
Lendo, uma forma eficiente de critic�-lo com mais ou menos vigor, sem cair no rid�culo de negar a sua import�ncia, sua genialidade e seu legado, � separar os Olavos anterior e posterior a 2014.
Para entender a diferen�a entre o g�nio que foi at� a� e a persona pol�mica, contradit�ria e mesmo perigosa em que se transformou em seguida. Ao cavalgar para efeitos midi�ticos tenta��es negacionistas, conspiracionistas e golpistas que abalaram os alicerces de sua catedral de conhecimento.
� o ano em que se descobre a dimens�o de sua obra, do volume de seguidores fi�is dispostos a pagar para ouvi-lo, de seu papel na forma��o de uma milit�ncia de direita que resultaria na derrubada de Dilma e na elei��o de Bolsonaro e na forma��o de uma elite intelectual conservadora para dar frutos pelos pr�ximos 30 anos.
Sa�a como marco O M�nimo que Voc� Precisa Saber para N�o Ser um Idiota, colet�nia cuidadosa organizada por um de seus adeptos proeminentes, Felipe Moura Brasil, sobre o melhor que havia publicado em livros e jornais nos 24 anos anteriores. Saudada assim por Reinaldo Azevedo, em resenha na Veja:
— Ningu�m, no Brasil, escreve com a sua for�a e a sua clareza. Consegue, como nenhum outro autor no Brasil — goste-se ou n�o dele —, emprestar dignidade filos�fica � vida cotidiana, sem jamais baratear o pensamento.
Descobria-se uma legi�o de alunos apaixonados que qualquer doutor de universidade invejaria, cheia de hist�rias de convers�o e descobertas de um sentido para a vida a partir de suas prega��es por autonomia intelectual como forma de fazer diferen�a na vida e no combate pol�tico, especialmente.
Inspirava o pensamento independente como forma de enfrentar a distor��o da realidade pela ideologia e impactava pela for�a com que manejava provas, argumentos e constru��es elaboradas sem perder a clareza, numa contund�ncia a ponto do incontest�vel.
De tal forma, que acabou firmando entre seus milhares de adeptos o axioma de que seus cr�ticos evitavam l�-lo para n�o serem convencidos. Na linha de outro de seus grandes ensinamentos:
— Voc� n�o deve escrever para irritar, mas para destruir, deixar o advers�rio sem resposta.
Tinha deixado sem resposta e um tanto ridicularizada a elite intelectual das universidades, da ind�stria cultural e da imprensa, no in�cio dos anos 90, com os tr�s primeiros livros demolidores, depois de afastado por duas d�cadas do debate p�blico, dedicados a construir e refinar sua filosofia.
Em A Nova Era e a Revolu��o Cultural, O Jardim das Afli��es e O Imbecil Coletivo, publicados entre 1991 e 95, desancava intelectuais, celebridades e pol�ticos paparicados pelo mainstream midi�tico, para denunciar um estado de indig�ncia cultural resultante da ades�o sem reflex�o �s ondas da moda.
Era um tempo em que o moderno era ser "progressista" contra o mundo injusto e em defesa dos movimentos sociais como MST, e n�o mais "revolucion�rio" como os modernos dos anos 60. O fil�sofo da USP Jos� Arthur Gianotti era pop. Caetano Veloso, in telectual de revista, era pop. O deputado petista Jos� Geno�no era pop.
Ex-guerrilheiro jovem, simpatic�o e muito articulado, estava em todas as publica��es respeit�veis como porta-voz da gera��o que abandonara as ilus�es da luta armada para conquistar espa�o dentro e com os instrumentos da democracia.
Eram elabora��es profundas, corajosas, inovadoras e ao mesmo tempo cristalinas sobre a encruzilhada pol�tica em que hav�amos nos metido. Cujas origens e perspectivas sombrias, de reflexos percebidos hoje, explicava e previa com lentes de or�culo.
Debochou da seriedade com que encaravam uma obra rasteira de auto-ajuda, A Nova Era, de Fritjof Capra. Triturou os crit�rios da sofisticada cole��o Os Pensadores, da editora Abril, transformada em semin�rio aplaudido em del�rio. Percebeu e denunciou j� a�, antes de todos, a desgra�a do politicamente correto, importada dos EUA.
Formulou sem contesta��o � altura as bases de sua tese da hegemonia cultural em curso, pela ocupa��o de espa�os pela esquerda nas universidades, na ind�stria cultural e na imprensa. O que lhe permitiu prever o contr�rio do que sugeria o fim dos regimes comunistas simbolizado na queda do Muro de Berlim, em 1989.
Ao contr�rio de todas as evid�ncias e do alarde de que a esquerda estava morta, com base na revolu��o cultural lenta que se dava nas institui��es mais influentes, previu que ela caminhava para tomar o poder no Brasil mais cedo do que se imaginava. Mais especificamente, o PT.
Por isso, nunca se preocupou com as den�ncias de corrup��o que abateram Fernando Collor de Mello como iria relevar as do Mensal�o e do Petrol�o contra Lula. Achava a dela��o uma desonra.
