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Notas sobre o bolsonarismo no poder: para onde vamos?

Conduta bolsonariana re�ne extremismo, messianismo, titanismo muscular exibicionista, abusiva exibi��o de viol�ncia verbal, corporal e gestual. Da� o gosto m�rbido por situar-se em estado de guerra perp�tua


postado em 02/05/2020 13:08

(foto: Reprodução/Facebook)
(foto: Reprodu��o/Facebook)

O triunfalismo poder� causar a mis�ria do bolsonarismo. A vit�ria eleitoral do presidente foi triunfal, de fato. Pois no in�cio era o “verbo” de um candidato solit�rio, sem voz na sociedade, sem um grupo parlamentar de apoio. Partidos negavam-lhe a legenda. O PSL o abrigou. Sem um programa de governo, intuitivamente dirigiu tr�s apelos ao eleitor: 

- semelhante a J�nio Quadros, em 1960, o combate sem tr�gua � corrup��o, e, em gesto para atrair eleitoralmente para si o prest�gio incompar�vel do ent�o juiz S�rgio Moro, prometeu todo apoio � Opera��o Lava Jato. Depositou a corrup��o sobre os ombros do “sistema”, que “a� est�”, e assumiu a bandeira de um antipetismo redentor;
- no campo dos valores, a fam�lia, amea�ada pela modernidade e a seculariza��o, “deus acima de tudo”, e o discurso contra: o aborto, a “ideologia de g�nero”, o casamento entre homossexuais; - descrevendo um deslocamento de 180 graus, abdicou da prefer�ncia pelo capitalismo de estado e assumiu compromisso com o ultraliberalismo econ�mico, na linhagem do “estado m�nimo”: privatiza��es, responsabilidade fiscal, reformas: previdenci�ria, trabalhista, administrativa e tribut�ria, manuten��o do teto de gastos. 

Com a explos�o de votos que o ent�o candidato a presidente atraiu, o pequeno e inexpressivo partido que o acolhera, agigantou-se. Elegeu 56 deputados federais, entre eles a fina flor do bolsonarismo ideol�gico e militante ou “de raiz”. O presidente e os filhos, o vereador Carlos Bolsonaro, o deputado federal eleito Eduardo Bolsonaro, e o senador eleito Fl�vio Bolsonaro, imaginaram-se com direitos naturais ao controle total do agigantado partido detentor da maior bancada de deputados federais. A dire��o do PSL reagiu, contraditou, enfrentou e conteve a investida conduzida pelo cl� dos Bolsonaro.

Seguiu-se a ruptura, as perdas e danos inclusive de expressivos deputados federais que logo passaram � oposi��o ao governo, distribu�dos entre o PSL e alguns outros partidos. Por sua vez, em ostensivo desprezo e abdica��o de qualquer possibilidade de negocia��o com blocos partid�rios ou com partidos pol�ticos, um a um, o bolsonarismo parlamentar buscou e recolheu apoios difusos e inst�veis em bancadas tem�ticas, como as ultrarreacion�rias “bancada da bala”, “ruralista” e “da b�blia”, em maioria integradas por companheiros de viagem do bolsonarismo nas elei��es. Seu apoio somente � entregue em presta��es e cada uma cobra do governo a contrapartida: cargos e posi��es de poder.

