(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas

A vida em tempos de pandemia. E depois?

'Quem ser�o os atores sociais respons�veis por essas mudan�as? Em parte, as pr�prias elites em circula��o e as novas elites republicanas emergentes"


postado em 27/04/2020 04:00 / atualizado em 27/04/2020 11:00

(foto: TIMOTHY A. CLARY / AFP )
(foto: TIMOTHY A. CLARY / AFP )

A epidemia de SARS-CoV-2 � a terceira grande epidemia de coronav�rus neste s�culo, ap�s a de SARS (s�ndrome aguda respirat�ria grave) de 2002-2003 e a de MERS (s�ndrome respirat�ria do Oriente M�dio), que come�ou em 2012. Os coronav�rus espalham-se todos os anos, causando infec��es respirat�rias que v�o desde o resfriado comum at� pneumonia.

A vacina para o SARS-CoV-2 ou o novo coronav�rus dever� estar dispon�vel at� o final desse ano. Contudo, n�o se sabe se ela assegurar� a desejada imunidade vital�cia. Estima-se, ao contr�rio, que a cada dois anos os humanos dever�o revacinar-se contra esse v�rus t�o altamente contagioso e de maior letalidade que os que causaram as epidemias precedentes. A prop�sito, ano a ano, vacinamos contra o H1N1 (influenza).

N�o bastasse, os coronav�rus poder�o nos surpreender com o que poder� vir a ser o SARS-CoV-3! Ou seja, por for�a da “hist�ria natural” dessa linhagem de v�rus, a presente pandemia parece assinalar que os humanos est�o condenados a conviver com varia��es mais ou menos agressivas desses inimigos invis�veis.

N�o culpemos os morcegos, as galinhas, as aves migrat�rias e outros bichos. Antes, precisamos olhar para dentro de n�s mesmos e as escolhas que estamos fazendo em cada pa�s e globalmente, seja na rela��o com o meio ambiente, seja no que concerne �s nossas escolhas e decis�es sobre bem-estar e economia. Pol�ticas p�blicas com enfoque em bem-estar social precisam integrar compromissos com saneamento b�sico 100%, organiza��o de sistemas nacionais de sa�de de cobertura universal, educa��o b�sica de qualidade para todos pelo menos at� o ensino m�dio, prote��o e cuidados com os idosos e pol�tica de renda m�nima universal. Tudo isso ao mesmo tempo. Custa caro? Decerto.

Contudo, bem menos do que o Estado desembolsa, como agora, em situa��o de pandemia. Al�m de preservar vidas, prevenir e conter os impactos do cont�gio, dever� garantir um bem p�blico que daqui em diante dever� dar as m�os � liberdade como aspira��es primeiras da condi��o humana: seguran�a no sentido do direito � vida, e seguran�a em liberdade. Essa parece ser a quest�o. Ao inv�s da condena��o � natureza, que, antes de tudo, � vida e n�o disp�e do dom da intencionalidade, e ao inv�s da ideol�gica falsa discuss�o sobre “estado m�nimo” versus “estado m�ximo”, simplesmente estado de bem-estar democr�tico e de compromisso com a vida e o desenvolvimento. Que, ali�s, inclui o crescimento econ�mico e a racionalidade fiscal. Inclui, sem a isso se resumir.

"Desemprego e risco de fome dever�o ser enfrentados tamb�m com pol�tica p�blica universal de renda m�nima"



Em tempos sombrios, a escurid�o reivindica a voz. Voz cavernosa, apocal�ptica, anunciando que em tempos de recorr�ncia de epidemias, desemprego tecnol�gico, incertezas e inquieta��o, o pre�o da seguran�a � o maior sacrif�cio das liberdades. A come�ar do sacrif�cio da liberdade de imprensa, como querem, por exemplo, Trump, Bolsonaro, Erdogan, Putin, Orb�n e Ortega.

Pelo menos uma coisa �, sen�o certa, pelo menos altamente prov�vel: nada ser� como antes no que diz respeito ao �xito pr�tico da ideologia da exclus�o de direitos que procura naturalizar as desigualdades ao impor como pol�tica de Estado e de governos o discurso ideol�gico do Estado m�nimo. O pensador, fil�sofo e jurista italiano Norberto Bobbio ensina: o ataque ao estado do bem-estar social � um ataque � pr�pria democracia. Viola o bem mais precioso da alma humana: o senso de dignidade e o senso de pertencimento social.