Via o roubo como mal menor diante do projeto de tomada de poder pela ocupa��o das institui��es, que ia al�m da briga eleitoral passageira. Resultava em regimes totalit�rios, perseguidores, criminosos e cheios de cad�veres como foram os regimes comunistas.
— A esquerda � porca — j� disse mais de uma vez.
Donde vai se entender sua obsess�o pela den�ncia do comunismo, que seus fi�is viriam a macaquear sem entender a extens�o. O comunismo, a seu modo de ver, n�o era a ideologia ultrapassada que assombrava os generais de pijama, mas um estado de ser, uma vis�o de mundo, o mais velho movimento de influ�ncia mental e cultural do projeto de esquerda mundial.
At� 2014, sua vis�o mais ou menos consolidada era menos a de pol�tica militante, do que a cultural que move o mundo pelas entranhas.
Sua ocupa��o principal era a produ��o intelectual e o combate sem tr�gua ao que chamava de impostores da universidade, talvez at� para tentar superar um mal resolvido complexo de n�o ter cursado filosofia, ser cobrado e ignorado por isso.
Estimulava seus milhares de alunos a produzir teses sobre temas proibidos e autores marginalizados pelo esquerdismo militante da burocracia acad�mica.
— Procure e voc� n�o vai achar na universidade brasileira uma s� tese que condene os assassinatos em massa dos regimes comunistas.
Como n�o acharia sobre M�rio Ferreira dos Santos, um dos escanteados por essa academia, que reputava como �nico intelectual verdadeiro depois dele, especializado numa ferramenta indispens�vel e desconhecida da maioria dos pseudos que o escanteavam: o conhecimento de Arist�teles.
Procurava provar que era muito superior a todos eles nos seus campos e al�m disso por dominar �reas, geogr�ficas e mentais, que eles mal conheciam.
Tinha uma arsenal mental intimidante sobre quase tudo em Ci�ncias Humanas — Hist�ria, Filosofia, Literatura, Antropologia e at� Psicologia — e ia de fato al�m do eurocentrismo cr�nico dos pensadores brasileiros , com conhecimento mais do que enciclop�dico sobre o Oriente e a forma��o dos imp�rios, russo e chin�s, sobretudo.
Deixou 33 livros e participa��o em outros oito, 24 cursos digitais, 585 aulas online do seu curso de Filosofia com que catequizava seus s�ditos num tipo de missa semanal, sempre aos s�bados � noite. N�o estava no Lattes, plataforma de curr�culos que d� autoridade a pesquisadores e cientistas brasileiros, mas em cita��es e pol�micas mundo afora.
Pode se dizer que, at� 2014, apesar da rejei��o absoluta que lhe devotava a universidade, tinha constru�do carreira pr�pria muito mais produtiva e influente que a de todos os seus cr�ticos, consolidado respeito intelectual e influ�ncia incompar�vel fora dos corredores universit�rios.
O sucesso e a alta exposi��o, por�m, iriam deixar patentes suas debilidades, seus defeitos e seus perigos. Tinha alta dificuldade para lidar com a pol�tica real, fora dos comp�ndios, a diverg�ncia, que tomava como ofensa pessoal, e suas tenta��es autorit�rias. Golpistas, mesmo.
Por causa ou reflexo do sucesso que o fez explodir r�pido nas redes sociais, ele passou a abusar de palavr�es, agress�es e teorias conspirat�rias com sua verve implac�vel. Parte, estrat�gia para mobilizar sua manada e atrair cada vez mais seguidores e clientes para seus cursos. Parte, recalque mesmo. Parte, convic��o.
Tinha um projeto sincero e antigo de n�o ter d� de advers�rio que pensa besteira. � impiedoso e intolerante j� em O Imbecil Coletivo com a burrice. E sempre achou que fi�is da esquerda deveriam ser tratados a pontap�s, porque apoiadores de regimes assassinos.
A nova persona em que se transformou, vaidosa do novo papel p�blico que exercia, ampliava seu s�quito na mesma propor��o em que afastava aliados mais sofisticados e velhos amigos, que n�o diferenciava dos inimigos no tratamento feroz.
Pesava muito a prepot�ncia pol�tica cega para o que era, na verdade, inabilidade e uma ignor�ncia absurda sobre o metabolismo dos interesses em jogo na geopol�tica brasileira de ent�o.
Levou sua manada a defender a deposi��o de Dilma Rousseff, n�o por impeachment, mas por uma sugest�o de golpe militar. E muito equ�voco e falta de perspectiva, desconhecimento total da conjuntura brasileira sobre a qual teorizava maravilhosamente nos seus cursos.
Arruinaldo Azevedo, como chamava agora o amigo que elogiara a colet�nea, depois de uma briga de contornos judiciais por difama��o, tem um v�deo not�vel de indigna��o c�vica que exp�e a tenta��o de golpe e a aliena��o dele e de seus seguidores: "voc�s erraram".
Com a posse de Bolsonaro, ficou mais patente a impress�o de que habitava outro planeta em rela��o ao universo de Bras�lia. Da indica��o de ministros marcianos � m�quina de �dio que cavalgou, mobilizou uma avalanche de a��es equivocadas que criaram enormes problemas para o novo governo que pretendia ajudar.
