
O quem tem a pol�tica econ�mica de um governo a ver com o enganoso canto das sereias? Pode n�o ter nada, pode ter tudo. Depende dos prop�sitos de quem a conduz. No caso de quem busca resultados duradouros, depender� mais ainda da sua firmeza em se manter no rumo certo, mesmo que isso lhe custe o desgosto das cr�ticas injustas e dos palpites mal-intencionados.
Em meio � tormenta, o cansa�o e a ansiedade tendem a fragilizar o marinheiro, tornando-o propenso a aceitar convites trai�oeiros, a buscar confortos irreais. � o que explica a cria��o do mito grego das sereias que, com sua apar�ncia de mulher e seu canto sedutor, atra�am os navegantes, desviando-os de seu curso e de seus esfor�os para lev�-los ao naufr�gio.
Na condu��o de uma pol�tica econ�mica respons�vel, n�o s�o poucas as tenta��es de seguir por atalhos perigosos. S�o sugeridos por sereias enganadoras e seu canto � t�o mais sedutor e t�o mais insistente quanto mais perto se caminha pelos campos e pelos p�ntanos da pol�tica.
Esse deveria ser terreno f�rtil em cr�ticas construtivas, em contribui��es oportunas com vistas ao bem comum. Mas tem prevalecido a miopia dos que nada vislumbram al�m do calend�rio eleitoral. � intrigante como n�o lhes falta o apoio “t�cnico” de certa academia enviesada e saudosista, sempre pronta a municiar palpiteiros com argumentos que, como o canto das sereias, parecem fazer sentido.
Foi o que se viu quando da divulga��o, na semana passada, do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre. Mesmo minguada, a taxa de crescimento de 0,6% sobre o trimestre anterior veio bem acima do esperado e isso parece ter causado incontido aborrecimento � torcida contr�ria. Doeu-lhe ouvir analistas s�rios louvarem a persist�ncia do crescimento, al�m do fato de que, ao contr�rio do per�odo recente que nos levou ao precip�cio, o avan�o vem sendo retomado pela via do capital privado e n�o pelo irrespons�vel endividamento p�blico.
De fato, o consumo das fam�lias cresceu 0,8% ante apenas 0,2% no trimestre passado. Os investimentos privados, registrados na conta de Forma��o Bruta de Capital Fixo, surpreenderam com avan�o de 2%, enquanto os gastos do governo recuaram 0,7%. � claro que tudo isso � ainda insuficiente para garantir que a retomada da atividade econ�mica ganhar� o ritmo que o pa�s precisa para ampliar o emprego e a renda. O investimento, por exemplo, dever� fechar 2019 na faixa de 18% do PIB, bem abaixo dos desej�veis 24,5%.
HERAN�AS PESADAS
Mas, para quem ainda paga as pesadas heran�as do rombo fiscal e da recess�o econ�mica, trata-se de resultado positivo. S� n�o agrada a quem torce contra. S�o dados que confirmam, de um lado, o compromisso do governo com o fim da farra com o dinheiro p�blico e, de outro, a recupera��o gradual da confian�a perdida pelas empresas e pelas pessoas. Esse desempenho, somado � queda da taxa b�sica de juros (Selic) a n�veis hist�ricos, anima os melhores analistas a projetar mais crescimento no ano que vem.
Esses sinais de melhora do ambiente de neg�cios j� vinham sendo percebidos pelos medidores do �nimo dos agentes econ�micos. Um desses term�metros � o Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br), da Funda��o Get�lio Vargas. Como se sabe, a atividade econ�mica � movida por expectativas baseadas na confian�a de investidores e consumidores. A incerteza inibe tanto o investimento (n�o se vislumbra o retorno do capital) quanto o consumo (as fam�lias temem o desemprego).
A incerteza teve pico de 132,4 pontos em 2008, com a crise mundial, situa��o que se repetiu em 2015. Em 2019, vinha oscilando com vi�s de baixa gradual, mas, nos �ltimos dois meses, o IIE acelerou a queda. Em novembro, baixou 6 posi��es em rela��o a outubro, ao fechar o m�s em 105,1 pontos (100 � o ponto de equil�brio), com tend�ncia de baixa. N�o h� d�vida quanto � influ�ncia da aprova��o da Reforma da Previd�ncia nesse cen�rio.
ATALHO PERIGOSO
Mas, as sereias n�o param. Pelo contr�rio. Ante os evidentes sinais de recupera��o da economia, vozes se ouvem no Congresso e na imprensa, sugerindo que se acelere o crescimento. O pretexto � que o desemprego continua muito alto (o que � verdade) e que o governo deveria ampliar seus gastos com investimentos para gerar empregos.
Visto assim do alto, como diz o samba, parece coisa boa, mas � apenas um daqueles atalhos perigosos. Acelerar o crescimento sem ter uma base s�lida para isso � pura engana��o. Pode dar a falsa impress�o de felicidade geral, mas duraria s� at� depois das elei��es.
No momento, n�o h� como acelerar o crescimento sem injetar muito dinheiro p�blico na economia. Como esse dinheiro n�o existe, seria necess�rio abandonar a responsabilidade fiscal, aumentar a d�vida p�blica e provocar a volta da infla��o. Melhor, n�o. Chega de tapea��o.