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Estado de Minas FELICIDADE A QUALQUER CUSTO?

� sobre isso e n�o t� tudo bem!

E se a gente se permitir ficar triste, descumprir prazos e abra�ar nossas vulnerabilidades?


16/03/2022 12:57 - atualizado 16/03/2022 16:15

balão azul com cara de tristeza
(foto: Pixabay)

A frase “� sobre isso e t� tudo bem” virou um bord�o nos �ltimos tempos e j� soma um uso desgastado, justificando as mais diferentes situa��es, como quem avaliza: 

A grande quest�o �: podemos ficar tristes. 

Mas, ser� que podemos mesmo? 

Eu t� triste e n�o � novidade para ningu�m nessa coluna. Escrevi sobre isso h� alguns dias

Meu analista morreu no mesmo dia que minha melhor amiga da faculdade. Completamos dois anos inteiros numa pandemia que j� fez mais de 650 mil mortes s� no Brasil - entre elas, pessoas querid�ssimas que n�o est�o mais aqui. Existe um luto coletivo: pelas mortes, pela vida que perdemos, pelo pa�s. E existe o individual. 

Exigir que eu esteja feliz - ou extremamente criativa e produtiva, neste momento, beira a viol�ncia. No entanto, entendo que, logo eu, que sempre preferi a raiva do que a tristeza, desestabilizo a ‘ordem natural das coisas’ quando anuncio que estou triste. E eu t� muito triste. 

� diferente de eu estar numa depress�o ou melancolia profunda. Eu t� triste e � dif�cil fazer o que precisa ser feito. E o que precisa ser feito �: me manter minimamente organizada dentro de uma rotina que inclui me cuidar, cuidar de quem eu cuido, trabalhar, cumprir prazos, estabelecer metas e, minimamente, funcionar. 

O luto e a tristeza trazem uma desconfigura��o. De repente, muito abruptamente, a vida fica diferente. E n�o s� porque o que era uma presen�a vira uma aus�ncia e temos que lidar com isso, mas porque a gente se perde da gente. 

Eu sigo, de alguma forma. Eu dou risada - at� perder o f�lego - eu sigo tendo meus sonhos, eu brinco com meus pets, tiro fotos com meu cachorro, tomo cerveja, cozinho, encontro com amigos e amigas - e agrade�o imensamente a acolhida di�ria, t�o importante - e choro. 

Mas tamb�m estou limpando a casa e caio no choro. Estou escrevendo um texto, como este, e choro do nada. Estou numa reuni�o e sou atravessada por uma lembran�a: seguro o choro. Estou no tr�nsito, vejo algo e caio no choro. Choro tomando banho, arrumando a cama, levando o cachorro para xixi, escrevendo esse texto, escutando um funk, vendo um meme - e impossibilitada de compartilhar. Quando acordo e lembro que a pessoa n�o existe mais no mesmo mundo que eu. 

� um looping cansativo, porque revela a instabilidade, escancara a dor, desmascara os recalques, evidencia os desejos e n�o tem rem�dio. N�o existe droga ou simpatia que sejam suficientes, e devo dizer que j� tentei derivados da cannabis, psican�lise de abordagem lacaniana, umbanda, medita��o, acupuntura, massoterapia, yoga, literatura, tantra, vodca pura, �gua saborizada, chocolate, masturba��o, caixinha de pergunta nos stories, sadomasoquismo, app de relacionamento, faxina no box do banheiro com escova de dente. Nada funciona. 

A dor afrouxa, mas, em intervalos irregulares, voltar e me sufocar, com toda for�a e pot�ncia. 

Um tu�te compartilhado quase 10 mil vezes saltou na minha timeline e deu conta de explicar exatamente o que � estar triste, neste momento. Escrito por uma mo�a que se apresenta como Maria, ele diz: “o pior dia do luto n�o vai ser o enterro, nem a missa de s�timo dia, ou a de primeiro anivers�rio. O pior dia do luto � um dia normal, que voc� t� seguindo sua vida, e acontece algo besta e voc� pensa em contar pr´aquela pessoa e � esmagado pela dor insana da realidade”. 

E quem � que nunca se sentiu esmagada pela realidade? Por isso, � importante dizer: � sobre isso e n�o t� nada bem. 

A gente precisa enfrentar que, em alguns momentos, n�o vai estar bem. Nem a vida, nem a gente. Inclusive, a vida vem, de formas nada gentis e esfrega na nossa cara que n�o temos o controle de nada. Absolutamente nada. Isso pode ser uma pris�o ou pode nos libertar. 

Enquanto penso sobre, sigo sem controle. Inclusive sobre meu humor, o que sinto e sobre estar bem. N�o existe um bot�o que eu aperte e pense: pronto, j� faz 3 semanas e posso deixar meu luto de lado. 