A cada uma, ampliava as dificuldades de Bolsonaro com os demais poderes e o pre�o da barganha com o Congresso. Como quase um alienado com vis�o de republiqueta a partir de seu pedestal na Virg�nia, defendia/pregava o fechamento do STF por Bolsonaro e os militares.
Esteve inequivocamente por tr�s da m�quina de �dio e dos movimentos golpistas que acordaram o STF para o risco e fez seus ministros reagirem com aquele inqu�rito das fake news, tocado com m�o de ferro por Alexandre de Moraes, escabroso mas indispens�vel � hora.
A maioria dos novos seguidores gostava da persona. Os mais bem informados tomavam esses arroubos como estrat�gias de atra��o de fi�is em sua luta por sua revolu��o cultural. Diga-se que seus palavr�es ou ataques nunca substitu�am o argumento, como ocorre nas mentes menores.
Vinham ao cabo de longas argumenta��es, como em outro v�deo massacrante sobre a influ�ncia cultural africana, que considerava "nenhuma", em resposta a artigo de Jo�o Pedro Sabino Guimar�es, na �poca (�-porca, segundo diz):
— A universidade brasileira � uma organiza��o cem por cento frau-du-len-ta.
Muitos dos mais s�rios e intelectualizados de seus seguidores, empenhados no projeto comum de derrubar a desgra�a petista, n�o viram ou n�o quiseram ver o perigo at� a elei��o de Bolsonaro, em outubro de 2018. Como Danilo Gentili ou Lob�o, seguidor e amigo que, depois de contrari�-lo, viraria Lobost�o.
A di�spora dos intelectuais e celebridades mais bem informados come�a e se amplia depois da posse do novo presidente da Rep�blica, nas provas do �dio e das amea�as golpistas que arregimentava.
Assim, foi do c�u ao inverno nos quatro anos que v�o da descoberta como o grande mentor intelectual da virada conservadora at� sua desmoraliza��o pelo desastre de sua interven��o no governo Bolsonaro. Por exacerba��o de uma personalidade agressiva intelectualmente por convic��o, mas tamb�m por vaidade e recalque.
Como sempre foi ignorado como refer�ncia intelectual pelo establishment universit�rio, cultural e midi�tico, acha-se pouco o que ler sobre seu legado. At� onde vai sua influ�ncia, o alcance e a dura��o das ideias que plantou?
Em que medida foi agente ou reflexo do inevit�vel, o movimento Vem Pra Rua, de 2013, as mobiliza��es pelo impeachment de Dilma e a campanha vitoriosa de Bolsonaro? Que por sua vez tinham sido inspirados por um mundo em desordem, atormentado pela Primavera �rabe tocada pelo Facebook, o Brexit e a elei��o de Trump, seguida de outros extremistas de direita pelo mundo.
Foi reflexo, int�rprete e catalisador de um estado de coisas que s� encontrou nele a pessoa certa no lugar certo porque assim ele estava nos 30 anos anteriores. N�o virou g�nio e l�der do dia para a noite.
Ele tinha uma tese compartilhada por uns poucos pensadores que admirava, de que as revolu��es culturais levavam 30 anos para surtir seus efeitos. No Brasil, a dos militares dos anos 30 do s�culo XX foi tomar o poder na revolu��o de 64, os professores infiltrados nas universidades em 60 come�aram a ver seus efeitos no in�cio dos 90, quando come�a a sua rebeli�o solit�ria que iria denunciar um estado de coisas com fortes reflexos hoje.
Esperava formar uma elite intelectual que consolidasse suas ideias nos outros pr�ximos em 30 anos. Achava ter conseguido mais do que esperava em se considerando seu pouco tempo na estrada midi�tica. N�o esperava chegar ao poder t�o cedo, como acabou chegando, inesperadamente, com Bolsonaro.
A chegada acabou avariando sua credibilidade e talvez atrasando o projeto, porque dispersou o grosso de sua milit�ncia, que deve se esvaziar mais com sua morte.
Mas deixou um batalh�o de disc�pulos influentes, em canais, sites e plataformas de peso, que vai dos mais histri�nicos e simplificadores, como Allan dos Santos e B�rbara Destefani, aos mais sofisticados e de dif�cil contesta��o como ele: , a jornalista Paula Schmidt, a fil�sofa Bruna Torlay, o cineasta Josias The�filo.
S�o prova de que sua filosofia ou sua doutrina��o competente em torno de ideias em florescimento contribu�ram muito para formar uma nova consci�ncia. Sobre os del�rios totalit�rios da esquerda que nos assombram a cada controle de fala ou sobre a ideia de que, sim, h� uma vasta parte da sociedade de valores que n�o os ap�ia.
N�o � dif�cil admitir que possa ter reflexos em 30 anos a ponto de criar uma nova hegemonia, de direita. Que talvez nem convenha. Mas ajudar� a equilibrar o jogo e quem sabe levar o pa�s ao caminho do meio: o da racionalidade, em que a realidade possa ser interpretada sem vieses ideol�gicos. J� ser� muito.