
A inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro, aprovada por 5 a 2 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ainda n�o transitou em julgado, pois lhe cabe o direito a recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas j� est� valendo e tem impacto na conjuntura pol�tica do pa�s, principalmente na oposi��o ao governo Lula. Entretanto, Bolsonaro continuar� sendo um grande eleitor nas elei��es municipais, mesmo sem o controle da m�quina federal, porque exerce uma lideran�a de natureza politica e ideol�gica de massas, tem aliados estrat�gicos nos governos estaduais e forte presen�a das redes sociais.
Bolsonaro n�o � um simples produto midi�tico nem o bolsonarismo desaparecer� a curto prazo. As contradi��es sociais que o levaram ao poder continuam existindo, com a revolu��o digital, as mudan�as na estrutura de organiza��o do trabalho, a crise de representa��o dos partidos, a desagrega��o familiar, a viol�ncia, o machismo e a homofobia, entre outras causas. A agenda de Bolsonaro permanecer� viva nas elei��es municipais e isso far� dele um pol�tico influente, mesmo impedido de disputar elei��es.
Especula-se que a decis�o da Justi�a Eleitoral antecipa a disputa de 2026, saltando as elei��es municipais, que teriam um papel secund�rio nas articula��es pol�ticas. Estariam, dadas as condi��es para surgimento de outra outra lideran�a de direita, mais esclarecida e moderada, capaz de mudar o eixo da oposi��o, da extrema-direita para o conservadorismo pol�tico, em alian�a com o centro liberal. Nesse caso, da oposi��o nos estados poderia emergir nova alternativas de poder.
As principais lideran�as de direita do pa�s hoje s�o o governador de Goi�s, Ronaldo Caiado (Uni�o Brasil), uma lideran�a tradicional de direita; o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), que emergiu na onda anti-sistema do tsunami eleitoral de 2018; e o governador de S�o Paulo, Tarc�sio de Freitas (Republicanos), eleito na aba do chap�u de Bolsonaro, mas com seus pr�prios m�ritos, pelos v�nculos que estabeleceu com a elite pol�tica e econ�mica paulista. Este � o jogo a ser jogado no campo do bolsonarismo: encontrar um candidato de direita que a unifique, o que � imposs�vel sem o consentimento e, portanto, o apoio eleitoral do ex-presidente
Nesse contexto, setores de centro que apoiaram o presidente Luiz In�cio Lula da Silva no primeiro turno e est�o descontentes com o governo, seja pelo rumo pol�tico adotado, seja meramente por falta de espa�o no governo federal, come�am a se movimentar com objetivo de ressuscitar a terceira via. A maior dificuldade que encontram � o fato de que tiveram um papel decisivo no segundo turno, mas n�o t�m for�a suficiente para construir uma alternativa de poder no curto prazo.
Ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), ministro do Desenvolvimento Econ�mico, e de Marina Silva (Rede), ministra do Meio Ambiente, Simone Tebet se encaixou plenamente na equipe econ�mica liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cuja atua��o vem recebendo apoio crescente dos agentes econ�micos. N�o h� a menor possibilidade desse pacto pol�tico ser rompido antes das elei��es municipais. S� quem poderia implodir essa alian�a � o presidente Lula, se estivesse descontente com os rumos da pol�tica econ�mica.
Liberalismo
Fora do governo, os nomes que poderiam articular a terceira via s�o o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), e o ex-governador do Cear� Ciro Gomes (PDT). O primeiro est� �s voltas com a gest�o de um estado com dificuldades financeiras cr�nicas, sem condi��es de sustentar um embate com o governo federal nos mesmos patamares de SP, MG e GO. Seria uma estrat�gia de alto risco se colocar como pr�-candidato desde j�. O segundo, est� desgastado por sucessivas derrotas em elei��es presidenciais, n�o tem apoio do seu partido para fazer oposi��o e, por ser nacional-desenvolvimentista, tamb�m n�o � um nome que unifique as for�as de centro.
Por tudo isso, � meio incompreens�vel o movimento err�tico que o presidente Lula resolveu promover, principalmente na pol�tica externa, que n�o tem um amplo consenso na sociedade, como a boa diplomacia exige. O mais preocupante, por�m, � a narrativa em rela��o aos pa�ses autorit�rios da Am�rica Latina, que extrapola a pol�tica de boa vizinhan�a para recuperar mercados. Ao classificar a democracia como relativa e afirmar que dela gosta porque pode se eleger presidente, para justificar o regime venezuelano, Lula flertou com o mesmo “iliberalismo” que se criticava em Bolsonaro.
A democracia n�o se restringe �s elei��es. O erro mais crasso de Bolsonaro foi n�o compreender que o Estado brasileiro, com suas institui��es, � uma “democracia ampliada”, inscrita na Constitui��o de 1988, e n�o resulta apenas da elei��o direta do presidente da Rep�blica. Essa concep��o tamb�m explica o fen�meno da “subsu��o” da sociedade civil pelos governos petistas, o que foi uma das causas das manifesta��es de 2013 e do tsunami eleitoral de 2018. A esquerda tradicional brasileira precisa ultrapassar suas concep��es anti-imperialistas, que v�em os Estados Unidos como inimigo principal. E resistir ao poder de atra��o da China como pot�ncia, que n�o se restringe ao com�rcio; seu modelo de capitalismo de estado � sedutor, como via de acelerado desenvolvimento.