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Estado de Minas M�DIA E PODER

Lula � ser humano melhor, mas tem tr�s personalidades inconcili�veis

Quais s�o os tr�s Lulas que o p�riplo pela Europa confirmou ao mundo, quais minhas restri��es a cada um e em que condi��es eu votaria nele pela primeira vez


23/11/2021 06:00 - atualizado 23/11/2021 11:47

Lula durante palestra no Instituto de Estudos Políticos (Sciences Po), em Paris
Lula faz palestra no Instituto de Estudos Pol�ticos (Sciences Po), em Paris, na semana passada (foto: JULIEN DE ROSA/AFP)
H� pouco tempo, a seu jeito de dar uma no cravo e outra na ferradura, Ciro Gomes disse que Lula era um ser humano alguns graus melhor do que Jair Bolsonaro.

N�o calculou o risco de ser comparado aos dois ou pelo menos a Lula. Seria um ser humano melhor do que o petista? Minha primeira impress�o � que n�o.

Fosse me dada a sorte ou o azar de sentar numa mesa de bar com os tr�s, abstraindo toda a hist�ria e as cren�as pol�ticas de cada um, n�o teria d�vida de que Lula � melhor.

� sabidamente afetuoso, generoso, todo interlocu��o, cumplicidade e lealdade com os amigos, bom de uma cachacinha, alguns graus acima da agressividade intempestiva de Ciro, capaz de dar tapas na mesa e derrubar garrafas.

Melhor que Bolsonaro, o menin�o que fala mais do que ouve, capaz de demonstra��es de afeto exageradas — aqueles abra�os de b�bado — e de �dio de igual tamanho. Com o grave defeito de n�o beber, que deve torn�-lo uma companhia ainda mais desagrad�vel.

Minha opini�o n�o mudaria em nada sobre a vantagem de Lula, se chegasse na roda Jo�o Doria com sua autenticidade de manequim de loja. Ou Sergio Moro, calado e frio com um bom gar�om. Os dois devem beber martini. Segurando a ta�a com a ponta dos dedos, pernosticamente.

Eduardo Leite � que talvez pudesse se aproximar de Lula, com seu jeito af�vel de bom rapaz para se apresentar � fam�lia ou s� para conversar de cotovelo apoiado, olho no olho. Mas aqu�m das manhas do velho caudilho para ouvir, se fazer ouvir e s� falar o que o outro quer ouvir.

Politicamente, por�m, Lula n�o est� entre minhas predile��es. Resumo por qu� no final, depois de demonstrar porque vejo nele, para al�m do cara legal, tr�s personalidades inconcili�veis que operam contra sua credibilidade.

Primeira, a melhor delas, � que se trata de um sujeito brilhante, um instinto impressionante para perceber o esp�rito do tempo e encantar plateias em torno de ideias progressistas, lindas para consumo externo.

Arrasou numa impressionante entrevista de 14 minutos em Bruxelas, que resumiu melhor sua filosofia, seu projeto de governo e de vida, que a soma de todas as longas horas de palestras e coletivas pela Europa.



Est� mais do que nunca afiado, redondo, capaz de resumir uma enciclop�dia de ideias pertinentes, oportunas e atuais com senso hist�rico, geopol�tico e conjuntural. E moderno, pronto para falar com pertin�ncia sobre apps, algoritmos e seus riscos para a democracia.

Resumiu em torno de tr�s eixos — desigualdade, ecologia sustent�vel e empregabilidade — um projeto para o mundo, com uma pitada de marketing sobre sua capacidade de fazer, outra de networking sobre suas rela��es com lideran�as mundiais e uma terceira disso tudo em rela��o a suas cren�as pessoais.

A apresentadora portuguesa, da mesma esquerda europeia que se desmancha por ele, independente do que diga, estava visivelmente sensibilizada, para dizer o m�nimo que n�o pare�a machista.

Esse Lula brilhante, articulado e antenado, apresentado na Europa como um estadista que tem solu��o para a humanidade, mais candidato a secret�rio geral da ONU do que a presidente do Brasil, n�o se concilia, entretanto, com o segundo.

Que � um pragm�tico que sabe muito bem diferenciar discurso e pr�tica. E pratica o que � poss�vel na geopol�tica brasileira, um capitalismo de estado acolitado com uma das piores classes pol�ticas do mundo, onde o que se tem a fazer — e fez — � despejar dinheiro p�blico nas elites e dar algumas esmolas para os pobres.

Tamb�m incha a m�quina p�blica, cria subs�dios e benef�cios v�rios para todas as camadas da popula��o, dentro e fora do servi�o p�blico, amplia a distribui��o de verbas p�blicas para cooptar maioria no Congresso. Faz acordo com o diabo e defende privil�gios para determinadas classes e minorias.

