Em tempos de grandes incertezas – como os atuais – buscamos nos valer de “vis�es do mundo” para determinar par�metros de avan�o da atividade humana, seja de ordem cient�fica, art�stica, econ�mica e social ou, sobretudo, pol�tica. “Vis�es de mundo” s�o convic��es que nos habilitam a fazer releituras da realidade, ultrapassar limites e vencer impasses. A realidade, em si mesma, � dura e adversa; mas a atitude da pessoa humana � determinante de solu��es imprevistas, surpreendentes, que mudam o jogo e alteram, para melhor, nossas chances de sobreviv�ncia e progresso.
Vivemos no Brasil tempos de emburrecimento coletivo. Dados da economia nos reportam mais um epis�dio de “recess�o t�cnica”, ap�s o an�ncio pelo IBGE de um segundo trimestre consecutivo de varia��o negativa da produ��o brasileira. O estado de recess�o t�cnica � menos relevante do que a constata��o de um estado de recess�o emocional e moral do coletivo Brasil. Um gigante, como nosso pa�s n�o deixa de ser, se v� apequenado pela sucess�o de decep��es no encaminhamento de sa�das para as grandes quest�es que dizem respeito ao futuro da nossa sociedade. Em vez de avan�os, acumulamos impasses, que v�o desde os conflitos de poderes, no topo das institui��es como Congresso, Judici�rio e Poder Executivo, quanto no dia a dia da vida quotidiana, do desemprego, das contas atrasadas, das portas fechadas.
Para quebrar o c�rculo vicioso da estagna��o presente, que se repete ap�s uma d�cada inteira de impasses na economia, antecipamos o calend�rio eleitoral na pesquisa de nomes que possam constituir renova��o de lideran�as no plano nacional. Que tipo de lideran�a seria capaz de motivar milh�es de desapontados e desconfiados brasileiros, de melhor representar a reorganiza��o de nossas for�as, que n�o s�o poucas, de inspirar, enfim, uma conduta de doa��o e desapego, com for�a suficiente para encabular os corruptos, afastar os embusteiros e mobilizar a grande maioria silenciosa? A promessa de 2022 j� est� no ar, os nomes de pr�-candidatos se multiplicam, mas o deserto de projetos e programas permanece igual. Nessa toada, � grande a chance de repetirmos o vazio eleitoral de 2018.
Um arguto observador da realidade na �rea m�dica me lembrava, outro dia, de que os avan�os da sociedade humana, em qualquer campo, n�o se d�o apenas em fun��o de compet�ncias acumuladas. Compet�ncias s�o estoques de conhecimentos, materializados em indiv�duos ou institui��es, n�o s� cient�ficas e universit�rias, mas tamb�m empresariais e governamentais. Pessoas competentes s�o as que fazem acontecer. Mas n�o s�. O “trip� da harmonia” precisa existir e estar bem balanceado para produzir o milagre do avan�o, na supera��o dos impasses. Compet�ncias, sozinhas, n�o passam de imensos arquivos. O trip� vai exigir a presen�a de mais duas virtudes mobilizadoras: disponibilidade e amabilidade.
A disponibilidade acrescenta uma dimens�o de fluxos temporais aos estoques de compet�ncias. Estar dispon�vel � distinto de ser competente. A compet�ncia � pesada, inerte. A disponibilidade � din�mica, fluida, expans�vel. O trip�, no entanto, s� se completa com uma dimens�o transcendente, que � a amabilidade. N�o por acaso as religi�es nos colocam o amor ao pr�ximo como condi��o essencial ao sucesso da obra civilizat�ria. Sem amabilidade, n�o h� trip�, n�o pode haver harmonia.}
Se come�armos a avaliar pretendentes a l�deres nacionais por esse trip� – ou mesmo se aplicarmos o crit�rio do trip� para avaliar iniciativas empresariais ou profissionais – entenderemos por que falhamos t�o repetidamente. H� os que n�o preenchem sequer o quesito da compet�ncia. Mas se tornam dispon�veis pela ousadia e desfa�atez; enquanto h� competentes, sobretudo nas elites, que sonegam sua disponibilidade. O resultado �, como nesta quadra de nossa hist�ria, o primado da aud�cia dos ignorantes.
Mas � preciso ponderar que n�o s� a compet�ncia e disponibilidade nos resgatar�o do impasse. A virtude maior ser� sempre a amabilidade, que nos consola nos insucessos da compet�ncia e nos anima a manter a disponibilidade, mesmo quando “a conta n�o fecha”. O l�der competente, dispon�vel e amoroso � a pe�a rara que buscamos para resgatar a harmonia da Na��o e um novo tempo de prosperidade, sem deixar ningu�m para tr�s.
Paulo Rabello de Castro colabora quinzenalmente com esta coluna que registra, neste texto, o trip� da harmonia proposto pelo m�dico Dr. Marcos St�vale Joaquim, do Hospital Albert Einstein