Na C�mara, na ocasi�o, tamb�m disp�s do apoio da ala “lavajatista” do bolsonarismo. Dotada de organiza��o aut�noma, apresentou-se mais s�lida que a pr�pria organiza��o do bolsonarismo de raiz. Expressa-se na voz do Movimento Brasil Livre (MBL), que irrompeu no c�lebre 13 de Junho de 2013 nas ruas de S�o Paulo e do Brasil sob a lideran�a do hoje deputado federal Kim Kataguiri, Renan Santos e do vereador Fernando Holiday, todos eles ide�logos e militantes program�ticos de um liberalismo econ�mico ortodoxo de estado m�nimo, com democracia eleitoral. Aliado ao bolsonarismo, contudo o MBL situa-se ideologicamente na posi��o de centro-direita, vez que mant�m compromisso com a liberal-democracia. A partir da ruptura do bolsonarismo de raiz com o PSL e do banimento do ex-ministro Gustavo Bebbiano, fundador do PSL e, at� ent�o, primeiro-amigo do presidente, a cr�nica parlamentar do movimento bolsonarista tem sido a cr�nica da sua balcaniza��o e fracionamento, a cr�nica de cis�es irrevog�veis entre ex-companheiros, logo apontados como inimigos. Com a sa�da do ex-juiz e ex-ministro S�rgio Moro do governo Bolsonaro, o MBL passou � oposi��o ao governo e ao bolsonarismo. Pior: protocolou na C�mara dos Deputados um pedido de impeachment do presidente. Ao MBL, antecipara-se, em nome do PSL, a deputada Joice Hasselmann, da vertente “lavajatista”, ex-l�der do governo na C�mara. Foi a portadora de um precedente pedido de impeachment do presidente, por ela protocolado em nome do PSL. Seita n�o tolera diverg�ncia. M�stico que acredita no pr�prio misticismo entrega-se a uma paix�o �nica, a paix�o por si mesmo.

O bolsonarismo e a cruzada contra o ''sistema''


O bolsonarismo n�o cabe em um partido. Ali�s, em partido algum, em bloco nenhum, em alian�a alguma. Por natureza, completamente narc�sico, � antipartido porque, por defini��o, � antipol�tica. Como cr�, a forma-partido e a pr�pria pr�tica da pol�tica sob a democracia s�o parte integrante e o modo de ser constitutivos, estruturantes, daquilo que o movimento denuncia como sendo o “sistema”, por defini��o, uma esp�cie de chocadeira da corrup��o end�mica, dos costumes, da civiliza��o. Contudo, valendo-se da pr�tica da democracia competitiva eleitoral o movimento se lan�ou com vol�pia e apetite pantagru�lico � possess�o do poder. Apetite e vol�pia que impedem qualquer distin��o entre o movimento e a presid�ncia da Rep�blica, isto �, entre o bolsonarismo e o governo, entre o bolsonarismo e o Estado, o bolsonarismo e a Rep�blica.

No vagalh�o da onipot�ncia, governo, Estado e Rep�blica n�o passam de plataformas �teis para o bolsonarismo messi�nico, sect�rio e possessivo triunfar sem conten��o. Poderes de Estado, pesos e contrapesos democr�ticos e Constitui��o s�o, ao mesmo tempo, “oportunidades” e obst�culos a conter, sen�o eliminar. Fique esclarecido: o “acordo” do bolsonarismo com a democracia � uma manobra t�tica, portanto, substitu�vel segundo a capacidade do bolsonarismo no poder de fragilizar a democracia e as institui��es do estado de direito democr�tico. Afinal, h� que se observar, o Poder Legislativo e os partidos, o Poder Judici�rio, a imprensa s�o partes integrantes do “sistema”. Da� o empenho sistem�tico do bolsonarismo em solapar o STF e o Congresso Nacional, ao tempo em que faz um combate sem tr�guas contra a imprensa, ou seja, contra um dos fundamentos da democracia: a liberdade de opini�o e de imprensa. Autoproclamado antissistema, adiante examinaremos o que o bolsonarismo designa como sendo o “sistema”.

Decorre da incompatibilidade do bolsonarismo com a institui��o da democracia chamada Poder Legislativo o fato do movimento bolsonarista congregar-se em torno do presidente, vale dizer, aninhar-se completamente ao poder governamental. Parlamentares bolsonaristas nada articulam. Porta-vozes, e nada mais, apenas reverberam a vontade de poder do n�cleo duro do bolsonarismo, o chamado “gabinete de �dio”, o bunker palaciano do movimento. Na aus�ncia de um projeto para o pa�s, basta o “mito” e a “promessa”.

