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Estado de Minas ENTRELINHAS

Racismo no Brasil: existe um Zumbi para cada oprimido

Existe uma realidade social indel�vel, que explode na nossa cara, principalmente quando a exclus�o, o preconceito e a viol�ncia contra os negros atingem n�veis absurdos


22/11/2020 04:00 - atualizado 22/11/2020 07:53

(foto: Wikimedia Commons)
(foto: Wikimedia Commons)

No livro Escravid�o, primeiro volume, de Laurentino Gomes, Zumbi dos Palmares � descrito como um her�i em constru��o. Encurralado e morto no dia 20 de novembro de 1695, pelo capit�o Andr� Furtado de Mendon�a, estava acompanhado de 20 guerreiros, dos quais somente um foi capturado vivo; os demais lutaram at� a morte. 

“Decepada e salgada”, a cabe�a do l�der quilombola foi enviada para Recife, onde ficou exposta no P�tio do Carmo. Em carta ao rei de Portugal, o governador Mello e Castro registrou para a hist�ria a origem do mito:

“Determinei que pusessem sua cabe�a em um poste no lugar mais p�blico desta pra�a, para satisfazer os ofendidos e injustamente queixosos e atemorizar os negros que supersticiosamente julgavam Zumbi um imortal, para que entendessem que esta empresa acabava de todo com os Palmares”. 

Hoje, quase ningu�m sabe quem foi o ex-governador de Pernambuco Mello e Castro, seu sobrenome � associado ao engenheiro, escritor, artista pl�stico e poeta experimentalista portugu�s Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro, que se radicou em S�o Paulo, onde morreu em agosto passado.

Zumbi, n�o; a data de sua morte rivalizava com o Dia da Aboli��o, 13 de Maio de 1888, como marco da luta dos negros no Brasil. O Treze de Maio foi feriado nacional durante toda a Rep�blica Velha; o 20 de novembro somente em 2011 foi oficializado como o Dia Nacional de Zumbi e da Consci�ncia Negra, mas � considerado feriado somente no Rio Grande do Norte, Cear�, Pernambuco, Par� e Rond�nia.

O conflito de datas n�o � trivial, reflete uma disputa ideol�gica entre aqueles que n�o admitem a exist�ncia do racismo no Brasil, com o presidente Jair Bolsonaro – “sou dalt�nico” – e o vice-presidente da Rep�blica, o general Hamilton Mour�o – “n�o existe” –, e os militantes do movimento negro, que lutam contra o racismo estrutural brasileiro, para os quais a Lei �urea seria um ato de fachada da aristocracia agr�ria e escravocrata.

O Brasil foi o �ltimo pa�s do Ocidente a acabar com o tr�fico de escravos, em 1850, e com a escravid�o, 38 anos depois. N�o haveria o que comemorar no 13 de maio porque os escravos libertos foram abandonados � pr�pria sorte, sendo substitu�dos por trabalhadores imigrantes europeus nas lavouras, manufaturas e com�rcio. 

Os mitos


Entretanto, uma biografia robusta de Zumbi, segundo alguns historiadores, � uma tarefa imposs�vel, em raz�o da insufici�ncia de fontes prim�rias e da multiplicidade de vers�es. Haveria tr�s Zumbis m�ticos:  

(1) O Zumbi dos colonizadores. Palmares era apontado como um n�cleo de barb�rie africana e amea�a � civiliza��o. Joaquim Manoel de Macedo, m�dico e escritor, autor de A Moreninha e Mem�rias da Rua do Ouvidor, em 1869, afirmava que os negros carregavam “os v�cios ign�beis, a pervers�o, os �dios, os ferozes instintos do escravocrata, inimigo natural e rancoroso do seu senhor, os miasmas, a s�filis moral da escravid�o infeccionando a casa, a fazenda, a fam�lia dos senhores, a sua raiva concentrada, mas sempre em conspira��o latente atentando contra a fortuna, a vida e a honra de seus inc�nscios opressores”. Essa vis�o permanece subliminarmente na nossa sociedade. 

(2) O Zumbi revolucion�rio. Est� associado “� aut�ntica luta de classes que encheu s�culos de nossa hist�ria” – na vis�o do jornalista Astrojildo Pereira, fundador e secret�rio-geral do Partido Comunista Brasileiro, no jornal A classe Oper�ria, em 1929 –, cujo momento “culminante de hero�smo e grandeza” fora a rep�blica de Palmares, “tendo � sua frente a figura �pica de Zumbi, o nosso Spartaco negro”. � uma vis�o ideol�gica, que reproduz o determinismo marxista da �poca na interpreta��o da Hist�ria.

(3) O Zumbi em constru��o. � o mito que nasce do movimento abolicionista, que o elegeu como �cone da resist�ncia dos escravos, mas ganhou f�lego no s�culo 20, como �cone liter�rio, consagrado nos livros de Joel Rufino, D�cio Freitas e Ivan Alves Filho na d�cada de 1980, e reproduzido na pintura, no cinema, na m�sica e nos desfiles de escolas de samba.

“� o Zumbi dos oprimidos, her�i das lutas pela liberdade, n�o s� de escravos e negros, mas tamb�m dos camponeses, �ndios, trabalhadores, das minorias”, segundo Laurentino Gomes.

Existe um Zumbi para cada oprimido, at� mesmo uma vers�o de que o her�i de Palmares seria um gay jaga, do antrop�logo baiano Luiz Mott. O mito renasce a cada dia, n�o por causa dos historiadores, mas em raz�o da exist�ncia objetiva do racismo.

A exclus�o, a injusti�a social e a viol�ncia f�sica incidem mais contra os negros do que contra outros segmentos da popula��o, independentemente do n�vel social.

H� todo um debate pol�tico sobre as agendas identit�rias e a pol�tica de cotas raciais, que agora chegou � distribui��o de recursos dos partidos na campanha eleitoral, e mesmo uma pol�mica sobre a reprodu��o de conceitos e pr�ticas do movimento negro norte-americano aqui no Brasil, que n�o seriam compat�veis com a realidade de um pa�s miscigenado como o nosso, capaz de “traduzir” toda e qualquer identidade �tnica do ponto de vista cultural.

Entretanto, existe uma realidade social indel�vel, que explode na nossa cara, principalmente quando a exclus�o, o preconceito e a viol�ncia contra os negros atingem n�veis absurdos. � o caso do assassinato de Jo�o Alves Silveira de Freitas, espancado at� a morte por dois seguran�as de uma loja do Carrefour em Porto Alegre.

O crime ocorreu no mesmo dia da morte de Zumbi dos Palmares, cujas comemora��es se transformaram em manifesta��es de protesto em todo o pa�s. 

Epis�dios como esse fazem o mito de Zumbi ser mais forte a cada dia, ainda mais se levarmos em conta que o her�i de Palmares inspira uma nova elite art�stica e intelectual negra, que lidera a tomada de consci�ncia sobre o racismo estrutural no Brasil, contra o qual lutou com relativo �xito individual, mas que permanece � espreita em cada esquina de suas vidas.      

 

  

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