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Estado de Minas ANIVERS�RIO DE UM ANO!

Com minha melhor raiva e com todo meu amor: vem celebrar 1 ano desta coluna

Em uma semana que a exist�ncia de mulheres e pessoas LGBTQIA+ � pra l� de amea�ada, comemoramos nossa resili�ncia, luta e voz


29/06/2022 06:00 - atualizado 29/06/2022 10:12

Jéssica está escorada em um muro com a pichação 'lute comigo'
'Nesta semana, podemos ficar felizes. Somamos, com este, 54 textos publicados' (foto: Juliana Martins/Divulga��o)

Amanh� completo um ano com esta coluna aqui no DiversEM. L� se vai uma volta ao redor do sol falando sobre corpos, literatura e diversidade por aqui. Uso, ent�o, o espa�o para celebrar e agradecer quem me l�. Sem voc�s, n�o faria sentido. Obrigada a quem luta e celebra comigo. 

E, assim como quando comecei, quero estar cheia de positividade e not�cias boas, mas, o mundo - e nosso pa�s - n�o t�m sido nada generoso conosco - apesar de alguns avan�os em algumas pautas. Queria que hoje fosse uma coluna s� feliz, que este fosse um espa�o em que eu pudesse fazer piadas e usar de ironia, apenas. Mas, ainda n�o � poss�vel. Fa�o uso do espa�o sempre “com minha melhor raiva e com todo meu amor”, oscilando entre os motivos que temos para comemorar e os que temos para nos indignar. 
 

Fa�o uso do espa�o sempre 'com minha melhor raiva e com todo meu amor', oscilando entre os motivos que temos para comemorar e os que temos para nos indignar.

 
Nesta semana, podemos ficar felizes. Somamos, com este, 54 textos publicados. N�o � todo dia que uma mulher gorda e perif�rica celebra um ano de coluna num jornal de circula��o nacional. Dito isso, nesta semana, recebi uma mensagem de uma leitora argentina. De algum jeito, os textos chegam para ela que, com algumas aulas de portugu�s e o aux�lio de um tradutor, espalha por a� a coluna e o quanto gosta e se identifica com ela. 

Tamb�m nesta semana a coluna foi citada em um artigo acad�mico. O primeiro texto “Est�o tentando sumir com os corpos gordos e somos c�mplices disso” � mencionado no trabalho “Do dispositivo para emagrecer � M�scara de Flandres: m�dia, gordofobia e resist�ncia”, escrito por N�liane Catarina Simioni, na Unicamp. 

Esta coluna foi tamb�m, muitas vezes, citadas em outros trabalhos acad�micos, em outros artigos de diferentes sites e, mais do que isso, foi objeto de pensamento e estudo. Fomentou discuss�es e cumpriu o papel que pensei inicialmente: debater a pluralidade de corpos, a diversidade subjetiva das nossas exist�ncias, que aqui e agora da literatura que nos atravessa. 

Neste um ano, voc�s acompanharam n�o s� o que rolou no mundo e nas quest�es antigordofobia e da literatura neste tema, mas tamb�m na minha vida pessoal. Todo mundo sabe que uso tamb�m esta coluna de div� e mais: de lava��o de roupa suja e acerto de contas com tudo aquilo que me provoca de diferentes maneiras.
 
Por aqui teve luto pelo analista que morreu precocemente - e eu ainda tento catar meus peda�os e fazer algo com o que estou, verdade seja dita. Teve resenha de livros, de s�ries com personagens gordas, teve desabafo, teve jeito de ousar pensar em formas outras de existir no mundo: sem norma e com o fracasso. 

Saber que minha voz tem ecoado ao inv�s de ser silenciada � minha parte de amor nesta trajet�ria que requer resili�ncia, muita paci�ncia e disposi��o. � meu jeito de seguir existindo. Minha vez de agradecer. Exer�o, neste um ano, a gratid�o pelas colunas lidas, por fazerem aqui, valer o que digo. O pensamento que crio. Minha intelectualidade gorda. Obrigada por me fazerem continuar desejando e existindo. 

Um ano depois e a luta continua

Hoje, um ano depois, lamento pelas lutas que ainda temos que travar. Na semana passada, questionei se “Seu orgulho LGBTQIA+ inclui pessoas gordas?”  e ontem (28/06), no Dia do Orgulho LGBTQIA , a C�mara Municipal de Po�os de Caldas, no Sul de Minas, votou o projeto de lei que disp�e sobre a ado��o e utiliza��o do nome social por parte de pessoas travestis e transexuais no �mbito da administra��o p�blica direta, aut�rquica e fundacional do munic�pio de Po�os de Caldas e d� outras provid�ncias.

Por oito votos contr�rios e seis favor�veis, os vereadores da casa arquivaram o projeto de autoria de Diney Lenon (PT), que tinha parecer pela aprova��o da Comiss�o de Constitui��o e Justi�a. Veja bem, a reprova��o do projeto aconteceu justamente no Dia do Orgulho LGBTQIA , o que foi considerado por militantes como um duro golpe na luta contra a transfobia em Po�os de Caldas. 