No poder, o mito n�o vive apenas da cren�a m�tica, embora para o bolsonarismo o apoio dos seus crentes seja o mesmo que legitima��o para governar. Da� o permanente apelo � mobiliza��o, � ritualiza��o das mobiliza��es, o modo “m�gico-cat�rtico” de renovar e atualizar a sagra��o do mito e renovar a promessa redentora de, em completa nega��o da realidade, estabelecer uma nova ordem somente existente na evoca��o do mito. Seja como for, h� que governar, satisfazer expectativas. Sem projeto algum, para o bolsonarismo e o presidente governar � o mesmo que concentrar cada vez mais as decis�es sobre a composi��o, organiza��o e funcionamento do governo em um comit� central, no caso, cl�nico ou familista e palaciano, com livre tr�nsito nos pal�cios do Planalto e da Alvorada, no gabinete presidencial e na maioria dos minist�rios. O poder paralelo do cl� fez-se de fato o poder real. Nomeou pelo menos quatro dos atuais ministros, todos ativistas ideol�gicos do bolsonarismo de raiz: os ministros das rela��es exteriores, da educa��o, da cidadania e do meio-ambiente. Tamb�m decidiu as escolhas do ministro da secretaria executiva da presid�ncia, o major reformado Jorge Almeida, amigo da fam�lia, por sorte algu�m sensato e eleva��o, e do chefe da Ag�ncia Brasileira de Informa��o (Abin), o delegado de pol�cia federal, Alexandre Ramagem, o mais novo amigo da fam�lia. Sob um impenetr�vel e blindado controle exercido pelo vereador Carlos Bolsonaro, uma esp�cie de “macho alfa” do grupo, secundado pelos seus irm�os Eduardo e Fl�vio Bolsonaro, esse poder sem institucionalidade � a voz do governo, a voz do presidente, o elo entre o poder presidencial e os “seguidores” nas redes sociais, organizador implac�vel de “perfis” e da mobiliza��o de legi�es virtuais de rob�s nessas redes. O antes prestigiado Gustavo Bebianno, presidente do PSL, depois ministro-chefe da Casa Civil, cometeu o “crime” de lesa-majestade contra o bolsonarismo: conter a sanha expansionista do poder do familismo cl�nico no governo. Transformado de um dia ao outro de primeiro-amigo em inimigo, foi imolado, banido do bolsonarismo e do governo. Come�ava a balcaniza��o dentro do bolsonarismo. 

Propulsado pela conquista do poder, o movimento organizado do bolsonarismo militante disp�e do pr�prio presidente para garantir a musculatura das cada vez mais recorrentes manifesta��es p�blicas dos apoiadores, convocadas para renovar a lealdade das legi�es ao presidente. Exemplo do gosto pelo desafio � ordem democr�tica e � provoca��o de situa��es-limite foi a manifesta��o ostensivamente antidemocr�tica em frente ao quartel-general do Ex�rcito, em Bras�lia, em defesa da “ditadura com Bolsonaro” e do “AI-5 com Bolsonaro”, no dia 19 de abril passado, o Dia do Ex�rcito. Rendeu ao presidente, em requerimento da Procuradoria Geral da Rep�blica ao Supremo solicitando a instaura��o de um inqu�rito investigativo. Instaurado, transcorrer� conduzido pela Pol�cia Federal e sob o comando do STF para apurar crimes contra o estado de direito democr�tico. O presidente da Rep�blica poder� ser indiciado. Se assim for, processado, como r�u.

Uma curiosidade! At� 1964, o l�der da extrema-direita Carlos Lacerda, da UDN, de grande talento orat�rio, � �poca, nas palavras do marechal Castelo Branco e primeiro presidente sob a ditadura, “ia aos bivaques para bulir com os granadeiros”. Traduzindo: agitava os quart�is em busca de um golpe militar que, supostamente, o conduziria � presid�ncia. Com Bolsonaro no poder, sob o imp�rio da Constitui��o e da democracia, assediado por seu descomunal d�ficit cognitivo, � ele quem conduz a pr�pria presid�ncia da Rep�blica ao quartel-general do Ex�rcito para “bulir com os granadeiros” ...  de quatro estrelas. Naqueles anos 1960, a �poca era uma �pica. O sonho da imagina��o �pica criou Bras�lia. Gerou o cinema novo, a renascen�a baiana nas artes, a bossa nova, o teatro engajado. Nos dias de hoje, a �poca insinua-se sombria: epidemia, ademais, impulsionada por uma todo dia renovada demonstra��o p�blica da irrevog�vel insensatez presidencial, e, no governo, bolsonarismo e sua constela��o de crises. Dor e inutilidade!

