
� sabido que Lula seria beneficiado por ter dado a sorte de ser entrevistado depois de Jair Bolsonaro e Ciro Gomes no Jornal Nacional. Teria a �ltima palavra em eventuais ataques dos dois e tempo de camarote para avaliar a t�tica dos entrevistadores, como o olheiro no jogo da v�spera.
N�o se sabia que poderia levar vantagem pela mudan�a comportamental do casal 20 do jornalismo, claramente acuado em rela��o ao tom de agressividade contra Jair Bolsonaro, na segunda, j� meio amenizado contra Ciro Gomes, na ter�a.
N�o por parcialidade ou op��o pol�tica, como propagam e propagar�o os bolsonaristas em memes universais, mas por medo ou recuo t�tico diante do caminh�o de cr�ticas de todos os lados pelo tom inquisitorial de promotor, juiz e padre meio interessado em moer Bolsonaro.
Problema foi terem recuado para um est�gio de escada, a do entrevistador que levanta a bola para o entrevistado lan�ar, sintom�tico na primeira frase da noite, na boca de William Bonner, para se referir � exist�ncia de corrup��o em seus governos, apesar de inocentado pelo STF: "o senhor n�o deve nada � Justi�a".
Que prosseguiu jogando a discuss�o para o futuro como forma de corrigir o passado ou tom�-lo como superado. "Qual a garantia de que n�o haver� corrup��o no seu governo?" Ou: "Qual a garantia de que o PT n�o vai mandar no seu governo?" Depois de refer�ncias vagas e atenuadas ao pior dos governos petistas que poderiam/deveriam ter sido cobradas com mais vigor.
Renata Vasconcellos pergunta se a resist�ncia do candidato entre o agroneg�cio � por conta de sua rela��o com o MST, assim, sem informar o m�nimo do que significou o passado meio guerrilheiro e predador do movimento. Quando a pergunta certa a ser feita seria: "o senhor garante que n�o haver� invas�es de propriedade?"
Para perguntar sobre o risco PT em seu seu governo, Bonner faz igualmente refer�ncia escassa ao que foi o DNA petista de rachar o pa�s com o "n�s contra eles" e de governan�a desastrosa na economia no governo Dilma, que pode resultar numa Argentina.
Com o clima bastante favor�vel de vamos olhar para frente porque o passado passou e perguntas para as mesmas respostas que o petista tem repetido com sucesso entre os incautos (foi a Lava Jato que destruiu o pa�s e n�o a corrup��o que ela puniu), Lula fez um samba de passista em espa�o vago.
N�o que poderia ter sido diferente, talvez, se fossem agressivos, mais predispostos ou mais preparados para contestar e corrigir � altura, de bate pronto. Lula � um conhecido encantador de serpentes que n�o se recusa a falar de qualquer assunto porque tem uma capacidade demolidora de transformar os defeitos em virtudes e plantar a vers�o que lhe interessa. Rar�ssimo que fique de saia justa.
Como diante de outras plateias igualmente d�ceis, admitiu vagamente o que n�o podia ser negado no grande esquema de corrup��o de seu tempo. Mas o jogou nas costas de algu�m longe do seu calcanhar ("Voc� n�o pode dizer que n�o houve corrup��o se as pessoas confessaram"). Da� para transform�-la em virtude, sacou sua velha m�xima de que a corrup��o apareceu porque seu governo combateu.
Transformou a radicaliza��o do PT, que de fato inaugurou o gangsterismo pol�tico de denegrir o advers�rio e demonizar as elites (vulga zelite), num caso de torcida organizada, a seu jeito de metaforizar quase tudo com futebol. Teria sido apenas uma briguinha dos bons tempos em que tucanos e petistas discutiam e abra�avam no bar, como vasca�nos e flamenguistas depois da partida.
N�o � o MST que assusta os empres�rios do agroneg�cio, mas a defesa do ambiente que afasta os maus empres�rios. "O MST nunca invadiu uma terra produtiva", disse aproveitando o clima de vamos esquecer o passado em que o movimento depredava equipamentos de empresas e tomava fazendas simb�licas, como a do presidente Fernando Henrique Cardoso.
