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Estado de Minas ESPERAN�A

Ano novo, gordofobia velha

O futuro n�o � mais como era antigamente, s� a sua opress�o sobre nossos corpos que precisa mudar


29/12/2021 12:58 - atualizado 29/12/2021 14:05

Foto de Jéssica olhando para o horizonte ao pôr do sol
"Meu pedido, na virada do ano, enquanto agrade�o por estar viva, ser� para que parem, apenas parem, de dizer que pessoas gordas n�o s�o saud�veis" (foto: Jo�o Paulo Ferreira)


E � isso, terminando 2021, esse ano que foi tudo, menos convencional, me pego refletindo e analisando meu papelzinho de metas a curto e longo prazo, que tracei nas primeiras horas dele. Delas, somente comprar um t�nis novo para caminhar foi riscada a caneta. Viajar mais, conseguir guardar um dinheiro e fechar contratos de trabalho melhores seguem para serem reanotadas, ou n�o, na lista de 2022, acrescidos das muitas coisas que n�o fiz. 

A marca��o c�clica do tempo, acompanhada do balan�o inevit�vel e individual � o que marca uma parte do nosso la�o com o mundo. Mas, este ano acaba como se n�o tivesse come�ado. As parcas lembran�as se confundem entre um ano de 2020 que come�ou promissor e talvez, s� termine agora, o dobro de voltas ao sol depois. 
 

'como bem lembrou a escritora Natalia Timerman no in�cio da pandemia que mudou nossa rela��o com o tempo, evocando Renato Russo: 'o futuro n�o � mais como era antigamente'.'

 
E que import�ncia teria a minha lista se, quase 620 mil vidas perdidas depois de eu conseguir riscar apenas um item dela? Chego �s v�speras de um novo ano sem tanta esperan�a como costum�vamos ter antigamente - e como bem lembrou a escritora Natalia Timerman no in�cio da pandemia que mudou nossa rela��o com o tempo, evocando Renato Russo: “o futuro n�o � mais como era antigamente”. 

Temos hoje a urg�ncia do agora. E, para fazer jus ao tema desta minha coluna isso passa pelo corpo. N�o sabemos se � o fim de um ano, do mundo, ou como diria a banda Eva, da aventura humana na terra. Mas sabemos que precisamos viv�-lo em sua plenitude, intensidade.

Ainda sim, isso tem pouca import�ncia. N�o d� pra ser feliz com novas cepas de v�rus entre n�s, com not�cias de co-infec��o de Covid-19 + Influenza, com negacionistas que n�o s� se prejudicam, mas favorecem o surgimento de variantes que matam n�o s� nossos sonhos, mas nossas perspectivas de amanh�. Os encontros est�o amea�ados e n�o ter conseguido cumprir uma lista de coisas a fazer num pa�s que lida com enchentes em in�meras cidades, enquanto lida com um genocida no poder e pandemia (s), parece pouco. 
 

'As pessoas est�o morrendo: na m�o da pol�cia, da necropol�tica, de fome. Enquanto isso, me angustiar por n�o abra�ar todos amigos de uma vez pode parecer nada'

 
As pessoas est�o morrendo: na m�o da pol�cia, da necropol�tica, de fome. Enquanto isso, me angustiar por n�o abra�ar todos amigos de uma vez pode parecer nada. E esse comparativo me assusta toda vez que o fa�o. E minha lista de desejos fica menor. Mas, ainda sim, me parece �nfimo quando penso no n�mero assustador de pessoas gordas que se mataram durante esses 365, v�timas da gordofobia cotidiana. 

Fato � que a folha do calend�rio muda, mas, nada, desta vez, muda de fato. Por mais que coloquemos nossa melhor camiseta com frase de efeito, nossa roupa �ntima seja l� de que cor, vamos seguir. 


Mas, para al�m do espectro macro e das dores que sentimos com um ano t�o descontrolado e que colocou � prova todas as nossas certezas, longe de querer romantizar a pandemia, ser� que 2021 foi mesmo um ano t�o ruim no �mbito individual ou foi apenas o ano que aprendemos que n�o temos controle sobre absolutamente nada, inclusive sobre os nossos privil�gios?

