Atualmente, estou concentrada na confec��o de um macac�o jeans para meu marido. Daquele tipo tradicional de oper�rio. Desde que comecei a costurar, h� pouco mais de seis anos, estou devendo isso a ele. Consegui enrol�-lo durante esse tempo todo, porque o servi�o dele antes era outro, de escrit�rio e reuni�es de engenharia e projetos minimamente formais � sala de aula.
Por�m, as roupas de outrora n�o correspondem mais � expectativa e ao gosto dele. "Cad� o macac�o que voc� prometeu fazer pra mim?", passou a me cobrar quase que diariamente, principalmente quando eu perguntava: "Voc� vai ter coragem de estragar essa roupa na sua oficina?". Em resumo, aposentado de tudo praticamente, passa o dia rodando ferros-velhos, marcenarias, serralherias, lojas de bricolage e afins.
Com o qu� se ocupa atualmente? Com tudo o que possa ser desafiante ou n�o. Aprendeu a soldar e j� coleciona um monte de blusas chamuscadas; as vezes aparece com uma unha roxa, n�o por t�-la martelado, mas por ter ca�do algo pesado sobre ela. Comprou ou herdou uma quantidade de ferramentas e m�quinas de causar inveja, tudo sem gastar muito dinheiro (ou sem jogar dinheiro fora, como apregoa), uma de suas especialidades.
Chego a me arrepiar de medo quando recebo foto de objetos indecifr�veis e vou logo perguntando : "O que � isso que voc� est� querendo comprar?". Por�m, tenho que confessar que consegue transformar pe�a de minera��o em um belo vaso, por exemplo. Belo mesmo, longe de ser jeca, a ponto de ter feito um sucesso enorme em um programa no YouTube de decora��o e arquitetura, no qual teve oportunidade de mostrar algumas de suas cria��es.
Estou contando tudo isso sobre ele com o objetivo de chamar a aten��o para uma face da aposentadoria. A do encontrar um of�cio ao qual se dedicar e se sentir realizado. Longe de ter desenvolvido esse hobby de uma hora para a outra. Do contr�rio, era um desejo antigo que aos poucos foi ganhando espa�o na casa e conhecimento na mente. H� anos, vinha arriscando empreitadas de fins de semana, acompanhava atento o pai desde cedo e o sogro, donos de habilidades admir�veis no trato da madeira, do ferro e de outros materiais.
Grosso modo, aposentadoria significa afastamento do servi�o ativo, um convite � inatividade, acreditam muitos. Significa ficar em casa � toa, perseguindo os demais membros da fam�lia ativos com chatices e ranzinzices. Por isso, habitualmente, a planejamos muito mal, quando o fazemos. Vou jogar t�nis, vou cozinhar, viajar, jogar buraco o dia todo. Mas nos esquecemos de que precisamos de f�sico para exerc�cios f�sicos, gostar de forno e fog�o, ter coragem de pegar estrada e companhia para os jogos.
N�o ser� o macac�o que far� a alegria de meu marido nessa fase da vida. Quem dera as quest�es humanas fossem assim t�o facilmente resolvidas. � o fato de ele reconhecer que chegou a hora de passar o bast�o aos mais jovens e ocupar a fun��o de conselheiro, pois est� em jogo conhecimento demais para ser desperdi�ado. Da mesma forma � preciso reconhecer que ainda h� muito a ser feito e vivido, agora com outros olhos e outras expectativas. Longe de ser tamb�m a melhor fase da vida (aqui, fa�o uma cr�tica aos que chamam a velhice de melhor idade). � apenas uma fase da vida que pode ser bem passada, ao ponto ou crua.