
As semanas de 8 a 21 de junho deixaram-nos boas e m�s not�cias. Nesses dias, as corajosas a��es do Supremo descortinaram o caminho institucional e ofereceram ao Poder Legislativo e � sociedade civil o rumo pol�tico para que, afinal, a na��o emancipe a Constitui��o de 1988 e a democracia brasileira do jugo ideol�gico-autorit�rio de um presumido “poder moderador” que as For�as Armadas atribuem-se a si mesmas. O presidente da Rep�blica acalenta o sonho delirante do autogolpe na linhagem de “interven��o militar com Bolsonaro”.
O espectro do “golpismo legal” ronda a democracia brasileira desde a promulga��o da Constitui��o de 1988. O chamado “poder moderador” atribu�do pelo autoritarismo ideol�gico �s For�as Armadas e por elas a si pr�prias, � uma criatura crepuscular. Por partenog�nese ideol�gica, no governo Bolsonaro irrompeu das meninges palacianas, civis e militares.
O discurso do “poder moderador” pol�tico-palaciano-militar oferece singular e interessada interpreta��o do artigo 142 da Constitui��o: em situa��o de crise institucional ou de eventual situa��o de grave conflito entre o Poder Executivo e qualquer dos dois outros poderes, o Executivo disporia da prerrogativa constitucional de convocar as For�as Armadas � interven��o militar como um “poder moderador”.
Em decis�o liminar, a exame do pleno do Supremo, o ministro Luiz Fux sepultou o “argumento” da amea�a: n�o h� Poder Moderador e um poder n�o pode convocar as For�as Armadas a intervirem para restabelecer a ordem institucional entre os poderes.
Esse � o discurso da velha ordem da amea�a, agora em vers�o e pr�tica fascista-bolsonarista. Esse discurso tem sido reiteradamente vocalizado pelo vice-presidente Hamilton Mour�o e pelos ministros palacianos e generais de Ex�rcito Braga Netto, da Casa Civil, e Luiz Eduardo Ramos. A eles associou-se, por coopta��o, o ministro da Defesa, o tamb�m general de Ex�rcito Fernando Azevedo e Silva. Em 19 de abril, Bolsonaro e Azevedo sobrevoaram ato antidemocr�tico do bolsonarismo extremista em Bras�lia.
Os manifestantes exibiam enorme faixa com a inscri��o “Interven��o militar com Bolsonaro”. Na ocasi�o, os poderes Legislativo e Judici�rio n�o exigiram a demiss�o do ministro. Erraram. Bolsonaro e o ministro cometeram crime de responsabilidade. Passaram ilesos pela provoca��o. O presidente e o bolsonarismo tudo fazem para estabelecer a simbiose entre governo e For�as Armadas. Bolsonaro visita quarteis, fala em nome das For�as Armadas, emite notas com conte�do de confronta��o com o Supremo e respalda-se nas For�as Armadas. Determinado e obsessivo, minou as resist�ncias iniciais dos generais palacianos e do ministro da Defesa, antes refrat�rios � simbiose governo-For�as Armadas.
De algum tempo para c�, eles mesmos se fizeram protagonistas desse jogo autorit�rio de um governo que a cada dia exibe-se como uma ordem da amea�a que deseja impor, pelo autogolpe, a ordem da aniquila��o da democracia e do republicanismo. Ativamente, auxiliaram o presidente a alojar, at� agora, 2.716 membros das For�as Armadas no aparelho de Estado.
A coopta��o em larga escala � uma de duas manobras do bolsonarismo de cerco estrat�gico palaciano �s For�as Armadas. A outra � o envolvimento sistem�tico dos ministros de origem militar na confronta��o com os demais Poderes, patente nas diversas notas palacianas assinadas por eles e pelo presidente. Feitas as habituais lamban�as contra os Poderes, segue-se a fal�cia da “busca do di�logo”, a tal “bola no ch�o”, at� as cenas do pr�ximo cap�tulo. Coopta��o e confronta��o s�o o “martelo” e a “bigorna” que o capit�o Bolsonaro usa ao acionar, � exaust�o, os cercos imediatos e t�ticos at� alcan�ar o cerco estrat�gico das For�as Armadas pelo poder palaciano. Precisa da simbiose para o autogolpe legal. Precisa da apropria��o hermen�utica do artigo 142 da Constitui��o para dar voz � fabula��o sobre o Poder Moderador.
Em ato, no dia-a-dia o presidente e o “gabinete do �dio” familista e ideol�gico promovem, em escalada semelhante a uma “guerra de atrito” cont�nua, conflitos com os Poderes Judici�rio e Legislativo, a imprensa e a sociedade civil. A intencional a��o pol�tico-militar presidencial de gera��o de crises com os demais Poderes e de “guerra cultural” permanente contra a sociedade civil e a imprensa nutrem a viol�ncia e a intoler�ncia das legi�es mobilizadas do bolsonarismo contra a democracia. O encadeamento retr�grado entre as organiza��es da viol�ncia coordenado pelo bolsonarismo militante inclui de grupos paramilitares �s mil�cias organizadas no Rio de Janeiro. Estende-se a setores das pol�cias-militares, instigados pelo apoio presidencial a irromperem em motins contra governadores, como se viu no Cear� no in�cio desse ano.
Contudo, a destemida resist�ncia do Supremo � irresponsabilidade do governo da ordem da amea�a despojaram, na �ltima semana, o presidente e o bolsonarismo do escudo da onipot�ncia e da arrog�ncia ao exibir a ordem da amea�a semelhante a uma ordem da farsa. Bolsonaro e o bolsonarismo sect�rio encontram-se sob investiga��o e conten��o legal: inqu�rito das fake news, inqu�rito que investiga suposta interfer�ncia presidencial na Pol�cia Federal, inqu�rito de apura��o dos atos antidemocr�ticos como o de 19 de abril em Bras�lia, inqu�ritos em andamento no TSE sobre eventuais crimes eleitorais cometidos pela campanha da chapa Bolsonaro-Mour�o, seguindo-se a quebra do sigilo banc�rio e as opera��es de busca e apreens�o nos domic�lios de 20 l�deres do bolsonarismo, solicitadas pelo procurador-geral da Rep�blica. Entre eles, contam-se 10 deputados federais e um senador.
Para culminar, prossegue, c�lere, o inqu�rito a cargo do Minist�rio P�blico estadual e da Pol�cia Civil do Rio de Janeiro que investiga prov�veis crimes cometidos pelo senador Fl�vio Bolsonaro. A quinzena terminou com a pris�o do “faz-tudo” da fam�lia Bolsonaro, o ex-policial militar Fabr�cio Queiroz, operador financeiro do esquema das “rachadinhas” montado no gabinete do ent�o deputado estadual Fl�vio Bolsonaro.
A esposa de Fabricio Queiroz est� foragida. O advogado Frederick Wassef, que presta servi�os profissionais ao senador e ao presidente da Rep�blica, apelidado “Anjo”, h� um ano abrigava e ocultava Fabricio em resid�ncia de sua propriedade na cidade paulista de Atibaia. O vice-presidente dir� que as investiga��es e os processos est�o “atravessando a linha”? As cumplicidades entre os Bolsonaro, Fabricio Queiroz e Wassef, ao fundo as mil�cias, come�am a insinuar uma “venezueliza��o” do Pal�cio do Planalto. “Bola no ch�o”, vice-presidente e ministros militares?