse sentimento - de rejei��o, inclusive - de ser um corpo marginalizado socialmente"



E, claro, isso vinha acompanhado de v�rios outros coment�rios, sobre como ‘fulana � linda e t� emagrecendo’, ou ‘fulana � linda, magra, alta’. Os coment�rios da inadequa��o sempre foram o que moldaram a minha vida. Aos 12 anos, fiz um tratamento com endocrinologista. Minha m�e me levou. Meu pai me prometia um book de fotos aos 15 anos, mas s� se eu emagrecesse. O book nunca rolou, claro, afinal, eu nunca emagreci.

As promessas de felicidade para as pessoas que s�o gordas, caso emagre�am, s�o infinitas. Afinal, no imagin�rio, � imposs�vel algu�m ser gorde e feliz. Ent�o, � imprescind�vel que essas ofertas sejam feitas.

E elas s�o feitas cada vez mais cedo. N�o raro, vejo relatos e acontecimentos envolvendo outras crian�as que v�o nesta mesma linha. Crian�as impedidas de brincar por causa dos seus corpos, impedidas de comer, julgadas.

Dia desses, um influencer foi julgado por levar a filha numa rede de fast-food. A crian�a � gordinha. A chuva de coment�rios de que ele estaria estragando a vida dela por deix�-la ser gorda e lev�-la numa rede que vende lanches foi algo insuport�vel e ser visto. Numa caga��o de regra sobre a vida - e corpo - alheios que me causam ojeriza.

O mesmo n�o aconteceria, claro, se a crian�a fosse magra. Afinal, aos corpos magros, desde a inf�ncia, tudo � permitido. Lazer, divers�o, comida. Aos corpos, tudo � patrulhado.

"Converse com a sua crian�a, pra que se ela for uma crian�a padr�o, n�o seja a opressora, que desgra�a a vida das demais crian�as que n�o seguem a normatividade social"



E quero falar dessa patrulha. Voc� tem alguma crian�a em casa? Se tiver, tente n�o patrulhar os corpos delas. Tente n�o dizer que elas devem ser desde ou daquele tamanho. Tente promover - se for poss�vel, por quest�es financeiras - uma alimenta��o saud�vel pra sua crian�a, mas que n�o seja t�o dura. Que ela possa comer fast-food vez ou outra, num passeio. Que ela possa viver e ser crian�a.

Converse com a sua crian�a, pra que se ela for uma crian�a padr�o, n�o seja a opressora, que desgra�a a vida das demais crian�as que n�o seguem a normatividade social. E, se a sua crian�a for a crian�a gorda, n�o fa�a ela se sentir mais mal. N�o diga que ela precisa parar de comer. N�o atribua ao que ela come o tamanho do corpo dela. N�o diga que ela deve se adequar. N�o tente trocas desleais com ela: se voc� emagrecer, ter� isso.

N�o deixe que o valor dela seja definido pelo tamanho da cintura. N�o a leve em m�dicos que v�o querer dizer o quanto ela deve emagrecer ainda na inf�ncia/puberdade, quando ela est� em fase de crescimento, se exercitando, brincando e comendo normalmente como uma crian�a daquela idade.

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