Como movimento, o bolsonarismo tem o seu “estado-maior”, n�o militar, civil. Aprecia emular a organiza��o militar. Sua linhagem n�o � do g�nero “o objetivo � nada, o movimento � tudo”. Seus prop�sitos s�o, em geral, toldados pela negatividade, reatividade, a priori contra alguma coisa. O mito n�o � da linhagem da promessa de uma terra prometida. Sua linhagem � outra: da amea�a. Por isso, veste a roupagem da v�tima perp�tua sob amea�a –n�o importa se real ou imagin�ria: � quest�o de cren�a no mito – vinda de uma entidade todo dia demonizada, o “sistema”, para justificar o seu proverbial “olho por olho, dente por dente”, ou seja, sua virul�ncia e cont�nua e renovada “batalha” contra a entidade que supostamente o amea�a. Em ritual teatral, apresenta-se e reapresenta-se compulsivamente como v�tima do “sistema” que impede a constru��o da “promessa”. Assim o presidente Bolsonaro consome os seus dias e as esperan�as dos mortais. Mortal e mito, o presidente veste a roupagem do m�rtir para inscrever-se miticamente na ordem do mart�rio, do m�rtir sacrificial que se oferece ao “sacrif�cio” em nome de uma causa, ainda que inexista a causa e, menos ainda, o sacrif�cio! Para told�-lo de verossimilhan�a, a cren�a dos seguidores na propens�o do mito ao sacrif�cio � dia a dia satisfeita com a narrativa da tentativa de assassinato do ent�o candidato a presidente, como ele quer, parte de uma trama ainda por descobrir. De novo, o suporte � a cren�a no mito. O risco � alto. Pois na Baixa Antiguidade e na Alta Idade M�dia os santos alcan�avam a santidade porque imolados em mart�rio pela verdade. E quando os cr�dulos come�arem a perceber que, sem a m�scara, do mito restaria a farsa, no caso, a representa��o do sacrif�cio no mart�rio pela mentira?

O “sistema” � a pr�pria democracia, o estado de direito democr�tico 


Mistifica��o, aus�ncia de um senso de resolutividade e ambi��o descomedida: assim � o bolsonarismo no governo e sua ambi��o de estabelecer um poder de domina��o totalizadora. A sintaxe, a linguagem, � tipicamente virulenta, adequada para espalhar o gosto pela viol�ncia, que energiza o mito. O governo n�o realiza. Denuncia inimigos, o “sistema”. Vitimiza-se e acusa. � um movimento sem projeto. Tr�s prop�sitos s�o discern�veis. Primeiro, organizar, financiar, mantendo “perfis”, e manter ativo um esquema de edi��o e de difus�o de fake News nas redes sociais. Foco: espalhar den�ncia caluniosa, promover a “desconstru��o” simb�lica e moral de inimigos e amea�ar, utilizando uma bem orquestrada rede virtual do �dio. Esse � o instrumento permanente, em modo cont�nuo, de fideliza��o e de mobiliza��o de uma extrema-direita em forma��o, cada vez mais sect�ria e simbolicamente instigada � pr�tica da viol�ncia.

