
Coluna boi com ab�bora, como diria meu querido Noca da Portela, rende pol�micas inesperadas. Foi o que aconteceu na sexta-feira, comigo, por causa da grana na cueca do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado pela Pol�cia Federal supostamente tentando ocultar provas e obstruir a a��o da Justi�a durante uma opera��o de busca e apreens�o em sua resid�ncia, em Boa Vista. Vice-l�der do governo Bolsonaro no Senado, a not�cia se espalhou pelo mundo e virou meme nas redes sociais, porque o parlamentar governista tentara esconder R$ 37 mil no cal��o do pijama, uma parte nas n�degas, dentro da cueca. Havia pedido para ir ao banheiro e o delegado desconfiou do grande volume dentro do pijama. A vers�o vazada era de que o senador borrou-se todo, nervoso, quando sofreu a revista �ntima.
Diz um velho jarg�o das reda��es: um homem ser mordido por um cachorro n�o � not�cia (n�o � bem assim), ela s� existe quando o homem morde o cachorro, fato que nunca vi registrado nos jornais. J� vi atirar ou espancar um animal. Era �bvio que a hist�ria do senador Chico Rodrigues seria o assunto pol�tico do dia, a ponto de ofuscar o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do pol�mico habeas corpus do traficante Andr� de Oliveira Macedo, o Andr� do Rap, que havia sido concedido pelo ministro Marco Aur�lio Mello e fora suspenso pelo presidente daquela Corte, ministro Luiz Fux. Como vinha acompanhando o julgamento, tive que tratar dos dois assuntos na mesma coluna, intitulada “O traficante e o senador”.
O julgamento do caso de Andr� do Rap terminou 9 a 1, a favor da excepcionalidade da suspens�o do habeas corpus, mas gerou muita discuss�o entre os ministros sobre: a) o poder de Fux no comando do tribunal para sustar liminares dos pares, contestado pela maioria; b) as fragilidades do sistema de distribui��o de processos (o advogado entrou com nove habeas corpus sucessivos e retirava-os sempre que julgava que o ministro escolhido n�o o concederia, at� ser distribu�do para Marco Aur�lio, que j� havia concedido mais de 70 liminares com a mesma interpreta��o literal da lei); c) a sucess�o de omiss�es da Justi�a, do Minist�rio P�blico e das autoridades policiais quanto ao caso de Andr� do Rap; d) a liberta��o autom�tica dos presos preventivamente, caso o juiz n�o fa�a a revis�o a cada 90 dias, que no entendimento da maioria, com exce��o de Marco Aur�lio, n�o deve ocorrer mais.
Toda a confus�o se deu por causa da exegese do artigo 316 do C�digo de Processo Penal, que diz, em seu par�grafo �nico: “Decretada a pris�o preventiva, dever� o �rg�o emissor da decis�o revisar a necessidade de sua manuten��o a cada 90 (noventa) dias, mediante decis�o fundamentada, de of�cio, sob pena de tornar a pris�o ilegal”. Marco Aur�lio Mello interpretava ao p� da letra o citado artigo e mandava soltar todos os presos nessa situa��o cujos casos fossem parar em suas m�os, inclusive Andr� do Rap, segundo o princ�pio do direito germ�nico-romano, predominante na legisla��o brasileira, de que a lei precede o fato, n�o importa o “paciente” nem as consequ�ncias. � o que os advogados chamam de “bom direito”.
Ombudsman
Voltemos ao dinheiro na cueca, que entrou para o nosso folclore pol�tico mais escatol�gico. Ao ler a coluna de sexta-feira, um querido amigo, em mensagem pela mesma rede social pela qual havia lhe enviado a coluna, indagou: “Mas o crime � carregar dinheiro na cueca?”. Dei-me conta de que estava diante de um questionamento �tico, uma discuss�o muito s�ria. Tentei explicar: oculta��o de prova e obstru��o da Justi�a. E arrematei: Vai acabar cassado e preso, por causa do desvio do dinheiro das emendas. A� veio o questionamento definitivo: “A�, sim. Mas levar dinheiro na cueca, eu fiz muitas vezes, quando viajava sem cart�o de cr�dito. Mas a manchete tem sido: ‘Dinheiro na cueca’. Pois �. N�o � crime. � bullying! ”
Meu ombudsman acidental tem raz�o. N�o � crime mesmo, quem j� n�o viajou com dinheiro e documentos numa pochete sob as vestes para evitar furtos? Eis a quest�o, estamos diante de uma situa��o em que a not�cia n�o � o crime, a investiga��o ainda tem que provar a origem il�cita do dinheiro. Penso que isso acabar� acontecendo, mas quem acha vive se perdendo, advertia Noel Rosa. O parlamentar j� foi lan�ado ao mar pelo presidente Jair Bolsonaro, de quem era pr�ximo, e n�o ser� surpresa se seu mandato for cassado por seus pares no Senado, como j� aconteceu outras vezes, porque a situa��o � muito desmoralizante para a vetusta institui��o. Tanto que o ministro Lu�s Roberto Barroso, sem pestanejar, afastou-o do mandato por 90 dias, decis�o monocr�tica que causou mal-estar entre os pol�ticos. A c�pula do Congresso tem ojeriza a isso, por�m, n�o reage, para n�o afrontar a opini�o p�blica.
Os fatos ocorrem e s�o registrados como hist�ria, os meios de comunica��o t�m um papel fundamental nisso. Entretanto, como j� advertiu Hanna Arendt, a verdade desses eventos pode ser distorcida para justificar uma a��o pol�tica particular, garantir a revela��o dos fatos num momento mais conveniente, assegurar a resposta desejada em determinados momentos e reescrever a hist�ria para favorecer certas pessoas ou priorizar certos fatos.
A a��o policial na casa do senador Chico Rodrigues foi documentada e est� anexada aos autos do processo, mas os v�deos da revista �ntima foram mantidos em sigilo de Justi�a, trancados num cofre por determina��o do ministro Barroso. A divulga��o de que o senador estava com dinheiro nas n�degas, o que por si n�o � crime, como j� foi dito, fez da opera��o de busca e apreens�o um fen�meno midi�tico mundial. Entretanto, se n�o for comprovada a origem il�cita do dinheiro, nada poder� ser feito contra ele, al�m de exigir o pagamento do Imposto de Renda. Quem se desgasta com a tese de que a pol�cia prende e a Justi�a solta, como no caso de Andr� do Rap? O Supremo.