E o problema de Dilma Rousseff n�o foi a condu��o desastrosa da economia, mas a persegui��o de uma "mulher extraordin�ria" por uma "dupla din�mica" de dois homens maus de sua �poca: Eduardo Cunha na C�mara dos Deputados e A�cio Neves no Senado.
Premidos pelo tempo (sempre um problema grave da pressa na Globo, que favorece o entrevistado ao n�o esgotar qualquer assunto) e por um misto de t�tica de recuo, inseguran�a ou despreparo mesmo, os apresentadores n�o contestaram com �nfase nenhuma das meia-verdades ou mentiras inteiras. E o deixaram sambar com uma aur�ola de santo pacificador e revolucion�rio, maior her�i do combate � corrup��o no pa�s.
Foi, diga-se, o primeiro dos tr�s entrevistados que n�o mudou a cara na bancada, como mudaram da �gua para o vinho Bolsonaro e Ciro a fim de n�o parecerem agressivos. Consagrou-se como ele mesmo, uma �guia pol�tica que, como as maiores, j� incorporou a mentira como uma segunda pele, na linha dos versos de Affonso Romano de Sant'Anna, ao modo de Fernando Pessoa, que j� citei a seu respeito:
— Mentem de corpo e alma completamente / E mentem de maneira t�o pungente / que acho que mentem sinceramente.
E acresce que est� visivelmente feliz, energizado, na talvez melhor fase de sua vida e n�o s� porque rec�m bem casado aos 76 anos. � porque j� est� no lucro.
N�o deve mais nada � Justi�a, como lembrou Bonner, ficou livre de todas as pendengas judiciais que tornariam seu resto de vida um mart�rio e recuperou seu curr�culo. Confundiu de tal forma que, mesmo se perder a elei��o, vai passar para a hist�ria como o sujeito que poderia ter salvo o pa�s.
Achei curioso que tivesse citado menos Bolsa Fam�lia que Geraldo Alckmin, com quem anda numa lua de mel mais tormentosa do que possivelmente com a mulher Janja. Quando Bonner se referiu �s resist�ncias do PT ao tucano, ele, a seu jeito energizado, abriu um largo sorriso:
— Acho que estamos em planetas diferentes — disse, reeditando a realidade, a seu jeito. — Alckmin j� foi aceito pelo PT de corpo e alma. Estou at� com ci�me dele.
Minha impress�o � que esteja querendo usar o ex-governador como s�mbolo incontorn�vel de sua disposi��o de sugerir o fim de qualquer resqu�cio do petismo em seu governo. Deve saber mais do que ningu�m, como sempre, que a rejei��o ao partido, muito superior � sua, � seu grande calcanhar.
Ou ent�o, j� cansado, predisposto a n�o se candidatar � reelei��o e viver uma lua de mel com a mulher pelo resto de vida que lhe resta, esteja considerando seriamente em come�ar a entregar o governo para o tucano logo depois da posse e terminar na campanha sucess�ria, em 2026.
Pode ser, enfim, que os dois entrevistadores estejam certos ou estejam melhorando at�. Que estejam mesmo respondendo �s cr�ticas que os acusaram de inquisidores demais. Que a quest�o seja mesmo olhar para frente e cobrar propostas dos candidatos, ao inv�s de arrogarem-se o papel de tribunal do mundo. Que me agrada mais, ali�s.
Mas n�o faria mal ao pa�s terem se esfor�ado por abaixar um pouco essa bola toda desse passista energizado, que � de fato o mais preparado dos candidatos para a grande articula��o nacional de que o pa�s precisa, mas com ideias, circunst�ncias e companhias de que poderemos nos arrepender.
E a reforma trabalhista anti patr�o? E o corporativismo e o imposto sindicais? E o aparelhamento da m�quina p�blica? E as invas�es de propriedade? E o teto de gastos? E a censura � imprensa e �s m�dias sociais? E a relativiza��o da ordem, da propriedade e dos costumes? E? E? E? Hein, hein?