Come�a pela verbal e gestual. Por impregna��o, d� voz � indiferencia��o entre verdade e mentira, cr�tica e cal�nia, representa��o e realidade, vers�o e fato. Mobiliza apetites inconscientes, os mais baixos instintos, o medo e o �dio, instiga � vingan�a, choca o ovo da serpente da vontade de destrui��o do “outro”. Mobiliza as legi�es para a liberta��o m�tica, em �ltima inst�ncia, pelo “sangue” sacrificial e reparador. Titanismo e tribalismo associam-se a servi�o da vontade de poder. Como pensa, a sociedade n�o h�. O que h� � o indiv�duo em solid�o e a fam�lia. O bolsonarismo oferece o tribalismo, que disp�e ao iniciado os sentimentos de pertencimento, acolhimento, seguran�a e disposi��o ao compromisso.

Lembremos a persist�ncia do presidente e da fam�lia na fixa��o da imagem de uma arma simulada com o polegar e o indicador descrevendo a forma de um rev�lver. A incita��o que vem “do alto” � para o “tudo ou nada”. Aponta quase que desejavelmente para um apocal�ptico “combate nas trevas”. As refer�ncias ao “caos social”, “o que se viu no Chile � uma fichinha perto do que poder� ocorrer aqui”, vocalizadas pelo presidente, as amea�as de fechamento do STF, da lavra do filho 03, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, al�m dos incessantes apelos do bolsonarismo � ditadura e ao AI-5 com Bolsonaro, apontam genericamente para um “sistema” que, da �tica do bolsonarismo, confunde-se com a pr�pria democracia. O bolsonarismo em a��o � um permanente ataque � pr�pria democracia. No momento em que escrevo esse ensaio, o presidente voltou a artilharia contra o STF, apontando o dedo amea�ador contra o ministro Alexandre Moraes, e, tamb�m, contra os governadores, respons�veis pela decis�o de promover nos estados o chamado “isolamento social” para conten��o do v�rus. Contra um representante de um Poder de Estado e contra os representantes do federalismo. O presidente aponta o dedo acusador contra os governadores: a morte de milhares � assunto seu, “n�o tentem colocar as mortes no meu colo”!

Da instiga��o ao ato, outro objetivo � promover manifesta��es de rua antidemocr�ticas. Organizadas nacionalmente e dispondo de financiamento empresarial, s�o mobilizadas atrav�s das redes sociais. Essas manifesta��es est�o na mira investigativa do Supremo Tribunal Federal, que, como assinalado, determinou � Pol�cia Federal a instaura��o de inqu�rito para apurar autoria, financiamento e responsabilidades. Em sucess�o, as mobiliza��es testam a fideliza��o das legi�es do bolsonarismo e a estabilidade do seu apoio. Na aus�ncia de capacidade de lideran�a e governan�a democr�tica, fontes de legitima��o do governo e da autoridade democr�tica, ao bolsonarismo resta buscar a “legitima��o” do pr�prio presidente pela via �nica dispon�vel do encorajamento � cren�a no mito. Assim, as mobiliza��es atestam a legitima��o, ao mesmo tempo em que, como deseja o movimento, testam a resist�ncia das institui��es e submetem as For�as Armadas a um jogo de tens�es. Do que se trata, portanto, � de uma “legitima��o” pela renova��o militante ou de uma disposi��o para o combate movido pela intimida��o de alvos ou de “inimigos”, sejam institui��es de Estado ou personalidades, ora o STF, ora o Congresso Nacional. Assim, o movimento responde aos apelos � ca�a pela cont�nua e insaci�vel exposi��o de um inimigo. Renova-se a f�ria. 