Digo isso tamb�m do lugar de pessoa privilegiada que, j� no segundo ano da pandemia, teve crise de ansiedade vendo todos os planos daquele m�s - sem imaginar que seria por tanto tempo - ru�rem. 

No entanto, sugiro que usemos estes �ltimos momentos antes de saudar o novo ano para refletir. O que de fato vai mudar? J� sabemos que a pandemia segue, ent�o, al�m dela - que se mostra inflex�vel e persistente para nos acompanhar para 2022 - o que mais levamos para o primeiro ano da pr�xima d�cada? 

Estamos h� 100 anos da Semana de Arte Moderna de 22 e como pensar em revolucionar atrav�s da arte num cen�rio de guerra? Ali�s, ningu�m nunca nos contou que, durante per�odos hist�ricos, ainda sim, as pessoas trabalham, estudam, escrevem colunas e, s�o opressivas umas com as outras. Mesmo que o mundo - ou seus mundinhos - esteja acabando. 

Da minha parte, quero deixar os medos, a mania de controle, a falsa sensa��o de que podemos planejar qualquer coisa. A pandemia serviu para que eu revisse minhas prioridades e, entre elas, viver de uma forma menos enlouquecida talvez seja a meta n° 1 da lista de desejos para o pr�ximo ano. 

Meu outro desejo �, de fato, que eu possa existir. S� existir, sabe? Sem precisar ficar justificando isso o tempo todo. Mas, pra isso, eu precisaria da ajuda de voc�s e, por isso, t� lan�ando esse texto motivacional, que beira a autoajuda, para pedir: sejam menos gordof�bicos neste novo ano. 

E eu espero, de cora��o, que em 2022, voc�s parem de postar foto de antes e depois. Que entendam que tal pr�tica s� diz que um tipo de corpo � inadequado e que ele foi ajustado para entrar no padr�o t�o almejado. 

E aproveito para chamar a aten��o: se, em 2021, voc� esteve em p�nico por estar engordando, eu tenho que te dizer que voc� faz parte de um grupo privilegiad�ssimo da popula��o, j� que, neste mesmo ano, houve um aumento de tr�s milh�es de brasileiros vivendo em situa��o de inseguran�a alimentar grave, totalizando 19 milh�es de pessoas passando fome no nosso pa�s. 

E sim, pode parecer um contrassenso falar de gordofobia num pa�s em que as pessoas morrem de fome, mas � tamb�m pra gente repensar: 2021 foi um ano t�o ruim assim ou somos n�s que estamos habituados a ter tudo com imediatismo e na m�o e, diante da nossa impot�ncia frente a um (ou v�rios) v�rus invis�vel e mortal, tivemos que lidar com a falta de tantos privil�gios?

Meu pedido, na virada do ano, enquanto agrade�o por estar viva, ser� para que parem, apenas parem, de dizer que pessoas gordas n�o s�o saud�veis. Que parem de nos oprimir de forma patologizante. 

Vou pedir, tamb�m, pra que a gente se trate melhor, de forma menos violenta e com mais toler�ncia �s incoer�ncias, que s�o t�o parte da vida e do que somos. Que possamos conviver com as ambival�ncias que nos fazem humanos. 

Eu j� falei, no meu texto do Natal, sobre as piadinhas de fim de ano sobre comida, emagrecimento e corpos. E � isso. Usemos, pois, as piadas de carros voadores que imaginamos, para repensar que mundo queremos: um que exclua as pessoas sob o argumento de sa�de ou um que acolha todes? 

2022 dobrando a esquina e ainda temos que ler que marcas ‘n�o conseguem’ fazer roupas maiores nas suas grades, que lojas ‘n�o conseguem’ roupas bonitas das marcas que trabalham. 2022, gente! Se voc�s n�o conseguem isso, por que se for�am a acreditar que a pessoa consegue - e quer - mudar seu corpo para caber? Assumir que � gordof�bico � mais f�cil, n�o?

Deste ano, fica a certeza que fiz menos do que gostaria, mas mais do que esperaria num ano t�o inst�vel. E que bom. Espero que, em 2022, existir seja menos penoso e a�, talvez, a gente possa voltar a sonhar e imaginar futuros poss�veis pros nossos corpos e desejos. 

Seja bem-vindo, 2022: que possamos viver o hoje sabendo que s� temos ele. 

Feliz Ano Novo! 

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