
Instigante artigo do ex-chanceler Celso Lafer, professor em�rito da Faculdade do Largo do S�o Francisco (Direito-USP), publicado no �ltimo domingo, no Estado de S�o Paulo, faz um diagn�stico pol�tico preciso do governo de Donald Trump, que merece muita reflex�o entre n�s, pelo paralelo que podemos projetar, a partir do texto, para o governo do presidente Jair Bolsonaro.
O “mote”do artigo � uma carta enviada em 1975 pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, � fil�sofa judia-alem� Hannah Arendt, autora de Origens do Totalitarismo (Companhia de Bolso) e a A Condi��o Humana (Forense Universit�ria), na qual solicita � escritora que lhe envie o texto de uma palestra que fizera nas comemora��es do bicenten�rio da independ�ncia dos Estados Unidos.
Intitulada Tiro pela culatra, na tradu��o para o portugu�s, seu texto foi publicado no Brasil, na colet�nea Responsabilidade e Julgamento (Companhia das Letras), organizada por Jerome Kohn.
O “mote”do artigo � uma carta enviada em 1975 pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, � fil�sofa judia-alem� Hannah Arendt, autora de Origens do Totalitarismo (Companhia de Bolso) e a A Condi��o Humana (Forense Universit�ria), na qual solicita � escritora que lhe envie o texto de uma palestra que fizera nas comemora��es do bicenten�rio da independ�ncia dos Estados Unidos.
Intitulada Tiro pela culatra, na tradu��o para o portugu�s, seu texto foi publicado no Brasil, na colet�nea Responsabilidade e Julgamento (Companhia das Letras), organizada por Jerome Kohn.
Lafer destaca a iniciativa de Biden, quando integrante da Comiss�o de Rela��es Exteriores do Senado, como uma esp�cie de preocupa��o germinal do que pode vir a ser a linha de atua��o do novo presidente dos Estados Unidos, de resto j� anunciada na campanha eleitoral. O texto de Arendt trata da crise do governo Nixon e da degeneresc�ncia da pol�tica norte-americana nos anos 1970, cujos elementos se reproduzem durante o governo Trump, na vis�o de Lafer:
(1) a mentira por princ�pio, para manipular o Congresso e o povo americanos e nesse caminho p�r em quest�o a credibilidade dos EUA perante outros Estados;
(2) o empenho em abolir qualquer lei, constitucional ou n�o, que se interpusesse aos objetivos da presid�ncia;
(3) o inserir da criminalidade nos processos pol�ticos do pa�s;
(4) o valer-se do “privil�gio do Executivo” para proteger os colaboradores atra�dos pela aura do poder;
(5) o n�o aceitar a derrota, qualquer derrota, da maior pot�ncia sobre a Terra, cujo poder estava em decl�nio;
(6) o equ�voco de respaldar uma economia de desperd�cio, sem atentar para “as amea�as ao nosso ambiente” (Arendt);
(7) o cobrir com um tecido de mentiras os problemas do desemprego e da automa��o.
Espelho quebrado
A dimens�o hist�rica da vit�ria de Biden vem sendo destacada n�o somente por Lafer como por outros analistas da cena brasileira. Sua repercuss�o na pol�tica mundial j� se faz sentir, em todos os aspectos, inclusive em rela��o � pandemia de COVID—19. Como ignorar, por exemplo, o gesto de ontem, quando novo presidente dos Estados Unidos foi a um posto de sa�de de sua cidade para tomar a vacina da Pfizer-Biontech? Quanta diferen�a em rela��o ao nosso presidente da Rep�blica, que j� disse e repetiu que n�o vai tomar e vacina e p�e em d�vida a efic�cia e seguran�a de qualquer uma delas. A troca de comando e rumo nos Estados Unidos, por�m, transcende esse plano imediato das pol�ticas p�blicas: a pr�tica dos costumes democr�ticos repercute no fortalecimento das institui��es republicanas e servem de exemplo para o mundo.
“A campanha eleitoral americana deste ano teve entre suas caracter�sticas uma batalha pela “alma” dos Estados Unidos”, destaca Lafer. Nessa batalha, Biden personificou os valores e as institui��es americanas, suas pr�ticas e seus costumes. “Foi uma contraposi��o aos modos de proceder da presid�ncia Donald Trump, que trouxe com o personalismo do seu bullying a eros�o generalizada do soft power de atra��o dos Estados Unidos.”
E aqui no Brasil? � impressionante como Donald Trump serviu de espelho para o presidente Jair Bolsonaro, nas mais diversas �reas. Na pol�tica externa brasileira, por exemplo, toda a respeitabilidade de nossa diplomacia est� sendo jogada pela janela, apesar de sua cultura secular, cujas ra�zes s�o as negocia��es com os pa�ses vizinhos, nas quais garantimos a consolida��o de nossas fronteiras, sem derramamento de sangue. Ou na quest�o ambiental, na qual nosso protagonismo, da Rio-92 ao Acordo de Paris, deu lugar � vexat�ria condi��o de “p�ria” internacional, nas palavras do chanceler Ernesto Ara�jo.
As mentiras (1), as afrontas legais aos demais poderes(2), a promiscuidade com as mil�cias e outras atividades transgressoras (3), a prote��o aos apaniguados (4), o n�o-reconhecimento dos fracassos (5), os incentivos � grilagem de terras, ao garimpo ilegal e ao desmatamento (6) e a terceiriza��o dos problemas nacionais (7) tecem impressionante paralelo do governo Bolsonaro com o governo Trump (derrotado na reelei��o), a partir da cr�tica de Hannah Arendt � degrada��o pol�tica do governo de Nixon (afastado por impeachment). Com a vit�ria de Joe Biden, esse espelho se quebrou.