
“A culpa � do governo.” Se n�o for dele � do vizinho, ou, quem sabe, do cavalo branco do Napole�o. N�s, brasileiros, precisamos perder o mau h�bito de n�o assumir nossos pr�prios erros e omiss�es. Gostamos de transferir a outros a responsabilidade pelos fracassos.
Essa mania � ainda mais evidente entre os nossos pol�ticos. Ali�s, n�o me lembro de ter ouvido um governante (presidente, governador ou prefeito) reconhecer erros. Muito menos confessar que n�o fez um bom governo, que n�o gastou demais e gerou d�ficit, que sua administra��o desastrosa provocou recess�o e desemprego. Preferem se passar por mentirosos ou desmemoriados do que ser carimbados como gestores inconsequentes.
N�o � sem raz�o que, no Brasil, � recorrente a situa��o de falta de recursos para a administra��o p�blica. Apesar de a arrecada��o engolir um ter�o do Produto Interno Bruto (PIB), s�o de baixa qualidade os servi�os prestados � popula��o. E, como tem ocorrido nos �ltimos anos, n�o sobram mais do que uns trocados para o investimento, o que explica boa parte do nosso cr�nico subdesenvolvimento.
A cultura da irresponsabilidade – pela qual o dinheiro p�blico n�o tem dono e a �nica coisa que conta � vencer a pr�xima elei��o – nos impede de transformar em prosperidade e bem-estar da popula��o o imenso potencial que nos legou a natureza. Essa cultura j� nos levou a aclamar espertalh�es que, em troca de ef�meras melhorias de renda, desarranjaram as contas p�blicas e, com isso, demoliram a confian�a no pa�s, j� t�o abalada por escabrosos casos de corrup��o.
A inconsequ�ncia dos atos administrativos � uma tradi��o brasileira. Aqui, h� as leis que pegam e as que n�o pegam, o que � uma excresc�ncia que enlouquece os estrangeiros honestos e anima os mal-intencionados. Tanto � assim que, at� hoje, tem gente que ainda n�o sabe por que Dilma Rousseff sofreu o impeachment.
O que temos � um desconhecimento fingido da situa��o de caixa do Tesouro versus a corrida maluca por edi��o de leis que criam despesas ou vinculam verbas a determinados setores nos quais os parlamentares julgam obter votos. Isso n�o s� estoura como engessa os or�amentos (hoje, 94% do Or�amento Geral da Uni�o est�o vinculados a algum fundo ou �rg�o, mesmo que eles n�o consigam gastar o dinheiro todo).
DIVIS�O DE RESPONSABILIDADES
Diante desse quadro de distor��es, enganos e trapalhadas or�ament�rias, n�o h� como n�o aplaudir uma proposta que vai al�m das consequ�ncias e ataca o problema em suas causas. E o que � melhor: de forma aberta e democr�tica. No pacot�o de mudan�as da administra��o p�blica, entregue ao Congresso na semana passada, o governo prop�e a cria��o do Conselho Fiscal da Rep�blica.
Longe de ser mais um cabide de empregos, esse �rg�o ser� composto pelos presidentes dos tr�s poderes, que, em reuni�es trimestrais, v�o examinar a situa��o fiscal do pa�s, incluindo estados e munic�pios. �, sem d�vida, uma in�dita divis�o de responsabilidades. Ou seja, nenhum dos poderes poder� criar despesas � revelia dos demais e todos estar�o em dia com a situa��o fiscal de estados e munic�pios.
Esse monitoramento ser� fundamental quando outras medidas previstas no pacote forem implantadas, dando mais verbas e mais autonomia de gest�o a governadores e prefeitos. Da� a import�ncia do Conselho Fiscal da Rep�blica, que decidir� sobre o acionamento de medidas de conten��o.
Uma dessas medidas � a institui��o do Estado de Emerg�ncia Fiscal, a ser declarado sempre que as despesas de um estado ou munic�pio somarem 95% das receitas correntes. A regra valer� tamb�m para a Uni�o, quando a administra��o federal descumprir a Regra de Ouro, ou seja, se endividar para cobrir despesas correntes em valor acima dos investimentos.
Nesse caso, ser�o acionados automaticamente gatilhos de conten��o dos gastos. Durante a vig�ncia da Emerg�ncia Fiscal, fica autorizada a redu��o em at� 25% da jornada de trabalho e de sal�rios dos funcion�rios da administra��o. Al�m disso, ser�o desindexados, ou seja, n�o poder�o ser corrigidos pela infla��o os gastos obrigat�rios correntes, exceto aposentadorias, pens�es e Benef�cios de Presta��o Continuada.
MUDAN�AS OUSADAS
Para quem acompanha h� anos a quest�o fiscal do pa�s, o pacote � o mais ousado j� tentado nesse campo e pode fazer uma revolu��o no Estado brasileiro. Mas, antes, ter� de vencer a lentid�o dos trabalhos parlamentares, atualmente agravada pela decis�o do Planalto de n�o praticar o velho esquema de ‘compra’ de votos no Parlamento.
Temerosos de que os resultados do pacote tragam dividendos eleitorais para o governo, senadores do Centr�o j� come�am a aprontar dificuldades. Jos� Serra (PSDB - SP) quer ver a planilha de c�lculos que embasaram a proposta e Simone Tebet (MDB - MS), presidente da Comiss�o de Constitui��o e Justi�a, foi logo avisando: “O Senado n�o tem pressa”. Suas Excel�ncias podem n�o ter, mas os eleitores t�m. E n�o pretendem ficar calados.