Na �ltima semana o alvo preferencial deslocara-se do presidente da C�mara dos Deputados, Rodrigo Maia, ao ex-ministro e ex-juiz l�der da Opera��o Lava Jato, S�rgio Moro, visto como o mais novo e amea�ador inimigo. Agora, o ministro Alexandre de Moraes e os governadores. Segundo as tortuosas livre-associa��es mentais disparadas pelo presidente, frequentemente destitu�das de l�gica porque sempre al�m das possibilidades da raz�o compreender, a causa das mortes �, pasmem, o pr�prio isolamento social que se destina a proteger a vida. Segundo as tortuosas livre-associa��es presidenciais, o isolamento destr�i emprego e renda, logo, vidas! O que o presidente desde o in�cio queria impor � o que em epidemiologia � conhecido como “imunidade de manada”, obtida com vacina. Por�m, contra a epidemiologia, o presidente queria que o ministro Mandetta autorizasse a livre circula��o de pessoas e a retomada de todas atividades comerciais, de servi�os e produtivas. Como pensa o presidente, quem est� na chuva � p’r� molhar, ele disse. Se assim �, por que n�o “molhar logo de uma vez”, isto �, todos �s ruas, cont�gio geral, sentenciando que a imensa maioria ser� contagiada, sem sintoma, e uma minoria, UTI e �bito! Ou, como ele tanto repete: “Fazer o qu�? � a vida!” Ou, em vers�o recente: “E da�?” Ou, em lapidar e elevada pr�tica da compaix�o, afinal todos, um dia, vamos morrer! S�o Jo�o Evangelista n�o p�de imaginar que no terceiro mil�nio DC surgiria, rivalizando com a Morte, a quinta besta do Apocalipse.
 
De volta ao assunto da produ��o bolsonariana de inimigos, incumbe ao que ficou conhecido como o “gabinete do �dio”, coordenado pelo vereador Carlos Bolsonaro, a “desconstru��o” moral e p�blica dos inimigos e, com f�ria singular, dos “traidores”, dessa vez com o dedo apontado para o ex-ministro S�rgio Moro. N�o � por acaso que no domingo, 26/04, dessa vez em Curitiba, bolsonaristas queimaram em pra�a p�blica camisetas com o nome do l�der da Opera��o Lava Jato. No radar do bolsonarismo, S�rgio Moro ser� o principal concorrente de Bolsonaro nas elei��es de 2022. Portanto, “fogo nele”! Isto �, nas camisetas com o nome.

N�o importa se o governo tem ou n�o uma agenda e muito menos desempenho. Importam os s�mbolos, a “nova pol�tica” versus a “velha pol�tica”, o santo guerreiro disposto ao mart�rio contra o drag�o da maldade, a “velha pol�tica”, o modo de funcionamento do “sistema”. Portanto, a agenda que interessa ao presidente n�o � cuidar da sa�de do SUS e do povo brasileiro em combate priorizado, concentrado e permanente contra a epidemia. Por sua vez, a agenda da economia interessa porque, afinal, o desemprego, o aumento da pobreza e a crise social poder�o levar o governo e o presidente ao descr�dito entre as pr�prias legi�es que ainda o veem como mito. Portanto, a agenda � a simb�lica, passional, em ritmo de modo cont�nuo de conflito e exacerba��o salvacionista. Empenha-se em criar e recriar um clima de “Guerra Fria” interna associando comunismo, esquerdas, PT, corrup��o e, � claro, o “sistema”, sistema e governadores, sistema e S�rgio Moro, sistema e “isolamento social”. Como � guerra, vale tudo. Portanto, em remiss�o � linguagem da ditadura militar, utilizar fake news � nada mais que mover contra o inimigo uma justa “guerra psicol�gica adversa”: a mentira, para o bolsonarismo, “santa”. Inventaram a mentira virtuosa! Na ditadura, todo inimigo era “terrorista”. Sob Bolsonaro, todo divergente � “inimigo”. At� o v�rus � “comunista”, ou a servi�o do comunismo! O problema existencial do bolsonarismo �, sem Bolsonaro no poder, ele � nada. E Bolsonaro no poder, sem o mito, � nada. Mito que somente se sustenta no combate sem tr�gua, que, como met�fora, exige “sangue”, “sangue novo”, em sucess�o, isto �, no combate indispens�vel � reprodu��o ampliada do �dio, da f�ria. Como o nazismo fez com os ciganos, imigrantes, judeus, advers�rios, n�o-“arianos”, com os jovens alem�es que, ao recusarem o engajamento exigido pelo partido nazista na viol�ncia em ato, apenas apreciavam literatura e o “swing”. 