Distante do capitalismo de estado, provavelmente caminharemos na dire��o de capitalismo com automa��o e intelig�ncia artificial, combinado com pol�ticas p�blicas socialistas, fortalecimento da democracia e sustentabilidade ambiental. Por outras palavras, socialdemocracia sem medo do bem-estar social, pois a velha socialdemocracia do p�s-guerra acabou ideologicamente capturada pelo discurso ultraliberal da conten��o. Utopia? N�o. Incita��o � luta pol�tica e cultural por mais democracia.

Isso tem custo alto. De onde vir� o dinheiro? No caso do Brasil, da tributa��o de dividendos, da eleva��o do imposto de renda dos mais ricos (pessoa f�sica) com al�quotas de at� 40%, revis�o do sistema de isen��es tribut�rias, revis�o tribut�ria da pejotiza��o (lucro presumido e outros mecanismos de evas�o e injusti�a fiscal hoje legalizados), e da tributa��o sobre heran�as. Socialismo? Os Estados Unidos e a Uni�o Europeia j� praticam isso h� muito tempo.

Caminharemos, tamb�m, em escala global, para um capitalismo tecnologicamente avan�ado, combinado com uma not�vel expans�o do empreendedorismo das micro, pequenas e m�dias empresas. Observaremos uma ruraliza��o das cidades e uma urbaniza��o dos campos em raz�o de deslocamentos impulsionados pela busca de emprego, renda e empreendedorismo. Tamb�m devido ao medo da morte. Haver� um retorno, com qualifica��o, ao artesanato. Haver� muita troca simples, n�o monet�ria, ao lado do cr�dito barato, sinal, tamb�m, de uma redescoberta do gosto de conviver.

O custo do cr�dito dever� cair notavelmente, aproximando-se do patamar dos pa�ses desenvolvidos. Desemprego e risco de fome dever�o ser enfrentados tamb�m com pol�tica p�blica universal de renda m�nima e com forte aporte ao microcr�dito concedido a grupos de empreendedores pobres, agrupados. O combate � pobreza dever� alcan�ar a mesma prioridade que o combate a uma epidemia como a atual. O gasto p�blico estatal dever� subordinar-se � disciplina de metas de bem-estar fortemente consensuais, como a meta de saneamento 100% em 10 anos, por exemplo.

Desenvolvimento dever� ser compreendido por cada crian�a como crescimento da produtividade, educa��o de qualidade para todos, sa�de p�blica de qualidade para todos, sustentabilidade ambiental, democracia e nenhuma toler�ncia com a forma��o e sustenta��o de castas burocr�ticas de estado sustentadas por privil�gios. Essa � uma forma inaceit�vel de acumula��o primitiva de capital �s custas do aumento da pobreza, � uma forma de neopatrimonialismo. � quase um roubo. Estamos nos tornando uma sociedade de castas estatais, de estamentos de privilegiados bancados com dinheiro p�blico. Essa precisa vir a ser a orienta��o geral civilizat�ria. Caso contr�rio seremos uma na��o fragmentada.

Quem ser�o os atores sociais respons�veis por essas mudan�as? Em parte, as pr�prias elites em circula��o e as novas elites republicanas emergentes. A for�a propulsora vir� dos jovens. Precisaremos de um novo Maio de 1968, do protesto para mudar? Mil novecentos e sessenta e oito produziu o feminismo, a afirma��o das identidades de cor, g�nero, orienta��o sexual, a��es coletivas de causa �nica, sem uma vis�o totalizadora. Ampliou a toler�ncia. N�o produziu mudan�a pol�tica e viu, menos de uma d�cada ap�s, encolher o estado do bem-estar social. J� n�o dispomos da cl�ssica luta de classes, respons�vel, enquanto existiu, por mais democracia e capitalismo, amplia��o da igualdade e progresso civilizat�rio. Fragilizada, deu lugar � distopia do neoliberalismo ensandecido, hoje com as suas veias e v�sceras do ego�smo extremo expostas. Saudades das lutas de classe, que j� n�o h�. Da�, a esperan�a no protagonismo da juventude.

Um ponto de inflex�o not�vel a ser observado ap�s a pandemia dever� ser, nos Estados Unidos da Am�rica, a convers�o da sociedade e das elites � aceita��o e cria��o de um sistema nacional de sa�de p�blica, semelhante ao ingl�s. Para o conservadorismo, isso � o mesmo que “socialismo”. N�o, n�o �. � capitalismo e democracia com pol�tica p�blica socialista na sa�de. Afinal, depois que a pandemia passou a produzir por dia mais mortos que o total de mortos do 11 de Setembro de 2001, nem tudo que antes era s�lido, permanecer�.

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)