
Vivemos em uma sociedade onde n�o parece ser inconceb�vel interromper temporariamente a “atividade produtiva” para cuidar de vidas. O enfrentamento da crise, queira o presidente da Rep�blica ou n�o, � parar, � ficar em casa para reduzir a velocidade de propaga��o at� que a contamina��o seja controlada. Temos a solu��o. A arma mais eficaz para enfrentar essa guerra, por�m, pode ser a �nica que Jair Bolsonaro repudia.
Um resfriado e uma gripezinha n�o t�m uma curva exponencial de cont�gio como a da COVID-19, n�o exigem interna��es a ponto de o Sistema �nico de Sa�de (SUS) e da rede hospitalar privada n�o darem conta de tratar todo mundo. O lockdown ou o isolamento social s�o capazes de reduzir a velocidade da contamina��o e, consequentemente, o n�mero de infectados que necessitam de assist�ncia e interna��es todos os dias, evitando o colapso do sistema de sa�de, a perda de vidas e um baque na economia – essa que talvez seja a �nica que o gueto de Bolsonaro quer proteger.
Na confer�ncia virtual com l�deres do G20, grupo das 20 maiores economias do planeta, sobre a resposta global ao novo coronav�rus, da qual Bolsonaro participou, o recado evidente foi que os governos devem, ao mesmo tempo, seguir as determina��es de prote��o de suas popula��es e adotar medidas de est�mulo � economia. N�o � uma coisa ou outra, s�o as duas juntas. O Brasil n�o est� acima de tudo, ele � parte de um todo. Em um comunicado conjunto foi dito que o combate � pandemia exige “uma resposta global com esp�rito de solidariedade, transparente, robusta, coordenada, de larga escala e baseada na ci�ncia”. Isso mesmo, na ci�ncia, aquela que vem sofrendo corte de investimentos pelo poder p�blico.
Estudo divulgado pela respeitada London School of Economics, “The economics of a pandemic: the case of COVID-19”, preparado pelos professores de economia Paolo Surico e Andrea Galeotti, ambos do Wheeler Institute for Business and Development, aponta entre as conclus�es a necessidade de os governos priorizarem gastos com sa�de e estrat�gias que reduzam o cont�gio ao longo de 2020 e desembolsarem dinheiro para fam�lias e empresas.
S� uma conta, sem reflex�es: o lucro l�quido dos 4 maiores bancos do Brasil com a��es na Bolsa de Valores (Ita�, Bradesco, Banco do Brasil e Santander) foi de R$ 81,5 bilh�es em 2019, expans�o de 18% na compara��o com 2018. Apenas no quarto trimestre de 2019, o Ita�, maior banco privado da Am�rica Latina, registrou lucro l�quido de R$ 7,296 bilh�es, 12,6% a mais que no mesmo per�odo do ano anterior. Tendo como base a renda b�sica emergencial de R$ 600 aprovada para o per�odo da pandemia pela C�mara, com o lucro de apenas um trimestre daria para atender mais de 4 milh�es de pessoas por tr�s meses seguidos – � equivalente � totalidade da popula��o das capitais Belo Horizonte e Goi�nia juntas.
O Covid-19 traz a oportunidade de deixar ir conceitos fixados em um per�odo da hist�ria da humanidade em que n�o vivemos mais (a era industrial) e deixar vir interpreta��es mais adequadas ao nosso tempo (a era digital). No passado, acreditavam ser infinitos os recursos do planeta e que estes se mantinham intactos e dispon�veis para ser transformados em quantidades ilimitadas de produtos. Acreditavam no mito do crescimento eterno: produza muito, consuma muito, que todos ter�o trabalho. Repito, no passado.
Qual o futuro do capitalismo? N�o d� para esperar uma �nica resposta � quest�o, uma �nica f�rmula, um �nico pensamento linear tomado como verdade. Estudiosos de inova��o defendem que, na era digital, onde experimentamos mais transforma��es em menores intervalos de tempo em raz�o de uma evolu��o em velocidade exponencial, o futuro � plural e, portanto, passam a usar o termo futuros. Assim, diferentes realidades que convivem hibridamente necessitam de tamb�m diferentes modelos, um entendimento sist�mico para um olhar local.
Profundas fissuras
Como diz o professor de economia e pol�ticas p�blicas na Universidade de Oxford e autor do livro “O futuro do capitalismo” (editora L&PM), Paul Collier, profundas fissuras est�o esgar�ando o tecido das nossas sociedades: metr�poles din�micas versus o interior; os mais instru�dos contra os menos instru�dos; pa�ses ricos versus pa�ses em desenvolvimento. Tais rachaduras t�m se agravado com o tempo e n�s perdemos o sentimento de coletividade e de obriga��o �tica para com os outros que foi t�o crucial para o boom econ�mico na segunda metade do S�culo 20. At� agora, tais cis�es, na opini�o dele, apenas serviram de terreno f�rtil para representantes das ideologias nost�lgicas do populismo, levando a abalos da estatura de Trump, do Brexit e do fortalecimento mundial da extrema direita.
Collier lecionou na Universidade de Harvard e na Sciences Po em Paris, al�m de ter sido diretor do Centro de Estudos de Economias Africanas em Oxford. Foi ainda diretor do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento do Banco Mundial. O seu livro � pol�mico uma vez que recusa tanto a f� cega da esquerda no governo quanto o da direita no livre mercado.
sNo final das contas, vivemos uma crise de valores, uma crise �tica. Bolsonaro prefere tratar idosos como produtos de obsolesc�ncia programada, que depois de usados dentro do prazo de validade econ�mica estariam comercialmente mortos. O presidente - e n�o s� ele - opera dentro do chamado egossistema, centrado no eu, enquanto o mundo exige uma transi��o para o ecossistema, focado no bem comum, conforme conceito defendido pelo economista alem�o Otto Scharmer, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Para essa transi��o, tamb�m n�o h� rem�dio - ainda.