"O homem africano", como eles mesmo se referem, "tem comportamento bem diferente dos demais" no que se refere � sexualidade. A come�ar pela obrigatoriedade de ter filhos; quanto mais, melhor. Ter prole grande atesta a for�a da mulher, contam. N�o foram poucas as vezes que os ouvi conversando sobre o fato de um ou outro casal ainda n�o ter conseguido justificar o casamento. Digo conseguido porque querer sempre querem.
Minha tradutora do portugu�s para o suaile, l�ngua majorit�ria no campo de refugiados de Dzaleka, no Malaui, saiu do Congo bem jovem, se refugiou em Mo�ambique por 12 anos, e h� dois est� aqui. Ela e o marido formam um casal diferente, de h�bitos pass�veis de muitas cr�ticas. T�m duas filhas, e ela faz uso de anticoncepcional, j� que a fam�lia est� de bom tamanho, e quando ela est� trabalhando e ele n�o, as crian�as ficam a cargo do pai. Est�o preocupados em dar e ter o m�nimo de conforto, sendo que uma penca de filhos poderia atrapalhar seus planos.
Ela foi tachada de mulher pregui�osa (apesar de trabalhar de sol a sol), do tipo que s� quer vida boa (que mal h� nisso?) por fugir do sagrado dever da maternidade ilimitada (� imposs�vel deixar por conta s� de Deus a resolu��o dessa demanda).
O esposo tamb�m recebe cr�ticas dos vizinhos toda noite, por exemplo, quando pega os baldes e vai bombear �gua no po�o artesiano, a fim de abastecer a casa para o dia seguinte. � noite, a disputa pela �gua � menor, o que o faz escolher a hora em que todos se recolhem para dividir com a mulher as tarefas da casa (que, definitivamente, n�o � coisa de macho). Dividir as tarefas de casa � sinal de que a mulher domina o homem, de que ela o "colocou dentro da garrafa".
Se o casal n�o consegue ter filhos, a raiz do problema � depositada exclusivamente nela. As que nem sequer se casam perdem valor, por isso se preocupam em encontrar seus pares cedo, o que faz com que o amor nem sempre esteja entre as prioridades. O gostar um do outro � algo que se aprende, acreditam.
Homossexualidade � crime e � enorme a dificuldade em lidar com o tema. Melhor ent�o nem falar sobre. Quando � detectada, procura-se algo ou algu�m capaz de fazer a revers�o para a "normalidade". A trai��o, na tradi��o congolesa, d� ao marido o direito de fazer com o usurpador o que quiser, desde que n�o o mate, at� porque este precisa sobreviver para pagar em bens materiais o preju�zo que causou ao casamento alheio. Nesse caso, a mulher pouca culpa tem, mas pode ser colocada pra fora de casa s� com a roupa do corpo.
De uma maneira geral, nos veem como pessoas muito permissivas e at� nocivas. Criticam a intimidade que temos uns com os outros, principalmente entre amigos. Com homens e mulheres casados n�o se brinca, nem se abra�a e beija, "pode despertar desejo". Aos pais, � vedado carinho f�sico com as filhas (o que n�o garante uma baixa taxa de abuso sexual) e o sexo antes do casamento � uma heresia (apesar de n�o ser t�o incomum).
Seriam essas caracter�sticas exclusivas do "homem africano" ou estar�amos "os outros", ao nos dividir entre eles e n�s, tentando nos distanciar daquilo que sabemos que � o melhor, mas ainda n�o conseguimos de fato cumprir?