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Estado de Minas OPINI�O

O voto hist�rico de Rosa Weber pelo direito ao aborto

O C�digo Penal brasileiro, que criminaliza a interrup��o da gravidez, � da d�cada de 40 do s�culo passado


24/09/2023 04:00
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ministra Rosa Weber, do STF
"Rosa Weber exerceu um duplo lugar de fala: o de m�e e de guardi� da Constitui��o" (foto: Evaristo S�/AFP)

O conceito de “lugar de fala” ficou famoso ap�s a publica��o do livro da fil�sofa paulista Djamila Ribeiro, “O que � lugar de fala”, principalmente no movimento negro, sendo adotado como uma esp�cie de atestado de legitimidade para qualquer tese identit�ria. Muitas vezes, � desvirtuado e usado como um meio para desqualificar o interlocutor que n�o vive o mesmo problema ou situa��o, com o argumento categ�rico do tipo “voc� n�o pode falar sobre isso porque n�o tem lugar de fala.”

Djamila ampliou a quest�o do feminismo negro (“o outro do outro”) na perspectiva de criticar e superar as cis�es da sociedade causadas pelas desigualdades e pensar novos marcos civilizat�rios. A partir do conceito de “lugar de fala”, a fil�sofa destaca as den�ncias sobre a esteriliza��o for�ado de mulheres negras, na d�cada de 1980, que resultaram numa comiss�o parlamentar de inqu�rito na C�mara Federal, como uma esp�cie de g�nese do feminismo negro no Brasil.

A esteriliza��o for�ada de mulheres nos estertores do regime militar era uma forma de controle da natalidade, com objetivo de limitar a taxa de crescimento da popula��o aos n�veis de expans�o da economia, ou seja, abaixo do Produto Interno Bruto (PIB), com o �bvio prop�sito de mitigar as desigualdades sociais pela redu��o compuls�ria do tamanho das fam�lias pobres, principalmente negras. Era uma viol�ncia contra uma parcela da popula��o que j� era v�tima, como continua sendo, do nosso secular racismo estrutural.

A esteriliza��o for�ada era uma alternativa autorit�ria ao direito ao aborto, quest�o que agora est� sendo julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). �s v�speras de se aposentar, a presidente do Corte, Rosa Weber, na sexta-feira, votou para que o aborto realizado at� 12 semanas de gesta��o n�o seja mais considerado crime no pa�s.

A ministra argumenta que a criminaliza��o fere direitos fundamentais das mulheres, como os direitos � autodetermina��o pessoal, � liberdade e � intimidade, por�m reconhece que a discuss�o do aborto “� uma das quest�es jur�dicas mais sens�veis, porquanto envolve uma teia de raz�es de segunda ordem de natureza �tica, moral, cient�fica, m�dica e religiosa”.

No seu voto hist�rico, Rosa Weber exerceu um duplo lugar de fala: o de m�e e de guardi� da Constitui��o. Nessa condi��o, argumentou que a proibi��o n�o � eficiente para evitar abortos, sendo mais adequado pol�ticas p�blicas de preven��o � gravidez indesejada, como educa��o sexual. “A maternidade � escolha, n�o obriga��o coercitiva. Impor a continuidade da gravidez, a despeito das particularidades que identificam a realidade experimentada pela gestante, representa forma de viol�ncia institucional contra a integridade f�sica, ps�quica e moral da mulher, colocando-a como instrumento a servi�o das decis�es do Estado e da sociedade, mas n�o suas”. 

Prerrogativas

O C�digo Penal brasileiro, que criminaliza a interrup��o da gravidez, � da d�cada de 40 do s�culo passado, quando as mulheres tinham uma “cidadania de segunda classe”, na express�o de Rosa Weber. Nessa �poca, o movimento feminista sequer havia entrado na sua “segunda onda”; o Brasil estava em pleno Estado Novo. “N�o tivemos como participar ativamente da delibera��o sobre quest�o que nos � particular, que diz respeito ao fato comum da vida reprodutiva da mulher, mais que isso, que fala sobre o aspecto nuclear da conforma��o da sua autodetermina��o, que � o projeto da maternidade e sua concilia��o com todos as outras dimens�es do projeto de vida digna”, sustentou a presidente do Supremo. Hoje, o aborto � permitido em caso de gravidez por estupro, risco para a vida da gestante e feto anenc�falo.

A vota��o ser� retomada quando o novo presidente da Corte, Lu�s Roberto Barroso, decidir dar continuidade ao julgamento, cujo desfecho ainda � imprevis�vel. Al�m de Rosa Weber, Barroso, C�rmen L�cia e Edson Fachin s�o ministros favor�veis � descriminaliza��o. Os ministros K�ssio Nunes e Andr� Mendon�a, indicados por Bolsonaro, votar�o contra. A decis�o final depender� dos ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin.

H� uma pol�mica sobre a compet�ncia de rever o dispositivo que pro�be o aborto no C�digo Penal de 1940: caberia ao Congresso ou ao Supremo? Os que s�o contra o aborto argumentam que a atribui��o � do Legislativo, hoje majoritariamente conservador e sob forte influ�ncias dos evang�licos, que podem inclusive vir a eleger um bispo licenciado da Igreja Universal para a presid�ncia da C�mara, o deputado Marcos Pereira (SP), presidente nacional dos Republicanos.

Rosa Weber contestou esse argumento: “Assim como em praticamente todas as democracias liberais (com raras exce��es das democracias puramente majorit�rias), tamb�m na democracia brasileira a fun��o de controlar as leis e atos do poder p�blico para garantir que elas estejam em conformidade com a Constitui��o � exercida por �rg�o independente daqueles respons�veis por aprovar as leis. Este �rg�o � tipicamente uma Suprema Corte ou Tribunal Constitucional. Isso � importante porque a democracia n�o se resume � regra da maioria. Na democracia, os direitos das minorias s�o resguardados, pela Constitui��o, contra preju�zos que a elas (minorias) possam ser causados pela vontade da maioria.”

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