Acaba contribuindo para o contr�rio do que prega e em favor das elites que em geral condena em frases para enrolar a plateia: a desigualdade, a ecologia empresarial sustentada com verbas do BNDES e um tipo de empreguismo produzido direta ou indiretamente com dinheiro p�blico.

Os dois Lulas, o idealista e o pragm�tico, n�o se conciliam evidentemente com o terceiro, que mente t�o deslavadamente, "mente de maneira t�o pungente / que acho que mente sinceramente", como no no verso de Affonso Romano de Sant'Anna.

Chega a se esquecer de onde est�, da import�ncia da plateia e de seu lugar hist�rico. Desce � manipula��o rastaquera dos fatos, num desrespeito impressionante, n�o s� a plateias alheias, mas � sua pr�pria, a milit�ncia pronta para aplaudir at� seus arrotos.

Pois esse estadista vendido como encarna��o ONU de solu��o mundial usou o segundo maior palanque do mundo para dizer o que s� os petistas acreditam a respeito dos processos da Lava Jato: � inocente, n�o sabe porque foi condenado e que o juiz o condenou politicamente porque queria ser ministro de Jair Bolsonaro.

Quando entra nessa vibe, perde todo o sentido de contradi��o. Como dizer que Sergio Moro o condenou na expectativa de um cargo no novo governo, se, como ele mesmo diz em uma das palestras, ningu�m, jamais, em tempo algum, poderia imaginar que o Brasil poderia eleger "um sujeito como Jair Bolsonaro"?

Esse terceiro Lula altamente dissimulado, que mente despudoradamente, nacional/mente, internacional/mente, � o mesmo que fez vista grossa para a corrup��o, deixou roubar, induziu seus companheiros a greves e invas�es, defendeu/defende ditaduras, p�s/p�e a pe�ozada na rua para negociar por cima, desde sempre.

� o pragm�tico em excesso, mais para coronel e caudilho que democrata, ao ponto em que os fins justificam os meios, a tomada e a manuten��o do poder se sobrep�em � preocupa��o com desvios �ticos eventuais e passageiros.

Isso � terrivelmente Lula, uma mistura sincera e talvez inconsciente, que vai do idealista ao caudilho, a "metamorfose ambulante" que se vende com compet�ncia, encantando, manipulando ou enganando plateias mundo afora. Agente ou v�tima de suas pr�prias contradi��es.

Veja o v�deo: Tr�s Lulas na Europa

Eu gosto do primeiro, n�o me importo com o segundo, porque sei de nossa conjuntura, e abomino o terceiro. N�o a ponto de �dio, porque j� andei demais para entender a metaf�sica da pol�tica e ser moralista.

E n�o � por nenhum das tr�s que nunca tive a honra de votar nele, embora tivesse votado em amigos petistas. Como a maioria do povo brasileiro, voto por simpatia em cargos que n�o julgo determinantes. Se votasse por empatia para o posto da primeira cadeira do pa�s, votaria no primeiro Lula. 

Consideraria que n�o deve ser totalmente ruim para o pa�s um companheiro bom de copo e de conversa. E se aparecer algu�m com seus mesmos defeitos pol�ticos, � poss�vel que os atributos pessoais revelados no buteco pesem a seu favor.

Minha restri��o � com sua filosofia pol�tica mesmo, seu socialismo inconsciente e esse progressismo que para mim � uma forma de dizer que as elites conservadoras s�o reacion�rias. � sua inspira��o primeira, cristalizada em camadas de circunst�ncias, atr�s da qual arrastou/arrasta legi�es de cr�dulos.

Desde a adolesc�ncia, por mecanismos ou influ�ncias que ainda n�o entendo totalmente, sempre tive restri��es severas a que se pudesse for�ar a igualdade por meio do Estado. E duvidei do sucesso de qualquer tenta��o que tirasse a liberdade natural do homem de lutar e competir para sobreviver e produzir coisas.

Imaginava uma grande �rea que fosse dividida igualmente por 1 mil pessoas. Tinha certeza de que, em pouco tempo, sem controle do Estado, um venderia a sua parte, outro trocaria a sua por uma bicicleta ou um r�dio velho, um terceiro abandonaria, um ou outro compraria a parte da maioria e estabeleceria um monop�lio. 

Como o tempo e os excessos, como tem sido desde sempre, passando pela era dos descobrimentos e da revolu��o industrial at� a era da informa��o, o excesso seria corrigido por outros atores ou pela m�o, no m�ximo fiscalizadora, do Estado.

Com pretens�o estatal de controle e equil�brio, seria pior. Acomoda��o, improdutividade, des�nimo, paralisia, parasitismo, subdesenvolvimento. O Estado querendo empurrar uma carro�a em que ningu�m est� empenhado e feliz.

Lula — estadista, pragm�tico ou politiqueiro — e seus seguidores acreditam piamente que a segunda solu��o � a melhor, contra todas as evid�ncias de que n�o deu certo em lugar algum. � o melhor que eles podem oferecer ao mundo.

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