H� quem diga, com suas frases vazias e imediatistas: chora bastante; temos que seguir vivendo; vai passar. 

Amigos, sejamos francos. Eu tenho 36 anos, j� enfrentei alguns lutos pela vida. Muito dolorosos, diga-se de passagem. Eu sei que � ‘bom’ chorar, que temos que seguir vivendo e que vai passar. 

E eu fa�o isso tudo. Eu choro quantas vezes preciso chorar. Eu t� vivendo. E a �nica coisa que ta passando implacavelmente � o tempo. E este, de alguma forma, se encarrega em fazer a dor se dissolver um pouco. 

No entanto, sinto que existe um desrespeito, uma viol�ncia com a enuncia��o de que n�o, n�o t� tudo bem. E � sobre isso. 

Vivemos a cultura da vida perfeita e do julgamento, em que n�o podemos estar em movimento, num dia felizes, num jantar com pessoas que gostamos e, no outro, tristes, sem vontade de sair da cama. E � justamente sobre isso que estou dizendo. 

Parem de cobrar uma alegria imediata. Parem de pensar que tudo vai ser resolver se eu der risada, chorar ou sair de casa. N�o vai. N�o vai ficar tudo bem. N�o � um processo m�gico, tampouco r�pido. E, por favor, aceitem que t� tudo bem n�o estar tudo bem. 

� poss�vel que eu esteja triste sem estar deprimida. � poss�vel que eu esteja sofrendo, sem estar de cama. � poss�vel que eu esteja elaborando um - ou muitos - luto � minha maneira, que � totalmente individual. Mas � preciso que voc�, que me l�, me compreenda.

H� dias que eu serei criativa e produtiva, como sempre. E h� dias que n�o vou conseguir. H� momentos em que serei euf�rica, exagerada e divertida, como sempre. E h� momentos em que vou querer colo, abra�o e afeto. E o momento pra isso � agora. 

Nada melhor que o amor para curar um luto, uma dor. E esse amor n�o se manifesta apenas dizendo: t� aqui pra tudo. A gente sabe que, raramente, quem diz isso, de fato, est�. Se voc� est�, demonstre. Cuide. Esteja. 

� parte da vida experienciar essa ang�stia, esse medo, esse trauma, essa tristeza. E � preciso que isso seja vivido. Al�m de formar car�ter, � o que nos torna seres humanos vivos. Viver �, na maior parte das vezes, sobreviver. �s vezes, temos intervalos de uma poss�vel divers�o. E que bom. 

Mas, fa�o esse text�o - meu habitual - voc�s sabem, pra dizer que nossos corpos j� est�o muito acostumados a dor: a opress�o faz isso. E j� fazemos um esfor�o IMENSO pra existir. Pra seguir vivendo no mundo. E, �s vezes fica pesado, ent�o, tenha paci�ncia se eu n�o te respondi na hora que voc� queria, se eu ‘furei’ um date, se eu n�o consegui fazer uma chamada de v�deo, se eu n�o quis ir no seu evento, se eu desmarquei algo em cima da hora. Se eu for em algum lugar e, do nada, come�ar a chorar. Se, em seguida, eu rir como sempre. Eu vou oscilar. 

E pe�o, aqui, que voc� ofere�a acolhimento. Justamente por isso: meu corpo � acostumado � dor. Eu estou acostumada a sofrer e distrair o sofrimento, sublimando, escrevendo, fazendo piada. Mas, depois de dois anos de pandemia, muitas perdas, eu preciso me sentir triste. Eu preciso vivenciar essa tristeza. E n�o tem nada de errado com isso. 

Eu sei que rola uma ansiedade e que, se eu estiver triste, isso impede que voc� me demande e que eu largue tudo para ser �til, mas, � preciso que voc�, neste momento, me respeite. Que a gente troque de posi��o e que eu, t�o acostumada a ser abrigo, casa, ponte, acolhimento, possa, enfim, ser acolhida. 

T� tudo bem n�o estar nada bem. E, caso voc� se sinta como eu narrei aqui, como eu, n�o sinta culpa por estar triste, se permita. A gente precisa desmistificar a vida perfeita, a tristeza com prazo de validade, o enterro dos sentimentos ruins. A vida � feita, tamb�m delas. E seguir vivendo exige que a gente abrace, inclusive a dor e a tristeza, pra, enfim, algum dia, deix�-las menores. 

Daqui, abra�o minhas vulnerabilidades, meu luto, minha tristeza e vivo, n�o um dia de cada vez, mas cada minuto, respeitando o que estou sentindo. Nem todo sentimento precisa ser de euforia para ser v�lido. Nem toda foto precisa ser sorrindo. Meu corpo tamb�m precisa acolher e viver a tristeza para seguir existindo. Que tal respeitar isso?

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