
“Foto de bunda n�o empodera”, “Striptease � coisa para agradar macho”, “A hipersexualiza��o das artistas do pop”, “O porn� precisa acabar”, “Nem santa, nem puta”, “Somos contra a prostitui��o”, “Sua foto nua fortalece o patriarcado”.
Quem � a mulher que nunca esbarrou em frases assim em posts, v�deos, reportagens ou, a m�xima: numa rodinha entre amigas no bar?
Como as frases feitas de um feminismo neoliberal e supostamente preocupado com o bem-estar da mulher s�o, na verdade, um c�rcere com sinal trocado: vende-se liberdade e empoderamento, mas caga-se regra como qualquer igreja neopentecostal ou bancada evang�lica, cheia de: n�o fa�a isso, tem que fazer assim, fulana n�o � feminista porque posta foto com a bunda de fora, ciclana s� quer biscoito.
E nessas, vamos encarcerando subjetividades e o que poderia ser, de fato, um debate acerca do corpo e das liberdades - e desejos - que temos sobre o mesmo.
Durante muito tempo, tive medo de expor meu corpo. N�o por causa da hipersexualiza��o, devo dizer. Mas por ach�-lo inadequado. E quando eu finalmente consegui faz�-lo, foi libertador. N�o s� porque encontrei uma aceita��o que sempre busquei, mas porque, mesmo me vestindo de um discurso sobre como � pol�tico exibir um corpo gordo e dissidente sem roupas, consegui me encontrar comigo mesma.
Dito isso, fa�o um convite pra reflex�o: por que o corpo e a sensualidade das mulheres incomoda tanto?
E incomoda, inclusive, outras mulheres. E, podem ca�ar, mais uma vez, minha carteirinha, mas precisamos falar sobre isso. Precisamos falar sobre como alguns discursos que se pretendem feministas encarceram as subjetividades e as performances individuais em caixinhas.
Nem tudo � sobre o patriarcado. Meu corpo, nu, na sua timeline pode dizer do meu luto, pode dizer de saudade, pode dizer de desejo, pode dizer de tantas coisas mais do que provocar algum homem. Pode, inclusive, despertar desejo em outras mulheres. Pode ser s� uma objetifica��o, mas pode conter um poema, um text�o, uma reflex�o. Pode ser parte do grande quebra-cabe�as que sou.
A sensualidade n�o s� empodera, como � parte da celebra��o de quem somos. Num pa�s em que quase 700 mil pessoas morreram v�timas de um governo genocida e de um v�rus para o qual t�nhamos vacinas - e estas foram prevaricadas - � preciso que haja celebra��o e o menor dos nossos problemas � que ela seja sexual, que seja embalada por um funk expl�cito da Anitta, da Ludmilla, da Pocah, de quem quer que seja. Pouco importa se essa celebra��o � com a bunda pra cima, de fora, rebolando. O rebolado �, tamb�m, uma forma de combater a tristeza que se abate sobre n�s enquanto na��o.
N�o tentem tirar as alegrias dos nossos corpos. N�s, corpos dissidentes, j� somos privados de tanta coisa: afeto, alegria, conv�vio, empregabilidade, etc. Por que, ent�o, quando nos empoderamos, querem nos tirar isso?
Mas e se forem corpos padr�o? Tamb�m. Tudo que tenta regular, castrar ou amea�ar o prazer corporal, sensual e sexual alheio em pleno 2022 � o que sen�o moralismo?
� moralista pra caramba achar que uma mulher n�o pode expor o pr�prio corpo para vender a pr�pria arte. Caso n�o saibam, mulheres trabalham, no m�nimo, 8h por dia, muitas vezes, pra sobreviver. E h� a� tamb�m uma degrada��o do corpo.
Meu corpo n�o � degradado s� quando eu rebolo a raba ao som de um funk ou quando eu posto um nude na sua timeline. Ele sofre com a degrada��o enquanto eu estou toda intelectualizada escrevendo um texto por horas e horas a fio.
Por que uma � aceit�vel e a outra n�o?

Muitas pesquisadoras v�o questionar a ‘suposta’ liberdade sexual que a exposi��o dos corpos traz. Do lado de c�, penso e sei que burcas nunca impediram estupros, logo, n�o � a roupa curta (e de novo, mulheres endossando esse discurso) que faz com que algu�m seja violentada. Assim como, nem sempre a aus�ncia das roupas tem a ver, exclusivamente com a liberdade sexual, mas, por que n�o teria?
E por que tentam regular isso?
Arrisco a dizer que liberdade � o que eu entendo como um lugar em que o medo n�o se cria. Liberdade � poder se lan�ar no pr�prio desejo, matando a culpa.
Expor corpos n�o � s� uma radicaliza��o da narrativa, mas � um claro an�ncio de que: meu corpo � meu. E ele precisa realmente ser meu. E, entendendo como sendo meu, ele pode ou n�o ser sexualizado, sensual, empoderado ou n�o. O que n�o d� para ser � regulado, por quem quer que seja.
Tentar impedir a nudez com o discurso de que isso rotula mulheres e/ou que escanteia o talento � t�o patriarcal quanto homens em frente a um filme porn�. � t�o regulador quando o Estado, que se pretende laico, mas n�o autoriza o aborto.
Se o meu corpo � meu, fa�o dele - e vendo-o - como e o que eu quiser. Se, pro meu texto ser lido eu preciso me valer de uma foto s� de calcinha na timeline, que seja! Se, pra ser desejada, � isso que est� em voga, que seja. Se, pra desejar, eu precisei me expor, que seja. H� muito do que eu sou, enquanto sujeito, que est� em jogo tamb�m por aqui e n�o s� o que outras mulheres que, pudicamente, desejam n�o ver - ou n�o querem encarar, sobre si mesmas.
E, veja bem, este n�o � um texto contra outras mulheres. Mas � um texto para dizer que sim: eu posso sensualizar meu corpo, afinal, ele � meu. E sim, outras mulheres podem n�o querer/desejar o mesmo. E tudo bem tamb�m. O que n�o se pode � querer fazer contorcionismo ret�rico acerca disso.
� dada a hora de pensarmos para al�m do moralismo, inclusive o que nos atravessa e nos perguntarmos o que h� de t�o incomodo, seja nas divas pop, seja nas nossas amigas, que exibem seus corpos, suas rabas, sua sexualidade e sua liberdade.
Afinal, a liberdade pode ser ter uma fam�lia nuclear com marido, filhos e f�rias na praia e pode tamb�m ser um ensaio com nudes exposto e patrocinado nas redes sociais. A liberdade pode ser o que faz cada um mais feliz. E n�o deve - nem precisa - ser regulada por terceiros.
Da minha parte, lamento pra quem se sente mal com minhas fotos pelada - eu vou continuar postando. Me ver, pelo olhar dos fot�grafos, n�o s� me empodera, mas me faz gostar mais de mim. Ter momentos, com meu corpo, me faz sentir prazer. Poder dizer quem sou, esteticamente, atrav�s de nudes, faz com que meu trabalho chegue mais longe.
Subjetivamente, minhas fotos sensuais e sexuais me fazem uma mulher intelectualmente mais eficiente. Que sorte a minha. Que azar de quem ainda n�o se permite o suficiente para lidar com isso.
Permitam-se!