Para o bolsonarismo, o jogo democr�tico da disputa pol�tica �, ao mesmo tempo, oportunidade de acesso e perman�ncia no poder, mas �, tamb�m, uma amea�a ao movimento e ao presidente. Para justificar o �dio, o �dio precisa da companhia das amea�as. � por isso que a ascens�o de novas lideran�as origin�rias do centro ou da centro-direita liberal-democr�tica desloca o combate do bolsonarismo ora para o governador Wilson Witzel, do Rio de janeiro, ora para o governador Jo�o D�ria, de S�o Paulo, em seguida, em dire��o ao presidente da C�mara dos Deputados, Rodrigo Maia, da� ao ex-ministro S�rgio Moro, e assim por diante, em intermin�vel combate. A paix�o bolsonariana total pelo combate banhado em �dio n�o admite a possibilidade da compaix�o, a sensibilidade elementar face � dor da perda em plena epidemia. Afinal, “o que eu tenho com isso?”, “n�o sou coveiro”, ele diz.

O bolsonarismo e o “centr�o” ou onde encontrar a “nova pol�tica”? 

Bolsonaro odeia a complexidade. Deseja uma realidade bipolar, fixa, extremada, do tipo “esquerda” contra “direita” em luta de aniquila��o. Para o bolsonarismo, matizes, diferen�as, esquerdas e direitas, centro-esquerda e centro-direita, diferente da extrema direita, n�o cabe no pensamento bin�rio e elementar do preto ou branco, e nada mais. Para ele, direita � una, e � Bolsonaro. Ponto. Esquerda � una, e � Lula. Ponto. Bolsonaro tanto odeia Lula quanto precisa do Lula. Precisa do Lula para bipolarizar e apagar os matizes. Lula �, ao mesmo tempo, seu pesadelo e seu sonho. N�o por acaso negou ao ent�o ministro S�rgio Moro o apoio � condena��o em segunda inst�ncia. Isso mesmo. Negou! Apesar da lei da “ficha limpa” que impede a candidatura do ex-presidente, Bolsonaro odeia e tem medo e, ao mesmo tempo, precisa do ex-presidente Lula. Por isso odeia Moro, D�ria, Witzel, Maia e qualquer um que tornar algo mais complexa, diversa, sofisticada a disputa pol�tica, deslocando-a em dire��o ao centro ideol�gico do espectro pol�tico. O mito precisa encarnar o papel do “santo guerreiro” em luta perp�tua contra o “drag�o da maldade”.

Entretanto, quis o diabo, nada mais que o pr�prio, o dem�nio, o “cujo”, que ou diretamente do Parlamento ou por provoca��o interposta ao Congresso Nacional, o santo guerreiro fosse confrontado com a “prova��o” da possibilidade do impeachment. Em pacto com o “cujo”, o bolsonarismo decidiu-se: contra o dem�nio, as artes do dem�nio. Ast�cia da raz�o! Alie-se ao dem�nio para melhor combater no pr�prio inferno. Assim o bolsonarismo concede-se passe-livre para associar-se ao velho “centr�o”, a fina flor do p�ntano da corrup��o, com suas excel�ncias Valdemar da Costa Neto, condenado e preso por conta do “mensal�o” do PT-PP-PTB, Roberto Jefferson, outro condenado no “mensal�o”, agora interlocutor, sen�o conselheiro do presidente, e tantos outros chamados � mesa de caf� da manh� presidencial e palaciana. Mas o “centr�o” n�o �, precisamente, o n�cleo duro do “sistema”? Como n�o d� para “explicar”, a sa�da � a fabula��o: o diabo estaria submetendo o santo guerreiro � prova��o! A fabula��o bolsonariana encarrega-se, agora, de justificar a prova��o. Recebeu a ajuda do vice-presidente, o general Mour�o, que j� distinguiu no “centr�o” entre os pecadores e os justos. General: o presidente negocia com Valdemar Costa Neto, com Roberto Jefferson! O senhor est� “cruzando a linha”: cart�o vermelho para a sua tentativa de justifica��o do injustific�vel. Segundo a fabula��o bolsonariana, a prova��o do mito agora consiste em “entrar” no “sistema” para melhor combater o “sistema”, conhecendo-o por dentro. Olhar e penetrar no abismo ... e “esquecer” que o abismo olha para ele e o seduz! “De te fabula narratur!”