Votaram favor�veis ao projeto, al�m de Diney, os vereadores Luzia Martins (PDT), Regina Cioffi (PP), Tiago Braz (Rede), Lucas Arruda (Rede) e Douglas Dofu (Uni�o). Votaram contr�rio ao projeto os vereadores Fl�vio Togni de Lima e Silva (PSDB), Claudiney Marques (PSDB), Ricardo Sabino (PSDB), Wellington Paulista (Uni�o), Wilson Silva (Uni�o), Roberto Santos (PRB), Kleber Silva (Rede) e Silvio Assis (MDB). O presidente Marcelo Heitor (PSC) n�o precisou votar.

Lament�vel, pra dizer o m�nimo. E assim, a cidade lind�ssima - e ultraconservadora - que vivo se consolida, numa data t�o importante, com um legislativo absurdamente contr�rio � minha exist�ncia e ao m�nimo de respeito �s pessoas trans e travestis nos espa�os p�blicos do munic�pio. 

Mas, se por um lado essa derrota do projeto me d� raiva, por outro, me faz pensar em como nossas exist�ncias s�o urgentes e em como nossa constru��o - ainda que no misto da raiva com o amor - s�o essenciais. 

Corpos amea�ados 

H� um ano eu falei sobre estarem tentando sumir com nossos corpos e nossa cumplicidade diante disso. Discorri, em in�meras colunas, sobre os m�todos de exterm�nio dos corpos gordos, dos mais sutis aos mais violentos. Falei, de diferentes formas - e foram muitas - sobre a anula��o das subjetividades, mas nada me fez pensar em viver a semana que passamos, em que uma garota de 11 anos, v�tima de um estupro, foi impedida pela justi�a de fazer um abordo legal. Em que, na mesma semana, uma jovem de 21 anos teve sua vida exposta ap�s, ser v�tima de um estupro, doar o beb�, de forma legal, para ado��o. 

Nesta mesma semana, os EUA voltaram a proibir o aborto legal e seguro, deixando uma sombra de medo em muitos outros pa�ses. O mesmo ocorre diante da not�cia de que aplicativos de monitoramento da menstrua��o podem usar os dados das usu�rias para coibir pr�ticas contraceptivas e tamb�m o aborto legal. 

Esta foi tamb�m a semana que uma mulher denunciou um rapper bastante famoso por abuso sexual, me fazendo reviver uma hist�ria pessoal triste de abuso em que todo sistema: patriarcal, Minist�rio P�blico, etc. operaram pelo silenciamento. 

O cen�rio que mais lembra o ficcional Gilead, do livro “O Conto da Aia”, de Margaret Atwood � desesperador para mulheres e pessoas com �tero no nosso pa�s. A regula��o n�o � e nunca foi sobre a vida, mas sobre o controle das nossas exist�ncias e corpos. 

Em tempo, vemos um massacre ocorrer contra povos ind�genas. Vemos pessoas pretas e perif�ricas morrendo diariamente. Vemos a pol�tica do exterm�nio e da morte tomar conta da nossa vida, seja atrav�s da falta de gest�o da pandemia, seja atrav�s da fome, seja atrav�s dos discursos de morte, seja do fortalecimento da libera��o dos impostos sobre as armas, dos agrot�xicos na nossa comida. Nos � roubada, inclusive, a possibilidade de sonhar e imaginar outros futuros poss�veis pros nossos corpos. 

Me entristece que, no dia que poder�amos estar celebrando o primeiro anivers�rio da coluna, eu tenha que escrever sobre as amea�as que nos rondam e a tristeza que insiste em tomar conta dos dias: o luto coletivo de um pa�s que sofre e sangra nas m�os de um governo genocida, do fundamentalismo religioso, de uma moralidade que insiste em dizer que corpos de mulheres expostos fortalecem o patriarcado enquanto temos os direitos b�sicos negados o tempo todo. Foto da raba empodera?

Com o cen�rio que seria catastr�fico se fosse bom, mas � s� desesperador mesmo, agrade�o a quem me leu durante este primeiro ano nesta coluna. Frente a esse desespero e ao que resta: raiva e amor, pego meus sentimentos e sigo, enfrentando os dias. Uso a escrita como arma para enfrentar meus monstros  e me recuso a qualquer forma de diminui��o e enquadramento da norma para tentar caber. 
 

Sigo com a caneta e o punho em riste, pronta para enfrentar meus monstros internos e os externos, em punga, diariamente, para seguir escrevendo minha hist�ria por aqui e narrando o que nos acontece por a�

 
Sigo com a caneta e o punho em riste, pronta para enfrentar meus monstros internos e os externos, em punga, diariamente, para seguir escrevendo minha hist�ria por aqui e narrando o que nos acontece por a�. Apesar das not�cias tristes que tentam nos roubar os bons motivos de celebra��o, c� estou, insistindo nela. Insistindo no amor. Afinal, se tivermos medo das pequenas alegrias, vamos ter coragem de qu�?

E que n�o nos falte: coragem e alegria pra que sigamos. Pra que nossos corpos permane�am existindo. Pra que nossa bandeira colorida continue tremulando. Pra que nossas exist�ncias fa�am sentido pra al�m das amea�as e que a gente possa criar tempos e espa�os para nossas alegrias, vidas e conquistas. Novamente, muito obrigada  a quem luta comigo. 

E que n�o nos falte: coragem e alegria pra que sigamos. Pra que nossos corpos permane�am existindo.

 

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