Ora, para escapar das garras do impeachment, n�o foi essa a mesma fabula��o do PT, no final do primeiro governo Lula, quando se decidiu por associar-se ao “centr�o” e ao MDB, ocasi�o em que se formou o cons�rcio de poder que iria orquestrar o sistema de corrup��o que resultou no “petrol�o”, objeto da Opera��o Lava Jato? E o que aconteceu ao PT? Fez de si mesmo, em servid�o volunt�ria, membro nato e destacado do “sistema”, que tanto combatera � base do mantra petista do “N�s contra Eles”, de triste mem�ria. Lembram-se do discurso da “�tica na pol�tica” contra ... a “velha pol�tica”? Discurso autoral made in PT! Na vers�o Bolsonaro: “nova pol�tica” contra “velha pol�tica”. Ou: conversa mole p’r� boi dormir! Quem ficou horrorizado foi o pobre do diabo ao perceber sua ingenuidade! O mesmo diabo agora assusta-se na companhia de Bolsonaro. Medo de perder o trono das trevas. O PT, mais moderado e com hist�ria na luta pela democracia, n�o tinha prop�sito algum de trocar a pr�tica da pol�tica democr�tica pelo “combate nas trevas”, essa paix�o totalizadora segundo Bolsonaro. O problema do PT � a aus�ncia de sabedoria, que passa por uma autocr�tica cat�rtica, seguida de renova��o, j�.

E a corrup��o, perguntariam os bolsonaristas? E o pacto com o “centr�o”? O bolsonarista sect�rio n�o quer saber de d�vida; entrega-se cegamente � justifica��o dos atos do “mito”. Apenas cr� e obedece, sen�o entra em colapso, em crise. Pensar e ponderar causa danos. Para n�o colapsar, n�o se pergunta sobre a trama que resultou na ruptura do ministro Moro com o presidente Bolsonaro. N�o quer saber que o presidente, adepto do “familismo”, para proteger filhos quis apropriar-se da Pol�cia Federal como assunto privado com o prop�sito de violar a autonomia da institui��o, destituir o diretor-geral e impor o “seu” diretor e, assim, violar o sigilo de inqu�rito, controlar o andamento de inqu�rito, corromper a investiga��o que aponta para os filhos. Abuso de autoridade, obstru��o da justi�a e assim por diante. Como o diabo n�o h�, o que h� � o homem humano. O problema de Bolsonaro, o “santo guerreiro”, reside na cada vez mais pr�xima possibilidade dos bolsonaristas lavajatistas descobrirem que o santo guerreiro e o drag�o da maldade s�o a mesma pessoa, que o presidente, o mito e a farsa contracenam o mesmo teatro. Da� a puls�o bolsonarista para aniquilar a vida democr�tica e o republicanismo, para levar o poder e o governo ao “combate nas trevas” de uma tirania, aberta ou no limite da legalidade. O tempo conta contra Bolsonaro. Falta combinar com os generais!   

Na linhagem do “tudo ou nada” e do desejo do “combate nas trevas” de quem quer “ditadura e AI-5 com Bolsonaro” e explicita encantamento com o armamentismo dos cidad�os, n�o � improv�vel que, subjacente e n�o diretamente vocalizado, parte do bolsonarismo militante venha a se organizar em mil�cias armadas para o “tudo ou nada”. A pauta de condutas bolsonarianas re�ne o extremismo, o messianismo, o titanismo muscular exibicionista, a abusiva exibi��o de viol�ncia verbal, corporal e gestual. Da� o gosto m�rbido por situar-se no olho do furac�o, em estado de guerra perp�tua. O cidad�o Bolsonaro sempre olhou para o abismo. Na presid�ncia, o abismo todo dia olha para ele, penetrando-lhe o psiquismo.

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